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Você ainda terá um chefe chinês

A China já lidera o ranking de fusões e aquisições de empresas brasileiras. Compreender peculiaridades é a chave para crescer em uma empresa asiática

Por Gabriel Ferreira
Atualizado em 5 dez 2020, 20h58 - Publicado em 17 ago 2017, 17h00

Em suas primeiras semanas no escritório paulistano da ZTE, fabricante chinesa de equipamentos de telecomunicações que fatura 200 milhões de reais no Brasil, o engenheiro Fabiano Chagas, de 38 anos, achava estranho ver os colegas tirando cochilos na empresa após o almoço.

Às sonecas, somaram-se outras peculiaridades, como o fato de os chineses serem muito fechados quanto à vida pessoal e terem um forte sentido de hierarquia. “Como já havia trabalhado em multinacionais, aprendi a lidar com o diferente. Esse aprendizado foi importante”, diz Fabiano, que trocou o emprego numa multinacional canadense, há um ano e meio, por um cargo e um salário mais altos na ZTE. Hoje, seu chefe direto é chinês e eles se comunicam exclusivamente em inglês. “Há uma grande distância cultural entre nós, mas também há um esforço de aproximação”, afirma.

As experiências vividas por Fabiano deverão ser cada vez mais frequentes no Brasil. Isso porque as empresas chinesas estão em franco processo de expansão por aqui. De janeiro a abril deste ano, elas investiram 5,6 bilhões de dólares em fusões e aquisições em território brasileiro.

Segundo dados da consultoria britânica Dealogic, isso coloca a China no topo do ranking de investidores estrangeiros no país. Além de comprar companhias nacionais, há grupos que planejam iniciar suas operações do zero por aqui. Huaneng, Shanghai Electric e Guodian — todos do setor de energia elétrica — são exemplos.

Segundo a Câmara de Comércio e Indústria Brasil China (CCIBC), os chineses ainda devem investir 20 bilhões de dólares ao longo deste ano no Brasil, nas áreas de energia, infraestrutura e agronegócio, setores que já dominam, e em empresas de tecnologia. “Este é o maior movimento da China em direção ao Brasil”, afirma Tang Wei, responsável pelas relações com empresas chinesas do escritório Braga Nascimento e Zilio, de São Paulo. O movimento, claro, deve gerar novos empregos. “Antigamente, eles vinham para o Brasil com estruturas enxutas. Agora, montam operações robustas”, diz Tang.

O fato é que as multinacionais chinesas estão cada vez mais preparadas para lidar com os desafios de diferentes mercados. Por mais que seu PIB já não cresça a taxas de dois dígitos, a China segue na liderança das economias que mais se desenvolvem no mundo — e com números sempre surpreendentes. No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, o PIB chinês cresceu 6,9%, superando a meta de 6,5% do governo. A produção industrial aumentou 7,6%, enquanto analistas previam alta de 6,3%.

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O enorme mercado consumidor, a abundância de recursos naturais e as deficiências em setores importantes, como infraestrutura, são alguns dos fatores que despertam o interesse dos magnatas chineses pelo Brasil. “As organizações chinesas veem como uma oportunidade de ouro o fato de algumas áreas no Brasil, como infraestrutura e tecnologia, precisarem de uma renovação quase por inteiro”, afirma Tang.

Entre as companhias que têm investido no país estão a operadora de energia elétrica State Grid, que adquiriu no início do ano o controle da brasileira CPFL, e a Didi Chuxing, principal concorrente do Uber na China, que investiu 100 milhões de dólares na brasileira 99, dona de um aplicativo de táxis e motoristas particulares no Brasil. Também foi divulgado recentemente que a China Communications Construction Company, maior empresa chinesa de engenharia, estaria interessada nos ativos da Camargo Corrêa, investigada na Operação Lava-Jato.

“Emplego” novo

Como boa parte das multinacionais da China tem se estabelecido no Brasil — e no mundo — por meio de fusões e aquisições, os profissionais devem estar preparados para, no futuro, ter um chefe chinês. Vale lembrar que, de 2016 até agora, os chineses compraram não só pequenas e médias empresas mas também alguns pesos-pesados, como o clube de futebol italiano Milan, a gigante suíça de sementes Syngenta e toda a divisão de eletrodomésticos da americana General Electric (GE).

Para que a relação dê certo, o primeiro passo, segundo especialistas, é se despir de preconceitos. “Há 15 anos, as chinesas iniciavam suas operações no exterior tentando reproduzir o modelo que tinham adotado em seu país de origem”, diz Ricardo Basaglia, diretor executivo da empresa de recrutamento Page Personnel, em São Paulo. “Mas, hoje, elas já chegam com uma cabeça muito mais globalizada”, afirma. Isso faz com que, em muitos casos, não haja diferenças significativas entre trabalhar numa multinacional chinesa ou numa corporação fundada nos Estados Unidos ou na Europa.

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Empresas que apostaram na internacionalização há mais tempo, como a fabricante de computadores Lenovo, costumam ser as que mais correspondem a esse perfil. “Por mais que seja chinesa, com essa cultura em seu DNA, ela tem uma cabeça extremamente global”, diz Andrea Bahal, diretora de RH da Lenovo no Brasil. “Em muitos aspectos, como oportunidades de carreira, investimentos na qualificação da equipe e políticas de benefícios, é exatamente como trabalhar em qualquer outra empresa”, afirma.

É o que tem acontecido na subsidiá­ria brasileira da mineradora chinesa CMOC. A empresa, que iniciou sua operação no Brasil com a compra de ativos da Anglo American no início do ano passado, adotou a estratégia de não fazer mudanças no quadro de executivos.

Em vez de expatriar uma porção de diretores chineses para cá, a companhia preferiu manter a diretoria que havia consolidado os negócios por aqui antes da compra. “O processo de migração para os chineses foi tranquilo”, diz Eduardo Lima, diretor de assuntos corporativos da CMOC em Cubatão (SP). Ele é um dos executivos mantidos no cargo após a troca de comando, assim como o diretor-geral, Marcos Stelzer. A empresa emprega, no Brasil, 5 000 pessoas em seu escritório e nas três plantas industriais e nas duas minas que gerencia.

Segundo o diretor de assuntos corporativos, um dos aspectos que favorecem essa visão mais aberta por parte da CMOC é o fato de o grupo contar com uma unidade só para gerir as operações que ficam fora da China.

Essa área é um escritório montado nos Estados Unidos, que reúne executivos de várias partes do mundo e coordena os negócios da CMOC fora de sua sede, na cidade de Luoyang, na China. “Isso faz com que haja uma valorização das culturas locais”, afirma Eduardo.

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Encarando as diferenças

Mas nem sempre é assim. Em muitos casos, as empresas chinesas preenchem todos os cargos diretivos — e até alguns mais operacionais — com funcionários vindos da matriz. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, no primeiro trimestre deste ano foram feitos 386 pedidos de visto de trabalho para chineses no Brasil.

O número representa um crescimento de 10,8% em relação ao mesmo período do ano passado. A grande presença de chineses nos cargos de chefia gera insatisfação.

É comum encontrar em sites de avaliação de companhias, como Love Mondays, profissionais reclamando da falta de perspectiva de carreira, uma vez que as principais posições só são ocupadas por asiáticos. Mas isso não significa que as empresas chinesas não apostem nos profissionais locais. “É natural que os postos-chave sejam ocupados por chineses enquanto a operação está se estruturando, pois eles têm maior conhecimento do negócio”, diz Ricardo, da Page Personnel. “Isso acontece com toda multinacional. Há 50 anos, as operações alemãs também eram dominadas por executivos daquele país.” Conforme os grupos chineses ganhem mais confiança no mercado e nos executivos locais, a tendência é haver uma maior abertura nos cargos de comando. Nas empresas que estão há mais tempo no país, essa barreira já foi rompida.

Para se dar bem numa empresa chinesa é preciso ter em mente os valores do país asiático. O respeito à hierarquia é um dos principais. Esqueça a gestão horizontal, com líderes dividindo decisões com os subordinados. “Este é um ponto crítico para os chineses. Eles acreditam que sem respeito à estrutura, é impossível progredir”, diz Marcia Vázquez, da Thomas Case & Associados, consultoria de RH, em São Paulo.

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Aceitar e seguir as decisões superiores é, na visão do engenheiro Luiz Gustavo Queiroz, de 40 anos, uma das habilidades mais importantes para crescer numa multinacional chinesa. “Uma instrução vinda de um executivo de alto escalão deve ser ouvida com atenção, pois indica o caminho a seguir”, diz Luiz Gustavo, que trabalha há 17 anos na Huawei, fabricante chinesa de celulares e equipamentos de telecomunicações, em São Paulo.

Ao longo da carreira, ele recebeu seis promoções e passou de engenheiro de redes a diretor da área de serviços. “Tenho uma boa capacidade de adaptação. Isso faz diferença numa organização de cultura chinesa”, afirma. A Huawei está no país desde 1999 e Luiz Gustavo foi o quarto funcionário da empresa, que hoje emprega cerca de 2 mil pessoas no Brasil.

Outras competências muito importantes são o apetite pelo risco e a grande capacidade de planejamento. “A cultura chinesa estimula o enriquecimento financeiro. Eles veem no risco uma forma de conseguir dinheiro e, no planejamento, um meio de garantir o sucesso”, diz Marcia, da Thomas Case.

Também é fundamental o domínio da língua inglesa.Como muitos chineses chegam ao Brasil sem falar português, o inglês acaba sendo a melhor alternativa para garantir a comunicação — uma vez que a oferta de profissionais brasileiros fluentes em mandarim é escassa. “É lógico que se o executivo falar mandarim será um diferencial, mas não é fundamental”, diz Aline Cravo, da área de RH da ZTE em São Paulo.

Na verdade, os grupos chineses estão cientes de que as dificuldades vão bem além da barreira do idioma.

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Tanto que têm investido cada vez mais em programas e palestras para que os funcionários entendam a cultura uns dos outros. Entre os tópicos estão desde informações básicas sobre diferenças culturais — como a tal soneca após o almoço — até questões comportamentais, como a melhor forma de abordar um chefe chinês quando se está com um problema, por exemplo. “Criamos um programa de intercâmbio entre os profissionais, com treinamento e capacitação dos executivos tanto no Brasil quanto na China, para uma maior eficiência operacional”, afirma Juliano Nogueira, diretor comercial da Nuctech, empresa chinesa de segurança que chegou ao Brasil há pouco mais de dois anos e já emprega 70 funcionários no escritório local.

Um sinal de que, com boa vontade, a distância entre Brasil e China pode ficar menor.

Tradicional cultura chinesa*

O que esperar ao avaliar uma vaga em uma empresa do país asiático

Carreira emperrada

É muito comum que as companhias chinesas importem mão de obra para suas operações locais. Quanto mais alto o nível hierárquico, maior a proporção de chineses — o que pode gerar uma espécie de teto para o crescimento dos profissionais brasileiros.

Inglês em dia

Como muitos chineses chegam ao Brasil sem falar português e são raros os profissionais brasileiros fluentes no mandarim, o inglês costuma ser o idioma oficial nos escritórios.

Fuso horário

Quem precisa despachar com a matriz deve estar preparado para enfrentar reuniões em horários bastante alternativos — em plena madrugada. A diferença de fuso ainda torna a tomada de decisão um pouco mais lenta.

Hierarquia rígida

Seguindo a tradição das corporações asiáticas, o respeito dos chineses pela hierarquia é absoluto. Ordens superiores são encaradas como leis incontestáveis e é preciso jogo de cintura para discordar de uma determinação.

Conversas objetivas

Executivos chineses não costumam usar meias-palavras quando estão insatisfeitos com colegas ou subordinados — e esperam o mesmo de quem está do outro lado da mesa. Estar preparado para diálogos francos é fundamental.

*Fonte: empresas de recrutamento

Você encontra essa reportagem na edição de Julho/230 da VOCÊ S/A ()

 

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