Inspiração para a carreira pode vir da infância
Confira 7 boas práticas que os pais devem ter para que seus filhos escolham profissões em que sejam felizes.
Recentemente, eu estava na recepção do Family Office (em português significa o escritório que faz a gestão do patrimônio daquela família) de uma das grandes fortunas brasileiras aguardando o início de uma reunião. No mesmo ambiente estava um adolescente que também estava aguardando a vez de ser chamado. Fiquei curiosa com a presença dele e me aproximei. Na conversa, ele me disse que era um dos herdeiros da família em questão e que tinha um encontro mensal com um conselheiro para falarem sobre futuro.
Ele me contou que quer ser pianista. Disse que, ainda que a profissão almejada não tenha nenhuma relação com a diversidade de negócios que a família tem no Brasil, seu núcleo familiar o apoia na escolha. Em vez de obrigá-lo a se interessar pelas operações que já estão estabelecidas, oferecem orientações para que, desde cedo, ele tenha ferramentas adequadas para se preparar, tomar as melhores decisões e, então, poder ter uma renda adequada para viver bem fazendo o que gosta.
Na conversa, esse adolescente me contou que já recebeu a orientação de quais são as melhores universidades de música do mundo nas quais ele pode se graduar como um bom pianista. Com base nessa e em outras informações sobre habilidades e capacitações importantes para essa profissão, um plano de carreira está sendo traçado.
Esse não é o primeiro caso que chega ao meu conhecimento. Em razão do meu dia a dia como headhunter, tenho contato com grandes acionistas brasileiros que também têm essa mesma mentalidade: em vez de obrigarem os filhos a seguir alguma profissão, dedicam-se a preparar as crianças para buscar realização em carreiras com as quais elas tenham alguma conexão.
Em contrapartida, todos os dias ouço relatos de executivos que se dizem frustrados porque o filho ou a filha não quer seguir seus passos na profissão. Alguns fazem pressão para que os filhos escolham algo que o executivo gostaria de ter escolhido, mas não teve a oportunidade. Inclusive, já recebi alguns pedidos dos pais para conversar com esses jovens na esperança que eu possa, de alguma forma, capturar as razões por trás da decisão deles.
Já aceitei alguns desses convites. Confesso que é bastante desconfortável constatar como esses jovens sofrem com a pressão e com a carga emocional de fazer escolhas pensando em agradar os pais, e não a si mesmos. São pessoas que terão grande probabilidade de se tornarem adultos infelizes e frustrados. Já imaginou os danos que uma empresa, incluindo as pessoas que nela trabalham, pode ter se o plano de sucessão da alta direção do negócio se materializar com a escolha de alguém que não deseja estar na cadeira?
É importante ampliarmos a perspectiva sobre as nossas crianças
Reconheço que a maioria dos brasileiros não tem ou não teve a opção de escolher a carreira dos sonhos. Já ouvi relatos de profissionais que fizeram a opção da profissão a seguir com base no curso universitário que era financeiramente acessível. Sei que muitos profissionais precisam que seus filhos ingressem no mercado de trabalho para que ajudem a complementar a renda da casa.
Minha intenção com esse texto é ampliar o olhar dos adultos sobre as crianças que estão ao redor. Quais são as atividades que despertam o interesse delas? Quais carreiras mais se alinham a essa paixão? Quais são as vias para poder ingressar nesse caminho? Será que só existem cursos pagos ou também existem gratuitos?
Sete boas práticas
Após o encontro que citei no início do texto, conversei tanto com o conselheiro do garoto que deseja ser pianista quanto com executivos de outras três famílias que oferecem o mesmo tipo de respaldo para as suas crianças. Com base nessas conversas, compartilho aqui um resumo dos principais pontos que são levados em consideração nesse tipo de orientação:
1. Mapeie as paixões e os interesses
Existe uma escuta ativa das vontades e dos interesses do filho ou da filha desde que são pequenos. Se a criança demonstra que gosta de pintura, ela vai receber telas e tintas para a experimentação, bem como vai entrar na rotina da família passeios a museus, galerias e locais com arte de rua. A criança é colocada em contato com todo tipo de forma de manifestação artística envolvendo tinta, pincel, spray etc. A família, então, vai incentivar que a criança produza suas próprias telas e exponha em casa para amigos e familiares.
Caso a criança se interesse por ciência, passa a estar na programação da família visitas a museus e institutos. Além disso, ela é presenteada com kits de experiências para que pratique aquilo que acredita gostar. Se ela gosta de música, é matriculada em uma iniciação musical para experimentar diferentes tipos de instrumentos. Se gosta de matemática, vai ter sessões extras para aprender as aplicações da disciplina nos elementos da natureza ainda pequena.
2. Ofereça contato com profissionais que já estão no mercado
Com o passar do tempo, a família promove conversas daquela criança com pessoas das mais variadas profissões. Também organizam visitas a empresas. Por exemplo, o jovem que gosta de desenhar pode ter contato com a área de design de uma montadora, os departamentos de uma empresa de moda ou escritórios de arquitetura para entender a aplicação do desenho no dia a dia de diferentes profissões.
3. Observe como a criança reage
Ao longo da infância e adolescência, é comum que uma pessoa tenha múltiplos interesses. É muito útil observar essa diversidade, incluir atividades relacionadas na rotina da família e observar com qual tema ela vai tendo mais afinidade. Nesse caminho pode acontecer, inclusive, que ela descarte algo que um dia considerou como futura profissão.
Algo comum nas Family Offices é que tios e primos, entre outras pessoas do convívio familiar, se sentem à vontade para fazer observações sobre os interesses e as aptidões da criança. Nesses núcleos, isso é algo que não é visto pelos demais como intromissão, mas sim como um interesse genuíno na realização do jovem.
4. Presenteie com experiências
Com relação aos jovens com os quais tive contato, notei uma coisa em comum: eles não valorizam tanto os presentes quanto dão valor a experiências. Creio que isso é algo para incentivarmos em nossas crianças: mostrar a elas o quanto ganhamos como seres humanos com viagens, passeios e interação com outras pessoas. Evidenciar que, em momentos como esses, temos mais chance de ampliar a nossa percepção sobre o mundo e ampliar o nosso repertório no momento de fazer escolhas.
5. Convide-a a participar de testes vocacionais
Nas Family Offices com as quais conversei, quando a criança migra para a adolescência, ela passa por um teste vocacional. Faz avaliações variadas para que se possa capturar os pontos-chave da personalidade, além de gostos e preferências. A partir daí, passam a oferecer mais informações sobre o mercado de trabalho e os tipos de oportunidades de profissões que existem.
6. Indique o perfil de profissionais que são referência
Em um dado momento ao longo da adolescência, a profissão é escolhida. Então, o jovem e seu conselheiro estudam minuciosamente o perfil de profissionais ao redor do mundo que são referência na profissão escolhida. No caso das Family Offices, que são famílias muito influentes, há situações em que os jovens têm a oportunidade de conversar com esses profissionais selecionados.
Eu sei que muitos de nós não vai conseguir levar um aspirante a pianista para a Europa ou os Estados Unidos para conversar com alguém que seja destaque na profissão. É importante, porém, que o jovem tenha a oportunidade de conversar com uma pessoa que, pelo menos, se sinta realizada na carreira e que esteja disposta a apresentar prós, contras e estimativas de dificuldades e ganhos para que o jovem saiba o que esperar e aonde pode chegar.
7. Mapeie cursos e especializações
Com todas essas informações em mãos, o conselheiro das Family Offices, juntamente com o jovem, traça um plano de cursos e especializações importantes para alcançar os objetivos desejados. Também definem quais aspectos comportamentais serão importantes para o sucesso naquela profissão e quais atividades extracurriculares já podem ser inseridas na rotina da criança para iniciar esse desenvolvimento.
Pode ser que nós não tenhamos recursos financeiros para permitir que nossas crianças façam graduação na melhor faculdade do mundo, mas é importante que o jovem saiba quais instituições de ensino são referência. Ele também pode ser estimulado a ir em busca de bolsas de estudo, seja para graduação ou cursos de curta duração naquelas instituições.
É legítimo desejar que o filho siga seus passos
Um dos patriarcas de uma grande multinacional brasileira disse: “É claro que eu adoraria que meu filho quisesse tocar os negócios da família, mas, muito além disso, eu quero que meu filho seja feliz. Para isso, ele tem que seguir os seus próprios interesses e sonhos. A empresa pode ser profissionalizada de uma forma que ele não precise ter que trabalhar aqui. A companhia precisa ser uma fonte de orgulho para ele, e não um fardo a ser carregado”. A colocação fez sentido para mim.
Se nada disso der certo, sempre é possível recomeçar
Uma pergunta que eu fiz a integrantes das Family Offices foi: “E se não der certo? E se o jovem mudar de ideia depois?”. Todos foram unânimes em afirmar que “recomeçar era uma possibilidade”. Vários desses empreendedores, aliás, confessaram que não tiveram sucesso na carreira no primeiro momento. Na experiência deles, foi a determinação e a persistência que trouxe o sucesso com o tempo.
Uma resposta que chamou a minha atenção foi a seguinte: “Ele vai ter orgulho de ter tentado e vai saber que, acima de tudo, queremos que ele seja feliz com as próprias escolhas. Admitir que mudou de ideia também requer coragem e faz parte do processo de amadurecimento”.
E quanto a você, sabe quais são as paixões dos seus filhos? Já mudou algo, na rotina deles ou da família, para que eles possam se aprofundar nesse interesse? O quanto deixou eles saberem que a opinião deles importa e que, acima de tudo, você quer que ele seja feliz? Vale a reflexão.