As conversas secretas que ainda precisamos ter nas organizações
Os profissionais mais satisfeitos se expressam, sem medo, também fora da própria bolha – não precisando comprovar resultados nessa comunicação.

“Essa conversa é confidencial mesmo? O que vou te falar aqui pode custar o meu emprego.”
Ninguém deveria ter medo de perder o emprego por se expressar (desde que nos expressemos com respeito às pessoas e à organização, claro). Mas é o que acontece no dia a dia, certo?
Se estamos vulneráveis ou inseguros, não contamos para o líder, porque vai pegar mal. Muito menos para os pares, porque podem usar isso contra a gente.
Se queremos aprender uma habilidade, procuramos um curso fora da empresa, onde esse gap no currículo não vai ficar tão exposto.
Se queremos espaço em outra área da companhia, aí que a coisa empaca mesmo. Falar com o chefe que quer mudar de departamento? Suicídio profissional.
Nossa posição nas organizações vem com uma rede de conexões às vezes muito engessada, que não nos permite aprender, trocar, contribuir, experimentar. Gerentes falam com gerentes, coordenadores com coordenadores, analistas com analistas. Conversamos com nosso líder direto, mas não com líderes de outras áreas – a menos que seja por email, com nossa área em cópia, tudo selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado. (Raul Seixas já sabia disso muito antes do email.)
Por isso, meu manifesto aqui é para que os profissionais não se prendam a essa rede. Nas minhas duas décadas em organizações, e nos meus anos como mentora de comunicação, vejo que os profissionais mais satisfeitos com o trabalho são aqueles que constroem a própria rede, com conversas que lhes permitem exercitar o pensamento sem ter de comprovar resultado, que buscam repertório fora da própria bolha organizacional, que fazem e recebem críticas em espaços seguros, sem medo de serem julgados ou punidos.
A essas conversas dou o nome de conversas secretas, porque nelas existe um pacto implícito de confidencialidade e apoio. O ideal seria que elas não precisassem existir. Que todos se sentissem seguros para fazer parte, aprender, colaborar e desafiar o status quo sem medo de retaliação ou rejeição, como explica Timothy Clark em seus quatro estágios de segurança psicológica. Mas sabemos que nem todos encontram esse espaço. E aí muita gente acaba enterrando os sentimentos, as ideias, os planos por falta de interlocutor que acolha a mensagem e devolva algo construtivo. Frustração que se acumula ao longo do tempo.
Mentorias
“Quando a empresa tem um ambiente muito político, é complicado ir de quimono aberto para uma reunião”, conta Thiago Correia, CEO e cofundador da plataforma de mentorias Top2You. Por isso, segundo Thiago, muitas das mais de 20 mil horas de mentorias realizadas na Top2You receberam executivos que estavam “perdidos” ou inseguros. Haviam conquistado uma nova posição e estavam assoberbados pelas novas tarefas. Tinham medo de se abrir para o time. Não queriam revelar ao chefe que precisavam de apoio. As frases que abrem esta coluna, inclusive, (“Essa conversa é confidencial mesmo? O que vou te falar aqui pode custar o meu emprego”) foram relatadas por Thiago, como representação anônima do que costuma aparecer nas conversas.
Mentorias são uma ótima opção para esses casos. Algumas empresas têm seus programas formais com mentores, feitos internamente ou com fornecedores externos. Se a sua tem, ótimo. Participe. Mas não se restrinja a eles. Procure pessoas que já passaram pelo que você quer alcançar, pessoas com pontos de vista diferentes. O mais importante é que você encontre alguém em quem confie.
Quando isso acontece, os benefícios são concretos. Colaboradores que recebem mentorias são promovidos cinco vezes mais do que pessoas que não recebem, segundo um estudo da Sun Microsystems, que acompanhou a carreira de mil colaboradores por cinco anos.
Parceiros de conhecimento
No ritmo das reuniões superprodutivas, em que cada conclusão precisa ser imediatamente aplicável e mensurável, corremos o risco de perder insights e criações capazes de provocar inovações mais disruptivas. E também de perder nossa motivação e conexão com o trabalho.
Quando isso aconteceu comigo, em minha época de executiva, busquei um “parceiro de conhecimento”. Pedi meia hora na agenda de uma pessoa que nem conhecia outra área, para entender melhor uma plataforma que poderia ser útil em meu produto. A conversa foi tão interessante que logo marcamos outro papo, e em pouco tempo tínhamos quase um protótipo.
Não estávamos abandonando nossas tarefas diárias – isso é importante –, mas acrescentamos uma frente de criação que ainda não estava no radar. Ninguém estava cobrando, não estava em meta, não tinha limites. E tomou pouco do nosso tempo, porque somamos nossas expertises. Quando achamos que aquilo valia a atenção de mais gente, levamos pra frente. E a “conversa secreta”, em que pudemos errar tranquilamente, virou algo maior.
Meus times também já fizeram isso. E geraram grandes contribuições: novas formas de exibir dados, novas interfaces para o cliente. Se eles não tivessem buscado essas conexões, provavelmente matariam o espírito criativo que tinham dentro de si, porque a operação de empresas pode se tornar repetitiva.
Referências externas
Fora da empresa há um mundo ainda maior de pessoas a buscar. Se você quer ser CEO de startup, por exemplo, já falou com gente que está nessa cadeira? Circula em eventos ou fóruns onde pode fazer essas conexões?
Estou falando de mais do que networking. Em vez de fazer apenas contatos que um dia poderão ser úteis, crie relacionamentos. Peça meia hora do tempo da pessoa para entender os principais desafios dela. Pergunte o que você poderia fazer para se preparar para chegar lá. E ofereça apoio também à pessoa, com os seus conhecimentos. Se você criar uma relação de confiança, não vai se incomodar em mostrar vulnerabilidade.
Trabalhe pelo fim das conversas secretas
As conversas seguras não deveriam ser secretas, e nem precisam ser. Talvez aos poucos você consiga estabelecer uma relação aberta com líderes e pares, a ponto de se sentir livre para errar, se mostrar vulnerável, testar hipóteses. Sei que não depende só de você, e sim da cultura da organização. Mas vale sempre mostrar que você gostaria de ter esse espaço.
Se você for líder, mantenha sempre os canais de comunicação abertos, e seja empático com as dificuldades e inseguranças dos times. Quanto mais você trouxer as conversas secretas para a luz, mais vai entender o que motiva e engaja seus colaboradores. E como pode ajudá-los com o que eles querem construir para o futuro.