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Por que ainda precisamos falar sobre o direito dos trans à vida?

O Brasil tem uma taxa enorme de assassinatos de travestis e transexuais. Empresas e executivos de RH podem ajudar a mudar isso, como explica Liliane Rocha

Por Liliane Rocha*
29 jan 2021, 05h00
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  • O ano é 2021, estamos em meio a uma pandemia global, há reflexões sobre uma possível crise econômica, discussões sobre a questão racial em todo o mundo. Contextos delicados que demandam uma profunda imersão na pergunta sobre o que é ser humano. Às vezes, parece que ainda não descobrimos que estamos em meio ao caos, e que quando deveríamos estar evoluindo, estamos vendo retrocessos que há muito tempo já poderiam ter sido ultrapassados.

    Esses foram alguns dos pensamentos que me ocorreram quando, logo na virada do ano, soube do assassinato da Keron Ravach, de 13 anos, morta a pauladas, socos e chutes, no município de Camocim, no Ceará. Sempre comento em palestras, treinamentos e workshops que a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de aproximadamente 35 anos. Sim, 35 anos, é muito pouco, é injustificável.

    Quando vi o caso da Keron, pensei que ela sequer chegaria lá, sequer chegaria a concluir os estudos e entrar em um emprego, sequer chegaria a viver o mercado de trabalho inclusivo pelo qual, há tantos anos, eu e outros especialistas incríveis estamos lutando para tornar uma realidade no país.

    Lembrei também que, no Brasil, matamos três vezes mais pessoas trans do que no México –segundo país que mais mata pessoas trans no mundo. Esses dados estão no Dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) de 2019, mesmo ano em que, ao todo, 124 pessoas trans foram assassinadas no Brasil.

    E as empresas com isso?

    Se você é empresário ou profissional de Recursos Humanos e está lendo esse artigo, talvez esteja questionando, “Tá bom, muito triste, mas o que eu tenho a ver com isso?”. A resposta é tudo, você tem tudo a ver com isso! Você emprega pessoas trans na sua empresa? Cria mecanismos de educação para diversidade que possibilitem que seus funcionários e funcionárias aprendam sobre diversidade sexual?

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    Você ensina para funcionários e funcionárias que venham a ter filhas e filhos trans que a identidade de gênero faz parte da vida, e que, portanto, é algo natural? Ou compartilha com os funcionários e funcionárias com filhos e filhas cisgênero (pessoas que se identificam com o sexo biológico que lhes foi designado quando nasceram, ou seja, foi identificado como mulher e essa pessoa se identifica/entende como mulher, ou foi identificado como homem e a pessoa se identifica/entende como homem) que eles devem ensinar a respeitar e apoiar amigos trans nas escolas, nos espaços públicos, na sociedade?

    E no caso de quem contrata profissionais transgêneros (travestis e transexuais), ou seja, contrata pessoas que não se identificam com o sexo biológico que lhes foi designado quando nasceram, como por exemplo a recém-eleita vereadora da cidade de São Paulo, Erika Hilton, ou o também eleito vereador, Thammy Miranda, estão oferecendo um ambiente seguro para o exercício de suas funções?

    Ainda sobre vereadores trans, em 2020, tivemos 281 candidatos e candidatas trans nas disputas eleitorais. Em contrapartida, neste mesmo período em 2016, os dados revelam que somente 89 concorrentes eram pessoas trans. Um boom de representatividade que nos dá sinais de um novo tempo. Esse é um motivo para celebrar, afinal demonstra o empoderamento de pessoas trans no poder público, mas, para além disso, aponta uma mudança de pensamento por parte da população, que elegeu para posições de poder pessoas LGBT+.

    Nós costumamos usar a palavra análoga “cistema” para falar de uma sociedade construída e liderada por pessoas cisgênero, uma analogia à palavra sistema, no sentido de sociedade, no qual as letras sis são substituídas pelas letras cis, para mostrar o quanto as pessoas trans seguem lutando para ter os seus direitos mais básicos atendidos. E ver que ao menos no campo de políticas públicas poderemos ter avanços, me enche de alegria!

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    Caminho sem volta

    Neste ano que está apenas começando, o meu convite a você que está lendo este texto é para que esteja mais atento às temáticas de Diversidade, pois como sempre digo, a diversidade é um caminho sem volta. Se as pessoas e empresas querem ser valorizadas e reconhecidas, é fundamental ter noções sobre valorização da diversidade!

    E se você se interessou e quer aprender mais sobre o assunto, até mesmo nos momentos de lazer, indico alguns filmes e séries para reflexão e debate com amigos, familiares e no trabalho, são eles: “Garota Dinamarquesa”, “Meninos não choram”, “Tomboy” e “Pose”.

    Vamos nos sensibilizar, nos abrir a todas as possibilidades de ser humano que as pessoas e a humanidade nos trazem.  A diversidade sexual tem sido tratada como um tabu, algo distante e que não nos diz respeito, quando na verdade é algo que diz respeito a todos nós e a cada um de nós.

    * CEO e Fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade, autora do livro Como ser um líder Inclusivo, e premiada com o 101 Top Global Diversity and Inclusion Leaders em 2019 e 2020.

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