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Mercado e Vagas

Atitudes de fornecedores podem manchar a imagem das empresas

Com preocupações crescentes sobre diversidade, sustentabilidade e reputação, empresas começam a avaliar com mais cuidado seus fornecedores e terceirizados

por Paula Simões Atualizado em 25 Maio 2021, 09h42 - Publicado em
19 fev 2021
06h40

Esta reportagem foi publicada originalmente na edição 72 de VOCÊ RH

Em novembro do ano passado, uma das maiores redes de supermercados do país, o Carrefour, viu uma de suas lojas se tornar palco de um homicídio triplamente qualificado. João Alberto Silveira Freitas, um homem negro e cliente do estabelecimento, foi espancado até a morte por dois seguranças brancos. Essa não foi a primeira repercussão de atitudes de violência provocadas por seguranças terceirizados em estabelecimentos da rede, gerando assim uma discussão em todo o país sobre responsabilidade e medidas que uma empresa contratante deve ter com seus fornecedores para evitar esse tipo de desfecho e outras violências.

Do outro lado da discussão sobre racismo, a rede de varejo Magazine Luiza foi uma das empresas que tomou a frente em suas ações afirmativas de equidade racial e lançou um programa de trainee exclusivo para candidatos negros. A medida repercutiu nas redes sociais positiva e negativamente e até levantou a discussão: será que a companhia perderia clientes com esse posicionamento?

Tatiana Maia Lins, consultora fundadora da Makemake, esclarece que não se deve confundir as métricas de redes sociais com as de reputação. “Nenhuma empresa perde clientes por causa de ações em prol da sustentabilidade ou por ações afirmativas. Luiza Trajano terminou o ano em capas de revista, sendo considerada a personalidade do ano. A reputação dela não teve nenhum abalo negativo com a ação da empresa; pelo contrário”, contextualiza.

Diante de debates acalorados, politizados e polarizados sobre os temas de diversidade e sustentabilidade, cada vez mais importantes para as companhias, até onde as empresas estão dispostas a ir para defender seus valores? Demitir fornecedores e afastar clientes que discordam de posicionamentos firmes será uma postura das organizações no futuro?

A responsabilidade é sua

Muitas vezes usada como uma forma de reduzir os custos operacionais da empresa, a terceirização não significa que os profissionais não são de responsabilidade da contratante, principalmente quando estão alocados dentro de lojas, fábricas ou escritórios. Para que casos que vão contra a ética e os valores da empresa não aconteçam, é necessário treinar o pessoal. Se isso não for feito, esses profissionais podem tomar atitudes que desestabilizam toda a equipe – como adotar uma postura racista ou homofóbica.

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“É uma violência também para os funcionários que não estavam envolvidos no que ocorreu. As pessoas ficam com medo de acontecer de novo e de mais uma vez não saberem como agir. Por isso as empresas têm que oferecer as ferramentas necessárias, ensinando como se colocar”, explica Letícia Rodrigues, sócia fundadora da Tree Diversidade, consultoria especializada no tema.

Segundo a especialista, todos os que lidam com o público precisam ser bem treinados para saberem como se portar em situações delicadas, principalmente sem agravá-las. Mas incluir uma cláusula antirracista no contrato do fornecedor, por exemplo, não é o suficiente, nem mesmo supor que a distribuição de manuais por parte do setor de recursos humanos é uma forma eficiente de tratar questões de diversidade e inclusão. “As pessoas precisam de treinamento, de pílulas revisando esse conteúdo para que o absorvam”, diz Letícia. “Há projetos de implantação que levam dois anos, porque são práticas e ações muito detalhadas.”

Marcelo Ribeiro dos Santos, sócio da Corall Consultoria, que realiza treinamentos de cultura corporativa, concorda e complementa: “Diversidade significa alfabetizar pessoas, uma vez que elas aprenderam suas práticas e percepções com as gerações anteriores, que viveram em uma época em que essas questões eram pouco ou nada discutidas, o que fazia com que atitudes preconceituosas fossem mais facilmente toleradas”.

Moisés Marques (no centro), diretor de RH da Novo Nordisk: terceirizados fazem treinamentos sobre inclusão
Moisés Marques (no centro), diretor de RH da Novo Nordisk: terceirizados fazem treinamentos sobre inclusão (Celso Doni/VOCÊ RH)

Pensando nessas questões, a Novo Nordisk ampliou o treinamento em diversidade para terceirizados. O assunto é tão importante na multinacional que há necessidade de sempre ter candidatas mulheres aos cargos de gerência, 80% das contratações nos dois últimos programas de jovem aprendiz foram de negros e, em julho de 2021, haverá um programa de trainee direcionado para pessoas de baixa renda.

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Há dois anos a farmacêutica tem práticas contínuas de conscientização, com oficinas e palestras voltadas para os empregados e para os terceiros que atuam nas instalações da empresa. “Conseguimos trazer todos eles para as oficinas e os grupos de inclusão, de forma que passam a perceber que nossa preocupação é o trato com as pessoas”, diz Moisés Marques, diretor de RH da Novo Nordisk. Entre os temas discutidos estão questões relacionadas a LGBT+, etnia, mulheres e gordofobia – assuntos apontados pelos funcionários como importantes. “Ainda não estamos na fase de exigir que todos os nossos fornecedores tenham seus próprios programas de diversidade, mas isso é um sonho para o futuro, diante de um processo de evolução da sociedade como um todo”, diz o executivo de RH.

Investigação, certificados e monitoramento

Uma das maneiras de evitar problemas futuros com fornecedores é desenvolver critérios de seleção claros para validar os que se adequam às políticas da contratante e verificar as informações enviadas. Para checar os dados, vale realizar visitas à empresa, analisar listagem de gênero da folha de pagamentos e consultar documentos abertos ao público, como publicações na mídia e relatórios divulgados. “Quando discutimos sustentabilidade é importante considerar toda a cadeia de valor e as partes interessadas”, diz Maurício Colombari, sócio da PwC Brasil, empresa de consultoria e auditoria. Segundo ele, as empresas com as melhores práticas adotam uma política de sustentabilidade e de relacionamento com os fornecedores e os terceiros, classificando-os e especificando seus níveis de risco. A partir disso, criam as políticas que devem ser adotadas.

A Natura, por exemplo, possui um código de conduta global para os fornecedores, com diretrizes a serem seguidas pelos parceiros de negócios. “Há cerca de 15 anos banimos a realização de testes em animais em todos os nossos produtos e matérias-primas exclusivas. E essa regra também se estende a todos os ingredientes comprados da cadeia de fornecedores”, afirma João Moura, vice-presidente de compras do grupo Natura &Co. Desde 2018 a empresa também possui uma certificação própria, a União para o Biocomércio Ético (UEBT), que comprova a sustentabilidade da cadeia de fornecimento de todos os ingredientes naturais presentes em uma de suas linhas, a Ekos.

Ao selecionar novos parceiros e validar se estão de acordo com seu código de conduta, a Natura analisa a saúde financeira da empresa, a conformidade de seus dados cadastrais e seus critérios socioambientais, assim como o cumprimento dos pressupostos legais para operar. “Em 2019, passamos a exigir requisitos alinhados a legislações internacionais, como ações de reflorestamento e a não utilização de ingredientes proibidos em listas internacionais. Realizamos anualmente um processo de auditoria de nossos fornecedores com base nos pilares de qualidade; saúde e segurança no trabalho; social; e ambiental”, explica João.

Os fornecedores com as melhores práticas são premiados e reconhecidos em um evento direcionado para essa comunidade. E os que não atingem os resultados esperados recebem uma proposta de melhorias, além de treinamento e capacitação.

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Adaptação necessária

Entre as empresas que precisaram se adaptar para continuar atuando com destaque em seu mercado estão os escritórios de advocacia. Há alguns anos a diversidade se tornou uma determinante para as contratações feitas por multinacionais.

Renata Maiorino, diretora de desenvolvimento humano do Mattos Filho: escritório intensificou práticas de diversidade para atender às demandas dos clientes
Renata Maiorino, diretora de desenvolvimento humano do Mattos Filho: escritório intensificou práticas de diversidade para atender às demandas dos clientes (Celso Doni/VOCÊ RH)

“Já desenvolvíamos um trabalho de diversidade e inclusão por causa de um movimento interno, mas de uns anos para cá temos recebido formulários cada vez mais extensos desses possíveis clientes querendo conhecer mais detalhadamente as nossas políticas”, diz Renata Maiorino, diretora de desenvolvimento humano do escritório Mattos Filho.

Para a executiva, essa prática é positiva e, além de reforçar a política que já existe no escritório, abre espaço para possibilidades de aprimoramento da empresa, ao trazer à tona novas demandas. Os clientes querem mais presença de negros e mulheres na equipe. “Para além dos formulários, é o que o cliente vê na sala e com quem ele está interagindo”, afirma Renata.

O projeto de inclusão e diversidade do Mattos Filho, iniciado em 2015, conta com grupos de afinidades voltados para mulheres, negros, LGBT+, pessoas com deficiência e garantia de liberdade religiosa, além de programas de contratação de profissionais negros e pardos.

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Diferenças irreconciliáveis

Depois de todas as práticas sugeridas pelos especialistas, o que fazer se mesmo assim discordâncias com as políticas de diversidade e sustentabilidade continuarem a ser sinalizadas?

Uma maneira de tornar a situação mais clara é alinhar os critérios já no contrato, como faz a Novo Nordisk. “Temos uma direção de conduta chamada Novo Nordisk Way, que se aplica a todos os colaboradores e parceiros, e nela há o critério de respeito às pessoas, além de todas as condutas de compliance que exigimos. Uma vez que um fornecedor fere uma dessas plataformas, nós não negociamos”, diz Moisés.

Em alguns casos, a decisão correta é romper, mesmo se o relacionamento for antigo ou as entregas forem eficientes. O risco de continuar o contrato com um parceiro que está desalinhado eticamente é haver desgastes graves de reputação, além de queda de engajamento e de desempenho. Dependendo do tamanho do problema, a solução é internalizar o serviço. É o que está fazendo o Carrefour, depois do assassinato. A companhia passará a gerir a segurança privada da empresa – e o projeto piloto começa exatamente na loja gaúcha em que João Alberto foi morto.

 

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