Mentiras no currículo vieram à tona nos últimos dias com o caso do ex-ministro da Educação Carlos Decotelli, que listava em seu lattes títulos acadêmicos que não havia conquistado. Mas o que leva os profissionais a mentirem no currículo ou durante uma entrevista de emprego? De acordo com Isis Borge, diretora da divisão de recrutamento em Engenharia, Supply Chain, Marketing e Vendas da Talenses e colunista de VOCÊ S/A, as explicações vão de insegurança a desvio de caráter.
Nesta entrevista, ela explica por que florear o currículo ou exagerar nas experiências durante o processo seletivo podem manchar para sempre a reputação de um profissional.
Vivemos em uma época em que checar informações é algo fácil de ser feito. Mesmo assim, as pessoas ainda tentam enganar os recrutadores nos processos seletivos?
A maioria dos profissionais é idônea, mas mentir é mais comum do que a gente pensa. Os headhunters pegam muitas situações dessas, infelizmente. Há desde coisas menores, como colocar um nível acima do idioma – que, em alguns casos, acontece por puro desconhecimento por parte do profissional. Mas ocorrem situações bem críticas. Já vi casos de pessoas mentirem a idade em vários anos de diferença e mentirem que fizeram cursos nos quais nem se matricularam. Uma das mais comuns é emendar a data de saída e de entrada nas empresas no CV, para não assumir que ficou um período desempregado. Quando pegamos isso, normalmente os candidatos se fazem de sonsos, dizem que erraram – mas é algo bem corriqueiro. Os candidatos mentem por conta de seus próprios preconceitos e perdem as vagas.
A avaliação das habilidades comportamentais fica prejudicada em um caso de mentira?
Com certeza, ninguém quer trabalhar com alguém que mente. As pessoas deveriam ser mais genuínas e entender que, embora as empresas olhem para as hard skills, de formação acadêmica e cursos, as soft skills são muito valorizadas – ainda mais em recrutamentos às cegas feitos para evitar vieses inconscientes.
Como os recrutadores percebem uma mentira?
A gente checa todas as informações do currículo e, pela experiência, você percebe se tem alguma inconsistência no discurso durante a entrevista. Notamos se mudou a entonação da voz, se a pessoa ficou desconfortável, por exemplo. Aí sabemos que pode ter alguma coisa errada naquela passagem específica, checamos e, em alguns casos, pegamos a mentira. Na checagem, quando falamos com ex-colegas e chefes, descobrimos se alguém mentiu sobre o tamanho da equipe, sobre o escopo da responsabilidade e sobre as experiências.
Por que as pessoas mentem?
São vários fatores. Há desvios éticos, insegurança ou falta de confiança de que o candidato tem a capacitação para aquela vaga. Além disso, a pessoa pode estar passando por uma situação difícil (com um chefe ou na própria empresa) e estar com tanta vontade de sair que faz de tudo para que o CV caiba na vaga. O principal estigma que as pessoas têm é que precisam ser um super-herói para conquistar o emprego, mas não é assim. O que vale mais são o propósito e a vontade de entrar no desafio. É o famoso brilho no olho. Muitas vezes a gente entrega um CV para um gestor e ele acha que aquela ali é a pessoa certa. Só que, durante a entrevista, as percepções mudam por causa do comportamental. O candidato com o melhor CV nem sempre brilha os olhos.
A crise aumenta o risco das mentiras?
Eu acho que sim. Por isso é importante alguém experiente conduzindo o processo para checar tudo: referências, networking. Não há tanta empresa contratando e as pessoas desempregadas estão com os nervos à flor da pele. Mas quem tem a tendência mente no momento em que o mercado está bom ou ruim.
Algumas companhias pedem que os candidatos montem estudos de caso, escrevam redações ou conduzam apresentações sobre um tema específico. Plágios acontecem nessas situações?
Podem acontecer, sim. É um desvio na personalidade e aquele comportamento de ir pela lei do mínimo esforço. Não é legal e as pessoas percebem, ainda mais numa apresentação. Fica claro que o candidato não sabe muito bem do que está falando, não tem o domínio sobre aquele tema.
Qual a situação mais inusitada envolvendo uma mentira de candidato que você presenciou?
Eu estava conduzindo um processo e chegou o momento de testar o inglês. Perguntei se poderíamos falar em inglês, ele fingiu que estava com um problema técnico e desligou o telefone. Logo depois, retornou, mas era outra pessoa na linha, com outra voz. Aí desligou de novo e voltou o candidato. Não precisa fazer isso, a gente percebe. E se não percebe na entrevista, o gestor percebe depois porque você vai ter que usar as competências que está dizendo que possui no dia a dia do trabalho. Uma vez que a pessoa mentiu, se queimou de maneira profunda porque deixamos de confiar. E tudo começa com a premissa da confiança.
Se o candidato for pego, tem algum jeito de limpar a barra?
Só como lição aprendida para o próximo processo, pois o processo atual está perdido.
Falamos muito em ajustar o currículo de acordo com cada vaga, como fazer isso sem florear as experiências?
Ao longo da carreira, as pessoas têm muitas atividades e não dá para listar todas elas detalhadamente no CV. Mas sabendo qual é a vaga, é possível enfatizar as experiências que fazem mais sentido para aquela função. Por exemplo, um gerente financeiro porte pode se candidatar a uma vaga de CEO de uma empresa de pequeno ou médio porte colocando o enfoque em atividades generalistas e de gestão que viveu. Ou pode se candidatar a uma vaga de CFO focando as experiências em finanças. Alguém de marketing que migrou para vendas pode ajustar seus objetivos para uma voltar ao marketing. O que não pode acontecer é um gerente de compras, que nunca trabalhou em logística, dizer que tem experiência na área, por exemplo.
Qual é o impacto de uma mentira para o processo seletivo?
Depende do estágio. Se for no começo, é baixo. Mas se for na parte da admissão, pode ser grande. Vi um caso de o candidato que mentiu na remuneração durante o processo. Na hora de contratar, o RH percebeu a informação errada na carteira de trabalho e questionou o profissional. Ele disse que a antiga empresa devia ter esquecido de atualizar a carteira. A contratante ligou para a outra companhia e descobriu que a informação estava correta. Resultado? A admissão foi cancelada. O impacto foi enorme, tanto para a empresa, que teve que recrutar de novo, quanto para o candidato, que ficou marcado para sempre.