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“O negócio que pensa apenas em lucro está morrendo”, diz filósofo

Escritor Roman Krznaric fala sobre seu novo livro “Como ser um ancestral” e os dilemas de uma sociedade que se acostumou a não pensar nas gerações futuras

Por Hanna Oliveira
Atualizado em 23 out 2024, 10h18 - Publicado em 4 nov 2020, 07h00
Imagem mostra Roman Krznaric, um homem branco de cabelos grisalhos e camisa azul
Roman Krznaric: filósofo e autor de "Como ser um bom ancestral" (Kate Raworth/Divulgação)
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O pensamento de curto prazo cria um problema grave: as sociedades – e as pessoas – param de refletir sobre a maneira como as ações do presente se desdobrarão no futuro e não se importam com as consequências negativas que atos impensados do agora terão sobre as gerações que estão por vir. Mas como mudar esse modus operandi e aumentar a consciência sobre a relação entre o hoje e o amanhã? Foi para responder a essa pergunta que Roman Krznaric escreveu o livro Como ser um bom ancestral (Zahar, R$ 79,90). Historiador, filósofo, cofundador da The School of Life em Londres e autor do aclamado Como encontrar o trabalho da sua vida (37,90 reais, Objetiva), Roman traz em seu novo livro seis passos para que criemos um futuro sustentável. E tudo começa com o desenvolvimento do pensamento de longo prazo. Em conversa com VOCÊ RH, ele explica como fazer isso.

O que o inspirou a escrever Como ser um bom ancestral

Alguns anos atrás eu percebi que havia uma grande discussão sobre o pensamento de longo prazo. Pessoas dizendo que havia muito pensamento de curto prazo nos negócios, na política, no plano de saúde pública. Mas ninguém estava se perguntando o que é o pensamento de longo prazo, se ele é sempre bom para nós e como colocá-lo em prática. Foi assim que percebi que havia uma emergência conceitual sobre o assunto. 

Há 20 anos eu era um cientista político, um “especialista em democracia”, mas nunca passou pela minha cabeça que falhamos em representar as gerações futuras. Ninguém os ouve, porque, justamente, eles não estão aqui, mas as nossas ações continuam a ter impactos nas gerações futuras. Problemas ambientais (como mudança climática, crise ecológica), os riscos da tecnologia (como a inteligência artificial e a automação) e questões como racismo e desigualdade vêm passando de geração para geração.

Agora, temos o exemplo do novo coronavírus. Países como Taiwan, que tinham planejamentos de longo prazo, estão se saindo bem, ao contrário de países como os Estados Unidos, que não tinham planos. Talvez, o Brasil também. É muito claro para mim que nós precisamos do pensamento de longo prazo no nosso dia a dia, porque queremos respostas apenas para o agora a todo momento, na política, na economia, no trabalho. 

Por que é tão difícil desenvolver o pensamento de longo prazo e refletir sobre como nossos atos vão impactar as gerações futuras no mundo imediatista em que vivemos?

Quando pensamos sobre nós mesmos nos vemos como criaturas de curto prazo e isso faz parte do nosso cérebro, que é ávido por gratificações instantâneas, recompensas imediatas. 

Há, por exemplo, o “cérebro marshmallow”, que vem de um famoso experimento que psicólogos fizeram com crianças nos anos 1960. Eles colocaram crianças em uma sala e um marshmallow na frente delas, se pudessem esperar por 15 minutos antes de comer o doce, ganhariam outro. E a maior parte das crianças acabava comendo antes. 

Temos também a parte do cérebro que costumo chamar de “bolota” [acorn, em inglês, que pode ser traduzido como “bolota”, o fruto do carvalho que os esquilos gostam de armazenar], que é como o carvalho, que você planta e que vai crescer no longo prazo. Essa parte do cérebro está no lóbulo frontal, parte do córtex pré-frontal, que foca no pensamento de longo prazo e no planejamento. Podemos pensar: como animais fazem planos? Como por exemplo, um chimpanzé que pega um graveto, retira suas folhas e o transforma numa ferramenta, mas eles nunca fariam dezenas desses para a próxima semana, como os humanos fazem.

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E é por causa dessa diferença, que nós guardamos dinheiro para a educação dos nossos filhos, esse é o cérebro bolota, o cérebro do longo prazo, é por causa dele que construímos a muralha da China, foi assim que fomos para o espaço. Então, precisamos acionar esse cérebro, mas é sempre difícil fazer isso. 

Como esse imediatismo se aplica às empresas? Quais são as consequências disso para o futuro não só das sociedades, mas do mundo do trabalho?

A maior parte dos negócios quando dizem que estão pensando a longo prazo, estão se referindo a um período de cinco a dez anos. No entanto, os problemas que enfrentamos na sociedade são maiores do que isso. O governo chinês se planeja pelos próximos 35 anos em diante. Existem uma empresa de tecnologia bancária que fez um plano de 300 anos adiante.

O problema é que o planejamento de longo prazo das empresas é bastante limitado. É sempre sobre lucro, parcela de mercado, não é sobre aprender a viver com os recursos sustentáveis do planeta e esse é o problema. Um ex-executivo do Goldman Sachs uma vez disse: “Somos gananciosos, mas gananciosos a longo prazo, não a curto prazo”. Isso não é ajudar de verdade as gerações futuras. Acho, mais uma vez, que precisamos ir além do lucro. Um exemplo de companhia no Brasil, que tem sido uma “B corp”, uma empresa socialmente engajada, é a Natura. B corps, são organizações que pensam mais a longo prazo.

Há alguns anos eu participei de uma conversa numa reunião anual de profissionais de RH canadenses, com 5.000 pessoas. Eu estava falando sobre empatia no ambiente de trabalho, mas isso não era realmente pensar a longo prazo. Hoje eu penso que todas as empresas deveriam ter um plano de 1.000 anos. Pensar nas questões morais pelas quais as gerações futuras vão nos julgar. As companhias são como comunidades. E se você quer criar um mundo melhor para sua comunidade, as empresas deveriam estar pensando no longo prazo, porque elas têm impacto na vida das pessoas, apenas assim seremos bons ancestrais.

No livro, você lista seis maneiras de desenvolver o pensamento de longo prazo. Pode falar um pouco sobre elas?

A primeira é o conceito de tempo profundo, que diz respeito a ideia de que os humanos são apenas um piscar de olhos na longa história do universo. Mas acho que a pergunta é: quem somos nós para romper a cadeia dos seres, sem estruturas ecológicas, com riscos tecnológicos. Porém, é muito difícil de perceber o tempo profundo. Gosto de passear de bicicleta com meus filhos e adoramos ver árvores antigas, ancestrais, que possuem centenas de anos. O ponto é: precisamos desenvolver um pensar que considere o legado. Pensar como seremos julgados pelo futuro, mas também pensar o que herdamos do passado. Se pensarmos no que herdamos do passado, a evolução da agricultura, as descobertas médicas, as cidades que ainda vivem; mas temos também as heranças negativas. 

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Vamos pensar no Brasil, que ainda vive uma história de colonialismo e racismo. Você vê a desigualdade no Brasil. Quando eu estive aí, eu pude ver ser um país que pensa e vive no agora, apesar de ser um país com consequências de longo prazo que você ainda vê no cotidiano. É dessa forma que temos que pensar “o que vamos passar para nossa próxima geração?”. As coisas positivas e negativas, elas são sobre nosso legado.

Quais são os outros passos? 

Também temos que focar na justiça inter-geracional, que são as nossas responsabilidades e obrigações para as populações do futuro. Podemos aprender com os povos nativos americanos e a ideia da decisão tomada a partir do impacto nas próximas sete gerações. 

Além disso, há o “pensamento de catedral”, a ideia de começar algo em que você não verá o resultado em vida, como aquelas pessoas que se dedicaram a construir igrejas no século 15 na Europa e sabiam que aquele era um empreendimento de 100 anos, que não veriam o resultado. Ou como negócios que existem no Japão com 2.000 anos de idade. Comumente, são negócios de família, com pensamento de longo prazo. Eles não pensam em crescimento, mas apenas em fazer aquilo no que eles são muito bons. 

O pensar holístico também é importante, temos que olhar a ascensão e a queda de civilizações. E pensar que nós também um dia cairemos, assim como acendemos. E precisamos mudar. Hoje, nós precisamos usar 1,6 Planeta Terra para viver. Isso não pode continuar para sempre. Até meus filhos sabem disso, eles sabem desde os 4 anos de idade que quando você enche um balão até o limite, ele estoura. 

Por fim, a última forma de pensar no longo prazo é por meio do objetivo transcendental. Pensando individualmente, nossa espécie encontra sentido na vida por meio de um objetivo maior do que si mesmo. Para alguns cientistas, o sentido da vida está em buscar a cura para o câncer, ou manter o negócio da sua família vivo. Algumas pessoas, como Elon Musk, dizem “vamos para Marte”. Eu não acredito que esse é um caminho inteligente a se seguir. Apenas temos conhecimento desse planeta como sendo capaz de sustentar a vida, então vamos aprender a respeitar seus limites e não destruir a vida. 

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E como a covid-19 tem influenciado no pensamento de curto e longo prazo?

Por um lado, o coronavírus parece ser algo apenas para o momento presente: lidar com a crise, e não importa se você é um governo, uma família, uma comunidade ou uma empresa. Mas existem aspectos de longo prazo importantes também. 

A crise é um tempo para transformações. Milton Friedman disse uma vez: “Apenas uma crise – real ou potencial – produz mudanças reais”. E numa crise você sempre tem dois caminhos: um positivo e um negativo. Cidades como Amsterdã usaram esse momento para pensar numa economia circular; outros, estão se livrando dos seus acordos para o meio ambiente, usando a crise como desculpa – O que é um pensamento de curto prazo do século 18. Acredito que esse momento do covid-19, seja um pouco parecido com a crise que vivemos no fim da Segunda Guerra Mundial, com a oportunidade de pensar em instituições de longo prazo como o Serviço Nacional de Saúde britânico. É quase como uma escolha existencial: você pegará essa oportunidade de se transformar ou prefere continuar nesse modelo obsoleto que está morrendo? O modelo do negócio que pensa apenas em lucro está morrendo, assim como o modelo de governo que apenas pensa em crescimento econômico.

Pessoalmente, qual é o legado que você pretende deixar para as futuras gerações?

Sempre acreditei no poder do diálogo, isso pode mudar o mundo. E, pensando agora, eu espero que meu legado seja de ver as pessoas conversando sobre gerações futuras. Que elas não se esqueçam das futuras gerações quando tomarem decisões. Eu espero que meu legado seja deixar nas pessoas o hábito de se perguntar todos os dias: eu estou sendo um bom ancestral?

 

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