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Burnout: “Vivemos a ilusão de que nunca nada vai nos acontecer”

Jornalista e autora do livro “Dá Um Tempo!”, Izabella Camargo acredita que é hora de buscarmos a produtividade sustentável. Saiba como

Por Elisa Tozzi
7 Maio 2021, 09h33

Em 2018, a jornalista e apresentadora Izabella Camargo foi diagnosticada com burnout. Doença silenciosa, a síndrome do esgotamento profissional entrou na lista de enfermidades da Organização Mundial da Saúde (OMS) apenas em 2019 e afeta milhões de brasileiros. Uma pesquisa do International Stress Management Association do Brasil (ISMA-BR) aponta que 32% das pessoas no Brasil sofrem com o problema – o que representa cerca de 33 milhões de indivíduos.

O episódio de burnout de Izabella foi seguido por um afastamento e pela demissão da emissora de TV em que trabalhava. Embora dolorido, tudo isso serviu de estímulo para que ela começasse a estudar o tema com profundidade. “Quando acontece com você ou com alguém próximo, o preconceito diminui e surge o interesse”, diz Izabella. No ano passado, ela lançou o livro Dá Um Tempo! Como encontrar limites num mundo sem limites (Principium) no qual entrevistou mais de 100 pessoas para entender o que podemos fazer em busca de bem-estar emocional.

Aos 40 anos e grávida de oito meses de Angelina, ela divide a sua agenda entre apresentação de um programa de rádio, gravação de podcasts e palestras e cursos sobre saúde mental – inclusive para empresas, como a XP. Em entrevista para VOCÊ RH, Izabella explica os motivos para a sensação de sobrecarga, mostra algumas alternativas para conquistar o equilíbrio e alerta: pessoas que amam o que fazem são ainda mais propensas a desenvolver burnout.

Depois do seu episódio de burnout, você começou a estudar saúde mental, lançou um livro e criou um conceito muito interessante, o de produtividade sustentável. O que é isso?

Nós falamos muito de sustentabilidade ambiental, de sustentabilidade social, mas não aplicamos esse conceito à produtividade. Vivemos a ilusão de que nunca nada vai nos acontecer se trabalharmos com o que amamos ou em um projeto muito apaixonante. Mas não é verdade. No nosso modelo econômico, que é como é, se a pessoa não parar para refletir sobre atitudes que estão fazendo mal, vai alimentando um estilo de vida não sustentável. A produtividade sustentável é um momento de reflexão, tanto para aqueles que amam o que fazem e que ficam tomando remédios para não adoecer, tanto para os que não gostam do trabalho e querem mudar isso. Se você souber que está pegando pesado e entender quais são os comportamentos que levam para isso, vai ficar mais fácil perceber que está num caminho insustentável.

A produtividade sustentável tem alguns pilares. O primeiro é a atualização da identidade: aos 40 anos, você não consegue fazer o que você fazia aos 20 – tanto em atividades quanto em interesses e amizades que não fazem mais sentido. Isso é biológico, o tempo de recomposição das células e as necessidades do corpo mudam e você é diferente do que era. Quando temos de 20 a 30 anos, normalmente há mais dificuldade em desligar e em colocar limites, por isso a atualização da identidade é importante. E o segundo é tomar conta da agenda – se você não fizer isso, terá um problema.

Em várias pesquisas vemos que os jovens estão muito impactados psicologicamente pela pandemia da covid-19. Eles sofrem mais?

Será que os jovens estão sentindo mais ou falam mais por serem menos conservadores? Para o pessoal da minha idade é difícil mostrar fragilidade e dizer que está sem condições de fazer o que fazia no passado – a gente traz essa fala com o peso da geração anterior, que tratava saúde mental com ainda mais preconceito.

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Os jovens têm uma abertura maior e menos preconceito para falar sobre as consequências da saúde mental, mesmo que eles não consigam dar nomes aos bois, não entendam bem o que estão sentindo. Por isso, as empresas precisam dar mais segurança psicológica para os funcionários falarem, porque eles estão sentindo coisas que são nocivas e não estão dando conta. É um grande perigo ficar lidando com o anormal como normal. E para os jovens é uma ilusão continuar no estilo de vida de dormir pouco, de comer qualquer coisa, ou de não comer. Isso vai mudando o seu desempenho e a sua produtividade.

“É um grande perigo ficar lidando com o anormal como normal”

As empresas estão prontas para discutir saúde mental?

Algumas estão, outras não. O conservadorismo está diminuindo e muitas práticas estão sendo testadas. Mesmo nas empresas que fazem as ações, existem resistência. Mas há bons exemplos, o Boticário fez um trabalho fantástico de saúde mental, a XP também está pausando e fazendo manutenção da saúde. Elas inspiram novas ações.

O que costuma estar por trás do mal-estar psicológico?

O fundo de tudo é o medo: do desemprego, da avaliação dos outros, da produtividade cair, de ser substituído, do que o seu líder vai pensar, de se arriscar e pegar covid-19 ou de não se arriscar e temer que alguém que se arriscou irá conquistar algo que você quer. Essa insegurança social contribui para o excesso de estresse que pode levar a fobias.

Por isso que, na produtividade sustentável, existe um chamado para o auto cuidado. Quando você está com suas necessidades básicas supridas, o medo diminui. Se você está em um modelo insustentável de trabalho você vai dormir menos, abrir mão do tempo de higiene pessoal, ter uma alimentação mais rápida e pior e deixar de lado os momentos de lazer e com a família. Quando você negligencia essas necessidades essenciais, você fica vulnerável. Quando relembra o essencial e se inclui na agenda, você dorme melhor, pensa melhor e reage melhor. Uma pessoa com sono fica mais reativa: quando você está mais reativo você tem mais medo e fica mais inseguro.

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“Reduza a régua da perfeição para você parar de sofrer e delegue”

Como lidar com esse medo?

Tem que compreender se o medo é real ou imaginário. Eu estou com medo de ser mandado embora, mas se eu fizer bem o meu trabalho e me incluir na minha agenda, vamos bem. Se eu começar a fazer muito mais na minha agenda e me negligenciar, a conta não fecha.  É real ou imaginário o seu medo?

As empresas precisam ajudar nisso também, comunicando mais, explicando o que é saúde mental – mantendo um canal para acolher, não para punir. Quando a empresa quer atender bem o cliente, ela ouve o cliente. E para melhorar a vida do funcionário, não vai ouvir o funcionário? Tem que descobrir qual é a principal dor. Se o pessoal está com medo de perder o emprego, eu comunico que as metas estão no caminho e transmito um pouco de segurança. Trago informação para amenizar esse medo. Pode ter líderes que vão pensar que se fizerem isso os funcionários vão relaxar e deixar de produzir. Mas provavelmente não é isso que vai acontecer.

Ainda existem muitas companhias com ambientes tóxicos, com chefes pouco empáticos e culturas doentes. O que uma pessoa que trabalha em um lugar assim pode fazer para se proteger mentalmente?

Se eu não puder mudar de emprego e tiver que ficar nesse ambiente, preciso identificar quais são os meus comportamentos tóxicos para manter a minha saúde e a minha imunidade. Assim fico mais forte para reagir, decidir e interagir com esses ambientes tóxicos. Se uma pessoa fragilizada está em um ambiente tóxico, o resultado é um só: adoecimento, afastamento, custo, perda de reputação. Quando isso acontece, o funcionário perde uma parte do filme e terá que recomeçar porque não se deu conta dos seus comportamentos.

“O burnout é um problema ocupacional como qualquer outro”

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Quais são os comportamentos tóxicos?

Para identificá-los você tem que reconhecer quais são os seus ladrões de tempo – aquilo que você acha que é inofensivo, mas que consome energia e o seu tempo de descanso. Na hora do almoço, quando você não para nem cinco minutos para relaxar, está com um comportamento tóxico. O cérebro precisa de duas coisas para sobreviver:  oxigênio e glicose. Se você não para um pouco, isso é tóxico. E muita gente não percebe o quão nocivo para a saúde esse comportamento é.

Qual é a importância das pausas?

São fundamentais para a recuperação celular e, consequentemente, para a formação de memória. Hoje se fala muito em fadiga do Zoom, quando as pessoas ficam exaustas nas reuniões online. Se surgisse uma nova tecnologia, do nada, e pudéssemos fazer reuniões usando a porta do forno, a gente ia ter uma “fadiga da porta do forno”. Temos esse cansaço porque estamos em atividades repetitivas por várias horas sem parar – é como na escola ou na faculdade, quando a gente se cansava de tanta aula no final do dia.

Por isso, sugiro fazer micro pausas de 30 segundos entre uma atividade e outra para o cérebro se recuperar. Nem estou falando de mindfulness, não é isso. É parar na mesa, por 30 segundos, sem olhar para o computador ou celular, antes de começar uma nova atividade. Esse tempo ajuda a formar memórias e a processar informações. Senão você terá lapsos frequentes de memória a médio e a longo prazo. É como um arquivo de computador: se você desligar a máquina sem salvar, vai perder o trabalho.

Outro ponto importante é prestar atenção nas dores que você sente. A dor é uma mensagem que o corpo manda e não podemos negligenciar – nem terceirizar, achando que a culpa é da cadeira, do brilho da tela do computador. As dores são um efeito imediato e uma mensagem que pode ter consequências sérias se for ignorada constantemente.

Temos, então, que estabelecer limites?

Sim e faço uma analogia com os EPIs (equipamentos de proteção individual). O Ministério do Trabalho foi criado nos anos 1930 e os EPIs só se tornaram obrigatórios nos anos 60. Hoje ninguém mais questiona que um trabalhador no canteiro de obras use luvas, botas, óculos de proteção. Nesse momento, nós estamos construindo os EPIs para as questões mentais. Um deles é estabelecer limites: essa disponibilidade integral faz com que você não aceite fazer uma pausa entre um conteúdo e outro. No fim do dia, você está exausto sem lembrar nem o que almoçou.

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Diversas pesquisas já mostraram que a carga de trabalho feminina é maior do que a masculina por causa do acúmulo de tarefas domésticas e profissionais. Qual o seu conselho para as mulheres conseguirem mais equilíbrio?

Para aquelas que moram com um parceiro, a primeira coisa é pedir ajuda: reduzir a régua da perfeição e delegar. Falo isso porque vivi isso em casa no início da pandemia. Eu estava surtando porque meu marido ainda não sabia lavar a louça – além das inseguranças todas, com as finanças, com o medo do vírus, com as tarefas da casa. Ele começou a lavar a louça, mas não estava do meu jeito. Mas que jeito? O que é importante agora: as coisas estarem do seu jeito, que para você é a maneira mais correta, ou pegar mais leve para poder se incluir na própria agenda? Quem sou eu para falar o que alguém tem que fazer ou não, mas as mulheres precisam encontrar as próprias respostas. O fato é que nós somos mais propensas ao burnout: são seis casos femininos para quatro masculinos.

“Não ignore as mensagens do seu corpo. Ignorar isso é ignorar a vida”

Como a mulher identifica que está chegando ao limite?

Um sinal clássico de que uma mulher está sobrevivendo – e não vivendo – é falar da agenda o tempo inteiro. Além disso, tenho uma descoberta que veio das entrevistas que fiz com mais de 4.000 pessoas sobre burnout: quando as mulheres chegam ao limite, elas diminuem a frequência da lavagem dos cabelos. Se uma mulher lavava os cabelos dia sim, dia não, fica três ou mais dias sem lavar. Ela está tão sem energia e tão ligada nas atividades com as quais se comprometeu que negligencia a si mesma.

Para aquelas que moram com alguém, a saída é pedir ajuda. Reduza a régua da perfeição para você parar de sofrer e delegue, sem ficar enchendo depois a pessoa que vai ajudar você.  Quem mora sozinha precisa criar uma rede de apoio. A palavra mágica aqui é experimentar e construir uma rede: colocar um papel no elevador dizendo que quem mora sozinha pode contar com você para ficar com as crianças num período do dia. Pode parecer contraditório, mas você vai primeiro acolher as crianças dos outros e depois os outros podem acolher as suas. Esse esgotamento está na escolha de cada uma. Se eu considerar que tudo é um caos e que tudo é impossível, tenho que tomar decisões. Já é da nossa genética acolher e cuidar, mas você só cuida dos outros se cuidar de você.

Como foi o seu caso de burnout?

O meu episódio foi em 2018, um momento em que quase não se falava sobre o assunto. Mas o meu episódio se tornou um dos mais conhecidos dos últimos tempos porque, na minha humilde opinião, um problema foi o burnout e o outro problema foi a demissão. As pessoas me conheceram pela demissão da empresa em que eu trabalhava – se fosse outra empresa, talvez não tivesse tanta repercussão.

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O meu corpo não reagia bem ao trabalho na madrugada, nem à inversão de turnos, nem ao que eu fazia dentro dessas horas. E foi um estilo de vida por um longo período, muitos anos trabalhando na madrugada tendo que fazer muitas coisas ao mesmo tempo. O que me levou a descobrir que o multitarefa deteriora o cérebro. Fui buscar ajuda, vários tipos de tratamento, de medicação. O burnout é uma lesão no cérebro e a minha memória foi comprometida.

Ter o diagnóstico, no meu caso, foi um choque. É um misto de culpa e de tristeza e de mais tristeza ainda ao lidar com o preconceito dos outros. O preconceito em torno do burnout é comum porque as pessoas não enxergam a doença. E foi duplamente doloroso pelo diagnóstico e pela demissão. Hoje, quando as pessoas me chamam e se identificam comigo eu digo que são duas coisas: há o profissional que chegou ao limite e o que a empresa vai fazer com essa pessoa depois. Eu chequei um dado com a Associação Brasileira de Psiquiatria e 98% daqueles que têm burnout amam o que fazem.

O burnout é um problema ocupacional como qualquer outro. Na década de 90 foi difícil o pessoal ser reconhecido pelo LER/DORT (Lesão por Esforço Repetitivo). Com o burnout estamos no mesmo caminho.

“São os limites que garantem a liberdade”

Quais costumam ser os sinais de burnout?

Variam de pessoa para pessoa. Mas tem dor de cabeça frequente, problemas no estômago, de intestino, bruxismo, queda de cabelo, manchas na pele, dores musculares. Você vai atribuindo a outras coisas – como a cadeira, a idade. Mas são os mensageiros do seu corpo dizendo que tem alguma coisa errada. Ou você ouve a mensagem da dor ou você vai lidar com os gritos da doença: burnout, AVC, enfarte. É o seu corpo pedindo equilíbrio. Cada organismo terá desequilíbrio no órgão mais vulnerável. Preste atenção à frequência dos sinais: é todo dia, toda semana, todo fim de semana? Eu tratava com cinco especialistas e todo mundo falava em estresse, mas ninguém somava e ligava ao burnout. Não ignore as mensagens do seu corpo. Ignorar isso é ignorar a vida.

O home office bagunçou os nossos rituais. A gente não sai mais para ir ao trabalho e volta para casa, não para na mesa do colega entre uma reunião e outra. Isso atrapalha a saúde mental?

Quando você começa a trabalhar num lugar, a gente respeita os códigos daquele lugar. No começo do home office, todo mundo surtou porque não existiam códigos criados. E é você que tem que criar as suas regras de ouro. Se a empresa não bloqueia a agenda para o almoço, você precisa estabelecer as suas regras. Isso depende de diálogo com toda família: que música vai tocar no home office para que todos fiquem bem? Quais são os critérios de exceção para os imprevistos? Vai ser difícil no início porque depende de treino. Muitas pessoas se estressam porque não querem se apropriar da agenda e assumir a responsabilidade de criar uma nova rotina. Mas se você conseguir estabelecer as regras e observar se elas funcionam, vai ganhar espaço. São os limites que garantem a liberdade.

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