De todas as faixas etárias, no Brasil o suicídio é mais comum entre aqueles com 65 a 70 anos. Uma das razões está na perda do sentido de vida depois que a pessoa para de trabalhar. Considerando que o país envelhece num ritmo mais rápido do que o das nações desenvolvidas, essa questão exige cuidados.
Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, em 2005, 10% da população estava acima dos 60 anos; em 2015, eram mais de 14%. A avaliação é que o número de idosos quadruplique até 2060. Até então, a grande preocupação da sociedade está no âmbito financeiro, uma vez que os cidadãos economicamente ativos serão insuficientes para sustentar os aposentados.
Mas o problema vai além e atinge as corporações. “É errado haver um dia em que você deixa de trabalhar 40 e poucas horas por semana para ficar em casa todo o tempo. É uma ruptura abrupta do relacionamento empresa-pessoa. Isso não se faz sem custos psicológicos e, portanto, sem custos para o negócio”, afirma Renato Janine, ex-ministro da Educação e professor de filosofia na Universidade de São Paulo.
Matilde Berna, consultora da Lee Hecht Harrison e que trabalha com recolocação de executivos há mais de duas décadas, percebe que os assessorados acima dos 60 anos têm outras questões além do desejo de se recolocar. “Alguns chegam sem preparo para esse momento da vida e se chocam ao perceber que o mercado não vai mais absorvê-los por causa da idade”, diz.
Sem uma visão de futuro, muitos escolhem dar um fim ao sofrimento. A cartilha de prevenção de suicídios, do Centro de Valorização da Vida, alerta que a fatalidade geralmente acontece três meses após a mudança do estado ativo para o inativo. A maioria dos idosos que se suicidam são homens, segundo o Relatório Global para Prevenção do Suicídio da Organização Mundial da Saúde. A solidão e o isolamento social estão entre os principais fatores. E, em tempo de recessão, esse tipo de morte aumenta.
“Esse é, sem dúvida, um novo desafio para a área de recursos humanos”, diz Renato Bernhoeft, coautor do livro Longevidade (Editora Aurora) e presidente da Höft, consultoria de transição de gerações. Para ele, o RH ainda não aborda essa questão com o devido entendimento.
“Em algumas empresas, o termo ‘vestir a camisa’ é pouco, as pessoas são ‘tatuadas’. O empregado se alimenta de tudo que a organização oferece — status, benefícios —, e quando isso se perde de maneira abrupta, é como se ele virasse um ex, e isso é dramático”, afirma Bernhoeft. Não precisa ser assim. É hora de o líder de gestão de pessoas assumir seu papel mais humano, tendo consciência de como a aposentadoria afeta os profissionais.
Uma questão de negócio
Segundo os especialistas, a organização tem muito a ganhar quando auxilia os funcionários nesse período de transição. “Além de ser uma questão de respeito e consideração, também é possível planejar melhor a sucessão e abrir espaço para quem quer subir na carreira”, diz José Augusto Minarelli, diretor executivo da Lens & Minarelli, consultoria de transição de carreira.
“Quando a aposentadoria acontece de uma hora para a outra, tende a ser assimilada como uma demissão”, afirma Minarelli, e isso causa prejuízo emocional não só no indivíduo mas também em todo o quadro de trabalhadores. Uma dica é estipular uma data-limite para a aposentadoria de maneira aberta e transparente.
Outro benefício para o negócio é a transferência de informações. “Por mais que existam dispositivos para registrar o conhecimento adquirido, grande parte do conteúdo ainda está na cabeça das pessoas”, diz Minarelli. Os RHs poderiam combinar com o futuro aposentado uma troca: a empresa ajuda na transição para o pós-carreira e ele retribui treinando seu sucessor.
Para Renato Bernhoeft, da Höft, é importante que as corporações tenham um plano de pós-carreira estruturado. “Muitas vezes, essa questão costuma ser colocada na área de benefícios, mas a abordagem deveria ajudar as pessoas a criar um projeto de vida”, diz. Cabe ao RH tratar essa prática da mesma maneira com que lida com processos de treinamento e seleção.
Boas práticas
A fabricante de caminhões Volvo e a seguradora Mapfre são exemplos de grandes companhias que investiram num programa de pós-carreira com viés mais amplo, além das simples palestras de planejamento financeiro.
Há dois anos, o Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre, com 6?000 funcionários, adotou em sua matriz, em São Paulo, um programa para auxiliar os profissionais a refletir sobre a vida de aposentados.
“Temos pessoas com muito tempo de casa e elas se esquecem de pensar no futuro porque acham que a empresa cuidará delas para sempre, mas essa não é a realidade”, diz Cynthia Betti, diretora de recursos humanos. Depois de conversar com o público-alvo, o RH trocou o nome de programa de preparação para aposentadoria para pós-carreira.
Agora, a iniciativa envolve funcionários a partir dos 40 anos de idade e foca em três pilares: qualidade de vida (com dicas de saúde e exercícios), planejamento financeiro e projeto de vida (com perguntas sobre o propósito de cada um). O programa tem duração de dois dias, mas a organização também oferece coaching individual para contratados de idade avançada — com mais anos de casa e pouco tempo para se preparar.
“Quando começamos o projeto, fazíamos três palestras de 2 horas cada uma, mas vimos que era preciso aprofundar esses temas”, diz Cynthia. Em 2017, a ideia é ampliar o programa para as unidades São Carlos e Franca.
No Grupo Volvo da América Latina, a primeira iniciativa de aposentadoria foi criada há 20 anos, e revisado há 13 anos. A corporação estabelece a saída compulsória do profissional ao completar 60 anos de idade. “A Volvo vai completar 40 anos no Brasil e tem gente aqui com 30, 38 anos de casa”, diz Rubens Cieslak, especialista em educação corporativa.
Cinco anos antes de deixar a empresa, a pessoa entra no programa. Cada trabalhador passa por diferentes módulos que abordam aspectos financeiros, psicológicos, previdenciário, de saúde e qualidade de vida. “Nosso diferencial é que fazemos reuniões individuais, para o nível executivo e operacional. Queríamos resguardar a privacidade desses funcionários e o resultado tem sido muito efetivo”, afirma Cieslak.
Cerca de 155 pessoas já passaram pelo programa, das quais 60 já se aposentaram. “Aprendemos que a questão de projeto de carreira irrita o funcionário, então o convidamos a ter um projeto de vida, que vai além do de carreira na Volvo”, diz.
Foi graças a iniciativas desse tipo que Werner Tieder, de 63 anos, estruturou sua vida pós-carreira. Formado em direito, começou a trabalhar aos 17 anos em um banco agrícola e depois entrou na agroindústria Cosan, onde ficou 30 anos. “Sempre tive muito claro que um dia ia parar e queria ter a sensação de missão cumprida”, diz.
Após se aposentar como diretor de operações da Cosan, no final de 2015, a empresa lhe pediu para continuar prestando consultoria por projetos. A cada 15 dias, ele viaja do interior do Rio Grande do Sul para São Paulo, para trabalhar. Esse vínculo deve durar mais três anos. “Continuei vendendo meu conhecimento, mas deixei de ter as tabelas de horários e passei a ter mais tempo para a vida pessoal”, diz o profissional, que ocupa o tempo livre mexendo nos carros antigos que coleciona.
Outro caso de transição tranquila para a aposentadoria foi de Milton Pereira, de 71 anos, que trabalhou 20 anos no Itaú e outros 14 na Serasa Experian, onde se aposentou em 2012.
“Me planejei; comuniquei o CEO sobre minha saída, publiquei um livro com o registro de todo trabalho de gestão de pessoas na Serasa e ajudei a selecionar e a treinar meu sucessor, que está lá até hoje”, diz. Hoje em dia, ele ainda faz palestras, frequenta eventos e publica artigos no LinkedIn e em seu blog, no qual escreve sobre desenvolvimento de liderança e sua carreira — além de ler e viajar para Salvador e Minas Gerais para visitar os parentes.
Cada empresa precisa encontrar o formato mais adequado para seus funcionários, mas é importante dar o primeiro passo. “O ideal é a organização apoiar o empregado a fazer uma aposentadoria ativa, ajudando-os a revisar sua relação com a carreira e a olhar todas as esferas da vida”, diz Marcia Vazquez, consultora sênior na Thomas Case & Associados.
Uma maneira de incentivar isso é permitir que participem de outras atividades ao longo da carreira. Se há 30 anos a aposentadoria significava chinelos, pijama e um ponto final, agora ela pode ser o começo de uma vida promissora.