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João Roncati

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João Roncati é especialista em mudança organizacional, cultura e estratégia e CEO da consultoria People+Strategy

A onda antiESG e o perigo de misturar ideologia com boas práticas

É preciso revisitar o propósito das organizações e dos indivíduos e ver se lá cabem as reflexões dos princípios exercitados nas práticas de ESG

Por João Roncati, colunista de VOCÊ RH
17 out 2022, 12h10
Mulheres em roda de conversa sorriem e demonstram cumplicidade
 (Pexels/Dani Hart/Divulgação)
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ecentemente escrevi sobre a importância de as empresas construírem espaços em sua agenda corporativa para a discussão política. Essa abordagem, que tem como objetivo provocar reflexão, esclarecimento e desenvolvimento de postura e que busca o exercício da cidadania plena, encontra eco em cientistas políticos e empresários.

Em geral, estes profissionais estão preocupados em apoiar o compartilhamento de conhecimento e questionamentos que permitam alicerçar as escolhas individuais do seu público-alvo (empregados ou não). Portanto, não se trata de uma discussão que visa contraposição de ideologias, partidarismo ou promoção de algum candidato. Ao contrário, o foco não é algo ou alguém, mas a sensibilização de cada um para, no mínimo, compreender a sua importância nos interesses públicos e nos rituais democráticos.

A Natura, por exemplo, lançou o Programa Voto Consciente (“com conteúdo e web série, que visam simplificar assuntos como eleições, democracia e escolha dos representantes da sociedade” – Natura e Meio & Mensagem). Esta é uma das várias iniciativas que estamos vendo surgir ao nosso redor. Importante notar que essa abordagem é convergente com as melhores práticas de ESG (Environmental, Social and Governance), pois ressignificam o papel das organizações da vida de todas as pessoas que elas alcançam com seus símbolos, produtos ou narrativas.

E, nesse contexto, foi com algum assombro que li uma reportagem em grandes veículos da imprensa com o título de “Onda antiESG confronta empresas e investidores ativistas nos EUA”. Na matéria, que narra e reproduz artigos americanos, reflete-se a preocupação de que estamos, possivelmente, ideologizando discussões importantes em nossa sociedade e que ESG parece ser uma das mais recentes “vítimas”.

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Isso amplia a nossa preocupação com a importância do desenvolvimento de pessoas, sobre o que é a política enquanto exercício de cidadania e não como um sinônimo de diferentes esferas de poder, cargos públicos ou poderes constituídos e que são, na verdade, instrumentos de expressão popular ou ferramentas, como é o Estado. Ao compreendermos o que é a política para o cidadão, podemos apoiar sua capacidade crítica de ampliar a reflexão para sua identidade ideológica e a escolha de seus representantes. De outra maneira corremos o risco, na tentativa de atalhos e simplificações, de saltar diretamente para a identidade ideológica pouco refletida no que são seus alicerces, propostas e, portanto, efeito sobre toda a sociedade (sem qualquer julgamento de valor aqui).

Na tentativa, oportunista ou pela simplificação, destes atalhos, podemos criar ou adotar caricaturas da ideologização, sobre muitas coisas ou quase tudo. Logo, aquilo a que nos opomos, podemos chamar de ideológico e indesejado. Seria a onda de ESG uma vítima desta discussão? Há quem diga que sim.

A caricatura de ESG ideologizada estaria na imediata associação com pautas “progressistas” em possível contradição com outras pautas e mesmo com partidos políticos. Para citar um fato, em agosto de 2022 “procuradores gerais de 19 estados americanos começaram uma investigação (…) em uma empresa que classifica empresas por critérios ESG (…)” e também contra a “S&P Global”.  Na mesma direção, a BlackRock foi acusada por cobrar princípios de ESG: “(…) colocar a agenda climática na frente dos interesses dos clientes, com potenciais riscos para a economia dos EUA”. Segundo o Financial Times, muitas empresas como bancos e fundos de investimento estão receosas de sofrer oposição formal ou na sociedade e passaram a repensar sua pauta de ESG.

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Estamos falando de grandes “players” do mercado e poderia ser irresponsável apenas criticá-los. Mas acredito que seja um movimento de oposição que precisa ser olhado com cuidado, pois pode reduzir enormemente as iniciativas impulsionadas pelas discussões da já antiga Business for Social Responsability e de todos que advogam pela importância dos princípios de ESG.

É bastante fácil encontrar estudos em universidades de renome e até fundos de investimento que demonstraram que as discussões de ESG trazem efeitos positivos para a gestão das empresas por vários motivos como ampliar a eficiência no uso de recursos com impactos positivos em custos e despesas ou pela possibilidade de alavancar a criatividade em um ambiente mais diverso e inclusivo, apenas para citar duas consequências positivas.

Mas parece que começa a ser fácil encontrar também executivos e membros do setor público, como o Governador da Flórida (EUA), Ron DeSantis, que começam a exercitar uma pauta declarada de oposição, justificada por aumentos de custos expressivos ou redução do foco no retorno sobre ativos que a discussão de ESG e suas perspectivas pode provocar.

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Então, qual poderia ser a saída? Temo que não existem respostas simples ou fáceis, mas eu sugeriria deixarmos de lado momentaneamente a complexidade dos indicadores e a forma de mensurá-los e darmos um passo atrás: revisitar o propósito das organizações (e indivíduos) e ver se lá cabem as reflexões dos princípios exercitados nas bases da discussão de ESG.

Se encontramos uma convergência, ainda que não seja uma expressiva sobreposição, vale a pena dar um segundo passo e deixar o mais claro possível, o resultado que a organização (e indivíduos) esperam ou projetam ao organizarem suas atividades e o relacionamento com seus stakeholders a partir dos princípios de ESG. E só a partir daí, iniciar movimentos e ações concretas de revisão de sua forma de atuação.

Em síntese: se o propósito que nos move e os resultados que esperamos concretizar não encontrarem eco e identidade com os princípios, qualquer esforço pode ser fácil e rapidamente questionado e posto à prova, senão abandonado.

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Por outro lado, se nossas preocupações e desejos de resultados forem convergentes com as preocupações que impulsionaram a formalização ao redor dos princípios e bases de ESG, vale a pena parar, não ideologizar a questão e iniciar uma mudança.

Eu, pelo meu propósito e valores, acredito que iniciativas como ESG e Business for Social Responsibility (BSR) são muito válidas por exercitarem a reflexão sobre nossos impactos individuais e coletivos no ecossistema em que nos inserimos, o que representaria não atentarmos para o que nos acolhe e sustenta. Mas se a certeza não está instalada em você ou na sua organização, pare. Reinicie a conversa, olhe para os dois passos citados acima e decida a sua jornada.

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