O retorno após licença parental: a hora da virada
Como lideranças e RHs podem lidar com a fase mais crítica da jornada de mães e pais que voltam ao escritório.

Imagine a seguinte cena: uma liderança procura o RH dizendo que a funcionária que voltou recentemente da licença maternidade já não é mais a mesma.
“Ela não demonstra mais o mesmo comprometimento, tem faltado, não entrega como antes… Estou pensando em desligá-la.”
Diante de uma fala como essa, o que você – profisisional de RH e de gestão de pessoas – faz?
Nesse momento, não falo sobre romantizar o acolhimento à parentalidade, mas sobre encarar com seriedade o que está em jogo: o bem-estar psicológico das pessoas, os compromissos institucionais com diversidade e inclusão, e os impactos reais sobre o engajamento, a retenção, o clima organizacional e – inclusive – a reputação da empresa.
Além disso, a substituição de uma vaga traz consigo impactos financeiros, operacionais e culturais associados a pagamento de rescisão, abertura de novo processo seletivo, tempo de adaptação e perda de conhecimento acumulado do profissional.
Já discutimos em muitos espaços que investir em parentalidade é um diferencial competitivo: ajuda a reduzir turnover, aumenta a produtividade e reforça o senso de pertencimento. Mas, quando você está na linha de frente da gestão de pessoas, como traduzir isso em ação concreta?
De todas as fases da jornada da parentalidade nas empresas – desde o anúncio da gestação ou adoção até o planejamento da licença –, o retorno é o momento mais sensível.
Um levantamento recente da Filhos no Currículo identificou que 25% das figuras parentais relatam algum grau de insegurança ao retornar ao trabalho. Isso significa que um em cada quatro profissionais volta da licença com medo de não corresponder, de ser julgado e de perder espaço — ou tudo isso junto.
Isso porque a maioria das empresas não se atenta que a pessoa que retorna da licença parental não é a mesma que saiu. O modelo de vida anterior, as dinâmicas familiares e as prioridades mudam, obviamente. É justamente aí que mora o risco de evasão ou de demissões. Surge uma disparidade entre as expectativas. Daí, a importância do profissional de RH em oportunizar momentos de reconexão com o trabalho, de um novo pacto entre as partes.
Reintegração estruturada
Voltando à situação hipotética inicial: o que você faria como profissional de Gestão de Pessoas diante de um pedido por desligamento de uma mãe que retornou recentemente de licença e que, segundo a gestora “já não demonstra o mesmo comprometimento”?
Antes de pensar em desligamento, algumas perguntas podem guiar uma conversa mais consciente entre a área de Gestão de Pessoas e a liderança envolvida:
- Quais são as entregas esperadas e alinhadas com essa profissional? As partes estão cientes e com objetivos claros?
- Houve capacitação adequada para que ela possa entregar o que está sendo solicitado?
- Existe alguma adaptação ou apoio que poderia ser oferecido no retorno de licença para apoiar no processo de reintegração da profissional?
- Qual seria o impacto de um possível desligamento nos compromissos públicos da empresa?
Essas perguntas não apenas ampliam a escuta, como ajudam a reconduzir o foco da liderança em uma transição do julgamento para a corresponsabilidade. Muitas vezes, um realinhamento de expectativas, combinado com uma agenda de reintegração estruturada, pode ser mais eficaz e coerente com os valores institucionais.
Como funciona na prática
Em nossos programas para a criação de ambientes de bem-estar parental nas organizações, propomos junto às lideranças a construção de quatro frentes multidisciplinares de trabalho estruturante:
- Capacitação dos gestores para a identificação de vieses inconscientes e para a criação de ambientes de segurança psicológica aos colaboradores.
- Preparação de RHs e business partners para atuarem como tradutores de uma cultura de bem-estar parental, principalmente no processo de preparação e retorno à licença.
- Formação de “madrinhas/padrinhos” (pessoas que já viveram a jornada da licença e do retorno), permitindo aos futuros pais um suporte emocional e um acolhimento coletivo, o que fortalece o capital relacional da empresa.
- Espaços coletivos de escuta e de pertencimento com ciclos de encontros com quem está retornando de licença, que ajudam a nomear as dores comuns dessa fase e criar vínculos de troca e apoio.
Essas práticas, quando implementadas com intencionalidade e continuidade dentro dos corredores corporativos, ajudam a transformar o retorno em um processo e não apenas em um dia no calendário.
E, como toda boa estratégia, precisam ser acompanhadas de indicadores de impacto como turnover, engajamento, abseteírmo, segurança emocional para ajudar a mensurar a efetividade do programa e ajustar rotas.
O retorno de licença é o ponto de virada. Pode ser a curva que leva ao pedido de demissão — ou à reconexão profunda com a empresa.
Se tratarmos esse momento como um processo, e não como um simples evento, deixamos de apagar talentos no meio do caminho e passamos a cultivar culturas que sustentam o futuro do trabalho.