o mesmo tempo em que ouço pessoas dizendo “não consigo passar um dia sequer sem ouvir um podcast ou assistir a uma série” e “leio mais de 20 livros por ano”, há quem diga que não tem assunto para conversas com parceiros de negócios, colegas de trabalho, companheiras e companheiros, filhas e filhos.
Esse é um dos muitos paradoxos dessa vida complexa que vivemos. Consumimos cada vez mais conteúdos, produzidos e distribuídos em mundos virtuais, salvamos mil e um conteúdos para ver depois, mas não “ligamos os pontos” (como diria Steve Jobs) e, na hora de trocar palavras em conversas variadas, entramos no modo automático, com frases e assuntos de sempre, que logo nos convidam a voltar para mundos virtuais aparentemente mais interessantes e atrativos.
Ligar os pontos é atuar como curador ou curadora, para criar nexo entre informações e saberes variados, dar cor, sabor e sentido para o que vemos, ouvimos e vivenciamos. Cuidar do que nos toca, nos emociona, nos ajuda a tomar decisões e analisar o que acontece a nosso redor.
Gilberto Dimenstein, em “A Era da Curadoria”, seu belo livro de conversas com Mario Sergio Cortella, já dizia que, para sobreviver no futuro, seremos todos curadores — esse papel que parecia figurar apenas em museus, mostras de arte e eventos culturais. Não, esse papel é de todas as pessoas, não de poucas.
Ser curador nos ajuda, inclusive, a vivenciar a comunicação não apenas para transmitir informação, e sim interagir e dialogar.
Comunicar é atribuir sentidos, a partir de saberes e experiências prévias, abrir espaço para que cada pessoa resgate memórias, reflita sobre suas práticas e perceba sentidos que outras pessoas atribuem para a mesma série, livro, experiência, ideia, projeto. Em vez da lógica “curti” ou “não curti”, entendemos por que aquele trecho do livro encantou, porque fez viajar para outra realidade. A série causou estranhamento por remeter a um momento da vida, o podcast faz rir ou chorar no carro.
Saímos, assim, de um jogo de certo e errado, de quem agrada mais ou menos, para a conexão entre universos particulares. Quanto isso é potente e ousado, gera aprendizados valiosos, justamente porque evidencia a premissa essencial de que comunicar é interagir, é tratar o mundo pelas palavras, e não etiquetá-lo.
É saindo dos monólogos disfarçados de diálogo que conseguimos ter mais assunto com as pessoas. É ousando não querer agradar com o comentário mais incrível do grupo que nos conectamos com o que faz sentido para nós e para as outras pessoas naquela interação. É apreciando os sentidos que as pessoas dão ao que vemos e vivenciamos que passamos a ter conversas ricas com quem quer que seja.
Experimente e perceba a diferença, em você e nas pessoas a seu redor.