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Nubank: dá para ser antissistema sem promover inclusão racial?

CEO da fintech diz “não poder nivelar por baixo” ao falar de “dificuldade” na contratação de negros; especialista em diversidade destaca questão estrutural

Por Hanna Oliveira
Atualizado em 9 dez 2020, 23h05 - Publicado em 21 out 2020, 17h01

Cristina Junqueira, co-fundadora da fintech brasileira Nubank, deu uma entrevista controversa no programa semanal “Roda Viva”, da TV Cultura, na segunda-feira, 19 de outubro.  Ao se referir sobre a pauta racial na companhia, Cristina disse: “Não dá para nivelar por baixo […] é por isso que a gente investe em formação. A gente criou um programa gratuito, chamado ‘Diversidados’ e a gente vai capacitar essas pessoas. Não adianta a gente colocar alguém para dentro que não vai ter condição de trabalhar com as equipes que a gente tem, de se desenvolver, de avançar na sua carreira, depois não vai ser bem avaliado… Aí a gente não está resolvendo problema, está criando outro”. A fala levantou uma grande discussão sobre diversidade nas redes sociais.
Após a repercussão, a co-fundadora se pronunciou no Linkedin ontem, 20 de outubro, por meio de um vídeo. Cristina se desculpou e destacou que “falar de diversidade racial não é fácil – não é fácil para ninguém, para a gente no Nubank. A gente tá aqui para aprender, para ouvir”.
O Nubank é uma fintech que nasceu há sete anos e desde então vem sendo uma pedra no sapato das instituições financeiras tradicionais do país. A própria empresa surfa nessa onda e, por diversas vezes, se colocou como “antissistema” em suas propagandas, conhecidas por serem “disruptivas”. Claro que menos burocracia e tarifas mais baixas são ações muito bem-vindas e a empresa definitivamente foi um marco entre as instituições bancárias do país. Contudo paira no ar uma dúvida, ainda sem resposta, após a fala da maior liderança da empresa em rede nacional: dá para ser antissistema sem promover a inclusão racial num país de maioria negra e com feridas abertas em relação à exploração dessa população? 
Para o especialista em diversidade e sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales, precisamos sair dos “discursos vazios”: “Eu percebo que as startups têm um discurso muito associado ao novo, mas na prática acabam reproduzindo estruturas antigas de gestão”, defende completando que é preciso olhar além do resultado. “Fico pensando muito sobre qual o impacto dessas empresas na sociedade. Não me atrai a ideia de ver uma startup que lucrou um bilhão, a pergunta que vem para mim é: e a sociedade, o que ganhou com isso?”, questiona.
Ricardo aponta o caráter estrutural da questão racial. “Não podemos cair num equívoco de individualizar  a questão. Porque não é sobre a fala dela, mas sobre o que representa do todo. Essa fala circula no meio corporativo brasileiro e revela um preconceito e também um desconhecimento da nossa própria realidade”, explica. O especialista ressalta que é importante considerar que estamos avançando nessa pauta e que o discurso das lideranças está mudando: “Essa fala reproduz um ideário antigo, mas está caindo em desuso. A gente avançou nos últimos anos e o debate foi se qualificando”. Um bom exemplo é a Magazine Luiza e a Bayer que anunciaram programas focados em lideranças negras e que geraram debate na sociedade.


Quem criou essa “régua” que precisa baixar?
Falar em reconhecimento da própria realidade, passa também por analisar os dados demográficos brasileiros. Com as políticas afirmativas adotadas nas últimas décadas a população negra tem realizado conquistas significativas no que se refere ao acesso à educação e capacitação profissional. Como divulgou o IBGE em levantamento de 2019, negros já compõe 50,3% das universidades públicas do país. Complementando esse dado, o MEC divulgou essa semana os resultados do ENADE 2019 em que se mostrou que os cursos mais bem avaliados no Brasil são de universidades públicas e presenciais.
Para Ricardo, o próprio fato desse tipo de fala não se fundamentar em dados empíricos demonstra o seu caráter estrutural. “Esse tipo de raciocínio ele é reproduzido cotidianamente sem, necessariamente, você ter uma evidência empírica que comprove isso. Ouvimos há muito tempo ‘eu vou ter que baixar a régua para contratar pessoas negras’, ‘eu não encontro pessoas negras que falem inglês’, ‘eu não encontro pessoas com deficiência para posições de liderança’ e sabemos que essas pessoas existem, claro que numa quantidade menor, mas elas existem”. Não só existem como o especialista relata que sua consultoria tem “nadando de braçada” ao ajudar empresas a contratarem esses profissionais e fecharam recentemente uma contratação de liderança para uma pessoa com deficiência numa multinacional alemã. “Quem procura acha, mas a busca tem que ser intencional”, aponta. 
No país da diversidade dá para se falar em negócio sem inclusão?
O Brasil é um país de tamanho continental, composto por uma maioria negra de 56%.É também marcado por um cenário de profundas desigualdades em contraposição a uma riqueza cultural que nasce da diversidade. Dá para imaginar as necessidades de uma população tão heterogênea somente com o ponto de vista um grupo seleto de pessoas, de seus escritórios, em uma área rica de uma grande metrópole? “Se você é uma empresa em pleno crescimento numa sociedade como a nossa que é diversa por excelência você precisa ter essa diversidade representada até por um imperativo de negócios”, analisa Ricardo, prosseguindo: “Se a diversidade não está representada, fatalmente você não vai conseguir ter soluções que sejam tão inovadoras e que vão ao encontro dos anseios dessa população”, explica contando que a pauta racial é a principal dor na questão de diversidade. “É um dos temas que as empresas menos avançaram, é onde mais precisa ser feito, é onde tem o maior percentual de população. É necessário engajamento firme das empresas nessa temática” defende.
Nesse sentido, longe de supostos assistencialismos é preciso compromisso. “Isso não é assistencialismo, você está flexibilizando porque você aposta que aquele candidato ou candidata talvez não tenha aquela competência, mas tem muitas outras. Precisamos parar de fazer processo seletivo olhando para a falta. Vamos olhar para a potência, o que é que tem de potencial?”. Além disso, para Ricardo, algumas questões recaem mais sobre a população negra do que sobre a população branca. “Todo mundo é fluente no currículo, na hora de entrar na reunião dá aquela travada. Até quem teve a oportunidade de viajar, perde algo. Mas isso acaba caindo sobre a população negra de uma forma muito cruel”, relata complementando, “talvez não tenha o inglês, mas o que tem? E o que vai ter? Porque o inglês se aprende quando se dá oportunidade”, finaliza Ricardo.

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