Da eficiência à influência: o novo papel do RH em tempos de IA
É fundamental entender a inteligência artificial de verdade – porque precisará selecionar, desenvolver e reter talentos com fluência na tecnologia.

Quem se interessa pela área de gestão de pessoas — e eu preciso dizer que todo líder focado no sucesso do seu negócio deveria se interessar por esse tema — se lembra da época do People Analytics. Inspirados pelo que Laszlo Bock fez no Google e por todo o movimento data-driven que rondava as empresas, executivos falavam que aquele era o momento do RH finalmente sair da posição de centro de custo operacional para se tornar um parceiro estratégico de negócio.
Algumas organizações conseguiram fazer a virada, mas a verdade é que muitas permaneceram presas a processos tradicionais, focadas em funções burocráticas e pouco conectadas com os desafios reais da organização. Agora, com a maior inserção da inteligência artificial (IA) no ambiente corporativo, estamos diante de uma nova possibilidade de transformação, a fim de estabelecer a gestão de pessoas como um pilar fundamental para fomentar a inovação, elevar a produtividade e gerar uma diferenciação competitiva.
Será que, desta vez, conseguimos romper o ciclo da promessa não cumprida e, de fato, protagonizar a transformação das organizações?
Menos discurso e mais conhecimento
A pergunta é provocadora porque, como pude observar no recente Unleash America 2025, em Las Vegas, a resposta depende menos da tecnologia em si e mais de como escolhemos usá-la. O evento reuniu líderes que estão no centro dessa transformação e fez um alerta importante: a introdução de inteligência artificial não vai, por si só, fazer com que o RH ocupe uma cadeira na mesa dos decisores da empresa.
Para se sentar com o C-level e participar das conversas sobre o futuro do negócio, os CHROs precisam abandonar o discurso da eficiência operacional como único valor e demonstrar, com dados e entregas concretas, como suas decisões impactam os objetivos da empresa. E isso, na atualidade, passa pelo domínio da área no uso de inteligência artificial.
É fundamental que o RH incorpore a tecnologia não por modismo, mas porque, do contrário, ele não estará preparado o suficiente para selecionar, desenvolver e reter talentos com fluência em IA — talentos que não apenas dominam as ferramentas, mas sabem aplicá-las para resolver problemas complexos de negócio. A corrida agora é por diferenciação baseada em inteligência e adaptabilidade, e isso exige uma atuação muito mais sofisticada da área de gestão de pessoas.
Se queremos um RH estratégico, ele precisa ser protagonista da experimentação — e isso exige mais do que discursos inspiradores. Exige uma transformação profunda por meio da tecnologia, uma cultura de dados e uma musculatura analítica que permita medir impacto de verdade, a exemplo do que a empresa de software australiana Atlassian tem feito.
Em um dos painéis, Avani Prabhakar, Chief People Officer da organização, foi taxativa: se o RH quer ser levado a sério, precisa parar de anunciar que está se transformando e começar a mostrar o impacto dessa transformação com clareza e consistência. Na Atlassian, isso passa pelo desenvolvimento de agentes de IA construídos sob medida pelas próprias equipes de RH — como bots de onboarding e assistentes de performance —, o que só foi possível porque a área se apropriou da tecnologia com autonomia e alinhamento aos problemas reais dos colaboradores. Essa abordagem não só aumenta a adesão como reforça o papel do RH como um agente de entrega, não apenas de intenção.
IA: mais do que automatizar, precisa gerar impacto nos negócios
Nessa mesma linha, Josh Bersin, fundador e CEO da consultoria The Josh Bersin Company, falou sobre o conceito de “RH sistêmico”, que diz respeito à integração das funções de RH em modelos de trabalho baseados em fluxos e times multifuncionais — saindo da lógica de silos e assumindo um papel ativo na solução de problemas complexos do negócio. Mais do que automatizar processos, trata-se de redesenhar estruturas, cargos e formas de operar, usando a IA como catalisador.
Compreender essa diferença entre uma adoção meramente operacional e uma adoção relevante da IA é ainda mais importante dentro do contexto em que os CEOs, segundo Bersin, estão atentos ao ROI dos investimentos em tecnologia, focados em ganhos tangíveis de produtividade e desempenho.
Isso significa que o RH não pode se limitar a implementar soluções que apenas automatizam tarefas existentes — ele precisa redesenhar suas entregas com base no impacto que gera no negócio. É nesse ponto que o RH sistêmico se destaca: ao integrar dados, tecnologia e decisões em fluxos multifuncionais, ele passa a atuar como um orquestrador da performance organizacional, não apenas como executor de processos.
Essa mudança não é fácil — e a verdade é que ninguém disse que ela seria. É necessário ter disposição para sair do piloto automático, fluência digital e, principalmente, ambição para demonstrar valor real onde antes só se esperava conformidade. E quem encarar o desafio, não estará transformando “apenas” o RH, mas toda a capacidade de uma organização acompanhar o ritmo frenético das transformações em curso.
*Juliana Jordão Machado é head de Pessoas na Tako.