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O que a série Emily em Paris ensina sobre adaptação cultural

Uma transferência para um outro país pode ser um sonho ou seu maior pesadelo; especialistas comentam a questão - sem spoilers

Por Hanna Oliveira
Atualizado em 23 out 2024, 10h16 - Publicado em 11 dez 2020, 10h00
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  • Para aqueles que cresceram sob o mundo globalizado, que tem como grande marco de início a queda do Muro de Berlim em 1989, a ideia de se aventurar em um novo país, com uma cultura completamente diferente, é um sonho comum. Imagina ser uma jovem americana, muito bem reconhecida pela companhia em que trabalha e receber uma oportunidade de levar ideias novas para uma pequena agência francesa que sua empresa acabou de adquirir?

    Essa história aconteceu, pelo menos na ficção: a série Emily em Paris, uma produção da Netflix, conta a história de uma jovem que recebe a missão de levar o jeito “americano” de fazer marketing para uma agência pequena em Paris. No entanto, o sonho de trabalhar em outro país pode ter percalços pelo caminho. “Emily é muito antenada e vem cheia de gás, mas quando entramos numa empresa nova é preciso ter muito cuidado, ainda mais quando se mistura culturas diferentes para que o outro não entre numa postura de resistência e foi o que aconteceu”, diz Jacqueline Resch, diretora da consultoria Resch Recursos Humanos.

    Emily, no início, vivencia um verdadeiro choque cultural entre a mundialmente conhecida competitividade e hiperprodutividade norte americana e a cultura francesa que, segundo a série, não coloca o trabalho como a tarefa mais importante da vida.  Vale ressaltar que, a produção acabou sendo criticada pelos exageros e clichês na interpretação dos modos e costumes parisienses.

     

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    Olhar para dentro 

    Os fluxos migratórios no mundo foram drasticamente impactados pela crise do novo coronavírus, como revela o relatório anual da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), nesse levantamento se mede a migração de populações de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento para países desenvolvidos. Mas é importante destacar que até 2019 esse número vinha crescendo.

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    Raj Rani, diretor de educação em uma startup, ao longo de toda sua vida passou com experiências multiculturais: nascido na Colômbia, viveu no Brasil antes de se mudar para os Estados Unidos para fazer universidade. Voltou para cá em busca de uma oportunidade de trainee e acabou entrando numa empresa americana. 

    “Era uma cultura um pouco mais agressiva, mais competitiva, num modelo bem americano, que eu não me identifiquei”, explica Raj. Em uma de suas experiências na área social, teve contato com a cultura corporativa holandesa que ele relembra com carinho. “Era muito diferente, baseada no consenso, na conversa, no alinhamento, um olhar muito forte para o impacto social, então foi um mundo bem especial para mim”.

    Para Andréa Fuks, fundadora da consultoria Global Line, que auxilia profissionais que estão passando por uma transição internacional, ter leveza na hora de lidar ou com uma mudança de país ou com a entrada numa companhia estrangeira com uma cultura forte é a palavra-chave – e isso acontece em Emily em Paris. “O que faz a diferença é uma conversa interna que você tem que ter consigo. Por isso eu gostei tanto da série, porque diz muito sobre como você pode levar essa situação: que é a leveza que ela traz, não entrar na briga do outro. Não levar as coisas para o lado pessoal, que são competências dificílimas de serem levadas para a prática”.

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    Andréa, que brinca ser uma carioca “exilada” em São Paulo há 23 anos, tamanha as diferenças culturais mesmo dentro do mesmo país, e conta que antes de abrir a consultoria ela mesma viveu na pele os impactos de uma mudança – ainda jovem acompanhou o ex-marido para um MBA nos Estados Unidos e acabou precisando se reinventar, já que aqui no Brasil era psicóloga. “O cônjuge também precisa cuidar de si. O ideal é que ele vá renovar a sua história”. 

    Adaptabilidade 

    Em Emily, há diferentes perfis de profissionais lidando com mudanças: desde famílias que não suportaram o sonho parisiense da protagonista e retornaram em três meses, até aquelas que adoraram morar em Angola, mesmo a mudança tendo acontecido pouco tempo depois da guerra civil que assolou o país. Para que a experiência seja positiva, Andréa aponta que a humildade também é importante: “Você é o responsável por abrir as portas da sua chegada, por se fazer simpático, por fazer com que as pessoas tenham curiosidade a seu respeito. Porque apesar de você ter sido escolhido para ir para fora, você está indo para um ambiente que não conhece”, defende.A adaptabilidade e compreensão da a realidade social do local de destino também são importantes, segundo Raj. Ele conta que precisou se mudar para Libéria e Tanzânia quando trabalhou numa empresa de crédito alemã. “A Libéria vem de uma herança de conflito civil e isso influencia para as pessoas irem mais ao confronto. Você pensa que é má educação, mas quando começa a ler nas entrelinhas, percebe que é uma herança cultural”, analisa explicando que depois de um tempo, descobriu que ser mais enérgico e falar mais alto, era algo positivo. 

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    Mas quando foi para a Tanzânia ainda no modo de atuação “liberiano” precisou mudar. “Meu tom de voz estava mais alto, estava um pouco mais agressivo nas metas comerciais e vi que tinha uma resistência por parte dos colaboradores de lá. Quando você vê a herança cultural do país, de ter uma história mais pacífica, uma cultura de tempos que são outros, a relação com trabalho muda”, conclui.

    Entender que somos diferentes é importante para abraçar a cultura e a forma de ver o mundo do outro. “O outro não é ‘mal educado’, ele te dá uma resposta seca, porque ele aprendeu assim. O que é alegria num lugar, não necessariamente é expressado em outro da mesma forma. O valor de um abraço numa região tem um sentido, que é diferente de outros. Aprendi que não existe uma só forma de viver. Parece bobo quando se fala da boca para fora, mas é diferente quando você vive e deixa o outro ser quem ele é. Esse foi meu maior aprendizado”, finaliza Andréa. 

    Dicas para quem vai trabalhar fora

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    Antes de ir para outro país, seja ela uma escolha pessoal ou um direcionamento da sua empresa, é importante você se preparar. Buscar compreender a história do local é muito importante como apontado por Raj. Se for para executar um trabalho específico que envolva mudança, é importante se planejar sobre como executará isso. “Qual o tamanho da mudança que você vai propor? para que as pessoas possam abraçar aquela mudança, para que elas possam ficar curiosas acerca daquela mudança”, explica Jacqueline Resch.

    Em sua experiência de consultora, Andréa viu que as histórias mais exitosas de mudança de país envolviam abertura para a nova cultura. Por isso é importante se abrir ao novo e demonstrar genuíno interesse: “Ser humilde, ser curioso com a cultura local, ter uma mente aberta. É impressionante como os locais ficam mais abertos quando recebem uma pessoa que está disposta a conhecer”.

    Assim como Emily, geralmente, uma transferência para outro país acontece como um reconhecimento do trabalho. Mas é importante se lembrar que essa será uma experiência completamente nova, com outro contexto e novos jeitos de se executar um trabalho. “Na sua cultura de origem, você é reconhecido e por isso você vai para fora. Lá você não conhece ninguém, é um estrangeiro, eventualmente, tem gente que não gosta de você, suas ideias não são nem entendidas, é como se você voltasse a ser criança”, aponta Andréa, “Recomeçando de novo na mesma empresa, às vezes até fazendo o mesmo trabalho. É muito importante ter essa consciência. Trabalhe a humildade, a curiosidade, a mente aberta, o respeito com o próximo e a paciência consigo”.

    Em um processo de mudança, despertar a curiosidade dos outros para suas ideias e buscar compreender o novo ritmo que te cerca é importante. Para Jacqueline, compreender que esse é um momento de avanços, mas também de recuos é fundamental: “Num processo de mudança são dois passos para frente e um para trás. As pessoas não ligam uma chave e mudam de mentalidade. Ainda que seja com a gente mesmo, se você criar um hábito, ele só se consolida quando vamos tendo ganhos nos comportamentos novos”.

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