Cuidado: coach de Instagram. Aprenda a se proteger dos picaretas
As mídias sociais se tornaram uma vitrine para quem oferece serviços de coaching. Veja como escolher um bom profissional
Esta reportagem foi publicada na edição 70 (outubro/novembro) de VOCÊ RH
Se você está em uma rede social, certamente já foi impactado por um post (ou anúncio) de algum serviço de coaching. Não é à toa. A internet está repleta desses profissionais. Uma simples busca pela palavra “coach” no Instagram traz mais de 43 milhões de menções. O número dá uma amostra de como o serviço se popularizou nas mídias sociais: são fotos, imagens inspiradoras, vídeos, stories e transmissões ao vivo com frases motivacionais, dicas sobre carreira, liderança e, claro, forte divulgação do trabalho de coaching feito pelos mais diferentes profissionais.
Alguns deles, inclusive, têm números estratosféricos: garantem ter turbinado mais de 100.000 currículos ou ter recolocado 100% de seus clientes. O que nem sempre corresponde à realidade. “Existe muito marketing e é fácil encontrar uma mensagem apelativa e sedutora”, diz Mario Pires de Moraes, gerente de pesquisa e criação de conteúdo do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC).
O efeito colateral da popularização do coaching – importante para consolidar a atividade e ajudar no desenvolvimento de muitos executivos – é a banalização da prática, o que gera grande desconfiança sobre a categoria. Em meio a tantas ofertas e promessas, o profissional de RH se vê diante de um desafio ao ter que procurar um coach para atuar com sua equipe, correndo o risco de cair na charlatanice.
Clareza de objetivos
Saber o que quer é o ponto inicial da busca por um profissional desse tipo – pode ser que a companhia precise aplicar coaching, mentoring ou assessment, por exemplo. E esses três serviços, diferentes entre si, não são claros para as pessoas. De acordo com uma pesquisa global da International Coaching Federation (ICF), apenas 30% delas sabem o que é, de fato, coaching.
A gama de trabalhos de um coach varia: o profissional pode ser contratado para atuar pontualmente na resolução de um problema de performance de um funcionário ou de uma equipe, ou para auxiliar a liderança a conduzir uma profunda transformação cultural. “Entender onde está estagnado, o que precisa desenvolver, quais são os bloqueios, por que acreditou que o coach seria a solução – o profissional de RH tem que ter tudo isso definido ao contratar um coach”, explica Ricardo Basaglia, diretor-geral da consultoria de carreira e recolocação Page Group.
Mas um bom coach não faz milagre e costuma ser especializado em algumas questões ou em níveis hierárquicos. Portanto, um sinal de alerta podem ser aqueles profissionais muito generalistas, que fazem de tudo e com um trabalho muito padronizado, ou que usam uma metodologia única. “O coach que diz resolver todos os problemas normalmente não resolve nenhum”, alerta Ricardo.
Divã ou autoajuda?
É importante lembrar que coaching é uma metodologia de desenvolvimento profissional que tem como meta potencializar a performance. Não por acaso, o coach empresta o nome em inglês do treinador esportivo, que usa técnicas e métodos para explorar o potencial máximo do atleta de alto rendimento. A prática entrou no mundo corporativo, inicialmente, com foco na formação de lideranças e acabou absorvida. A questão é que ainda confunde-se coaching com terapia. “A prática não vai ocupar o lugar da psicologia jamais; é uma ferramenta”, explica Mario, do IBC. O especialista ainda lembra que não há problema em um psicólogo atuar como coach, desde que haja a compreensão geral de que as atividades não são as mesmas, mas complementares.
Outro ponto de atenção é o viés de autoajuda. Um profissional sério não vai dizer o que deve ser feito nem entregar fórmulas prontas baseadas em metodologias rasas – ou em metodologia nenhuma. A construção é sempre conjunta e tem como objetivo, como explica a ICF, “estimular o coachee a maximizar seu potencial”.
Por isso, a entrevista é um dos momentos mais importantes para a escolha do coach. A recomendação de Eliete Gomes, master coach para a América Latina da consultoria LHH, é que uma das principais perguntas a se fazer seja “Como você acha que pode me ajudar?”. Isso auxilia a entender qual é exatamente a expertise do candidato. Também é importante pedir detalhamento sobre a metodologia e as ferramentas utilizadas e verificar quanto o coach está realmente interessado em compreender o problema que precisa ser resolvido, ou se está apenas “vendendo método”, nas palavras de Ricardo, do Page Group.
De olho nas certificações
A pesquisa global da ICF apontou também que, para os consumidores, um obstáculo na contratação de um coach são “pessoas não certificadas que chamam a si mesmas de coaches”. A mesma pesquisa revelou que a grande maioria considera muito importante haver profissionais credenciados, tanto entre aqueles que já tiveram a experiência de um processo (83%) como entre os que nunca fizeram isso (76%).
Para Eliete, é fundamental checar as escolas de coaching e se fixar nas certificadas, já que trabalham as competências necessárias para ser um bom profissional, com horas de estudo, prova escrita e oral, e sobretudo mantêm o código de ética do coach. A ICF, por exemplo, periodicamente faz uma reciclagem desse manual de conduta, que precisa ser acompanhada por seus membros e credenciados, os quais recebem créditos pela atualização no tema.
Esses cuidados são relevantes, já que não existe regulamentação da atividade no Brasil e ela tem se popularizado por aqui. De acordo com a ICF, nosso país tem 211 coaches cadastrados. Na América Latina, ficamos atrás somente da Argentina e do México. Mas apenas oito brasileiros detêm o certificado Master Certified Coach (MCC), que exige mais de 200 horas de treinamento e 2.500 horas de prática.
O certificado não resolve tudo. É necessário saber o quanto o profissional está atualizado sobre as mudanças do mercado. Na pandemia, liderança à distância, transformação digital e empatia ganharam ainda mais força, e os coaches precisam estar por dentro de tudo isso. Resta ao RH verificar como o profissional acompanha as tendências.
Afinal, as competências agora são diferentes das de um ano atrás, e as lideranças precisarão de apoio para a transformação – mas apoio sério, e não anúncios de que é possível mudar a vida depois de assistir a uma live e curtir posts de Instagram.
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