“Trabalhe enquanto eles dormem”. Quantas vezes essa frase já apareceu em alguma das suas redes sociais? Pretensamente motivacional, a afirmação traz uma ideia perigosa, de que basta negligenciar o sono ou trabalhar mais do que os outros para conquistar os objetivos profissionais e alcançar o sucesso.
A glamorização do excesso de trabalho não vem de hoje. Sempre foi comum ouvir pessoas dizendo, com certo orgulho, que não têm tempo para nada, que a agenda está uma loucura. Mas na pandemia esse cenário piorou – e não apenas por uma escolha pessoal. Segundo dados do Dieese, 70% dos profissionais brasileiros dizem estar com cargas de trabalho mais altas em 2020 e 2021.
Por trás desse índice há duas explicações principais. A primeira é que muitas das pessoas que conseguiram manter o emprego estão trabalhando em equipes reduzidas, com menos recursos financeiros, mas precisando entregar metas ambiciosas. A segunda é que há uma grande insegurança rondando os trabalhadores que, com medo, acreditam que precisam mostrar o máximo de trabalho para permanecer nos empregos. E isso pode significar se dedicar às atividades profissionais sem trégua, um comportamento chamado de produtividade tóxica.
O que é a produtividade tóxica?
Basicamente, a produtividade tóxica é a sensação de que é preciso estar o tempo todo fazendo algo considerado produtivo. Isso significa trabalhar mais horas do que se trabalhava no passado, ficar constantemente conectado no celular ou computador (e sofrer até com sintomas físicos quando os aparelhos não estão por perto), usar todos os períodos livres para produzir mais ou para fazer atividades que tenham alguma relação com o trabalho, pular as refeições para participar de uma reunião ou entregar um relatório, por exemplo.
Quem vive no ciclo da produtividade tóxica só se sente satisfeito quando está dedicado a uma tarefa considerada produtiva – e normalmente sente culpa quando não está “fazendo nada”. Além disso, é comum ter a percepção de que o esforço, por maior que seja, nunca é bom o bastante – uma voz na consciência fica dizendo que dava para fazer mais.
O home office pode estimular esse comportamento. Afinal, não há mais separações entre vida pessoal e profissional e o trabalho está ao alcance das mãos em qualquer dia e em qualquer hora. “Se você está presencialmente no trabalho, pode dar uma andada, encontrar as pessoas, parar para conversar com um colega. A pluralidade de interações cria um descompasso para ao seu cérebro descansar. Nas telas, não. Você vive em overworking, não para mais. É um colega que chama no WhatsApp, o filho que chama em casa, o gato que passa na frente do computador. É uma concentração de coisas acontecendo”, diz Cristiano Nabuco, psicólogo clínico, escritor, professor e especialista em vício digital.
Quais são os riscos?
Diversos estudos mostram que existe uma relação direta entre excesso de trabalho e problemas de saúde. O professor da Universidade Stanford Jeffrey Pfeffer, por exemplo, explica em seu livro Morrendo por um salário, que o emprego leva à morte 120 000 pessoas por ano nos Estados Unidos. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que trabalhar 55 horas ou mais por semana aumenta o risco de morte.
No caso da produtividade tóxica, as consequências das longas jornadas e da incapacidade de se desligar do trabalho podem levar a quadros de estresse, ansiedade, burnout e depressão. Além disso, especialistas afirmam que o próprio comportamento de trabalhar sem parar pode ser uma tentativa de esconder ou superar algum problema psicológico já existente.
Do ponto de vista do trabalho em si, a dedicação exaustiva não significa qualidade para as entregas. Ao contrário. O cansaço pode diminuir as capacidades cognitivas, frear a criatividade e aumentar a propensão aos erros. Um estudo publicado na revista científica Neurology, por exemplo, revelou que altos níveis de cortisol (o hormônio produzido pelo corpo em situações de estresse) diminuem o volume do cérebro e causam mais problemas de memória.
Melhor do que a produtividade tóxica é adotar o que a jornalista Izabella Camargo, especialista em saúde mental e colunista de VOCÊ RH, batizou de produtividade sustentável. Nas palavras dela, essa é a “capacidade de trabalhar sem causar danos à saúde e aos relacionamentos. Na prática é não apelar para remédios, anestésicos, estimulantes – exemplos de combustíveis insustentáveis – e não deixar o estresse e a falta de tempo desencadearem comportamentos agressivos e outros desequilíbrios emocionais que vão deixando nossas relações mais confusas e difíceis.”
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