Engajar líderes a cuidar das equipes facilita a gestão de pessoas
Líderes de recursos humanos descentralizam a administração do capital humano e incentivam os gestores a cuidar de sua equipe

Não é de hoje que se ouve de muitos executivos de recursos humanos que os verdadeiros responsáveis pela gestão de pessoas são os líderes de negócio. Na esteira da ascensão do que seria o RH estratégico — jargão que ficou comum entre os profissionais — os gestores passariam a avaliar, a desenvolver e a engajar o próprio time.
O discurso, embora bonito — já que os trabalhadores se tornariam o principal ativo das companhias e, por meio de seu bom desempenho, se atingiria o resultado planejado —, na prática é difícil de acontecer.
Para o professor Anderson Sant’anna, da Fundação Dom Cabral, um dos impeditivos para que essa transição ocorra é a mentalidade das próprias corporações, que olham apenas para seus números e lucros. “No dia a dia, essa pressão por bater metas acaba se sobrepondo à responsabilidade de lidar com pessoas, e o gestor opta pelo o que é mais cobrado”, afirma.
Com chefes orientados às questões financeiras, sobra para o RH o papel de identificar necessidades, aprimorar competências e estimular os funcionários. “Imagine numa empresa com 500 trabalhadores. Se o gestor não pegar para si essa responsabilidade, no mínimo o RH terá de fazer a gestão de umas 300 pessoas”, diz Ana Karina Dias, sócia da consultoria multinacional McKinsey. Quando se empodera a liderança, a área de gestão de pessoas se torna uma facilitadora dos processos e consegue se concentrar em outras questões, como a contribuição da mão de obra para atender à estratégia do negócio.
Diminuindo etapas
Na farmacêutica Bristol-Myers Squibb, a tentativa de inversão dos papéis começou há quatro anos, mas saiu de fato do campo das intenções somente um ano depois.
A empresa, que conta com um time de 300 funcionários e apenas quatro deles na área de recursos humanos, investiu numa série de sistemas para que alguns procedimentos, como o agendamento de férias, passassem a ser tarefa dos gestores. “Hoje, eles conseguem contratar pessoas abrindo a requisição em um centro de serviço compartilhado, sem a necessidade de passar pelo RH. No processo seletivo, eles também são os primeiros a entrevistar os candidatos. E, com o tempo, pretendemos que o envolvimento de terceiros seja menor ainda, com autonomia total do gestor”, diz Jennifer Wendling, diretora de recursos humanos.
Na indústria química DuPont, que conta com 2 300 funcionários, aconteceu um processo semelhante. Dez anos atrás, o RH implantou o que chama de Performance Partnership (“Parceria para o desempenho”), com o qual pretendia mudar a mentalidade dos executivos sobre o papel da área de gestão de pessoas.
Mas a ideia só começou a pegar em 2015, quando a multinacional lançou uma ferramenta online que permite aos gestores, de forma quase autônoma (apenas com a validação do superior imediato), demitir, promover, contratar e controlar questões como férias e horas extras. A mudança não foi fácil, como revela Simone Bianche, diretora de RH na subsidiária brasileira. “A DuPont, assim como a maioria das empresas, era uma organização paternalista. Quando começamos essas discussões, alguns líderes diziam para nós que estavam há 20, 30 anos na companhia e nunca haviam precisado olhar para a própria carreira. Eu respondia: ‘Que sorte que você teve, porque colocar essa responsabilidade na mão de outra pessoa é muito arriscado’. Essa autonomia é uma forma de delegar o cuidado da vida profissional de cada funcionário para ele mesmo.”

Ônus e bônus
Além das questões práticas, alterar esses papéis que por anos estavam bem determinados passa por outras questões. Primeiro, é preciso um grande trabalho de comunicação para que os líderes não entendam que a área de recursos humanos está apenas querendo se livrar de algumas responsabilidades — e dando mais trabalho para eles.
Segundo, o próprio RH, embora capitaneie esse discurso, tem resistência em transferir funções para os executivos, porque isso pode significar perda de poder. “É claro que, inicialmente, houve uma resistência. Os gestores ouviam esse discurso e pensavam: ‘O RH está delegando mais uma função para mim’”, diz Simone, da DuPont. De outro lado, a equipe de RH gostava que os líderes dependessem dela para contratar ou demitir. “Se eles deixassem essas tarefas, o que o RH faria na empresa? Se aproveitando dessas fragilidades, do ‘eu não quero deixar de fazer’ e ‘você não quer assumir’, não há mudança.”
Para evitar esse jogo de autossabotagem de ambas as partes, a DuPont começou um processo de preparação dos chefes, que, além de treinamentos e uma comunicação transparente, contou com a abertura de dados que antes ficavam apenas na guarda da área de recursos humanos — como os salários. “Não dá para ter autonomia sem informações”, afirma Simone.
Ao mesmo tempo, com acesso às informações e menores etapas para exercer alguns processos, o que antes era encarado como mais uma tarefa na rotina atribulada dos executivos, agora é facilmente integrada no dia a dia dos profissionais. Na Bristol, apenas com a implementação do sistema de requisição de férias, o processo, que contava com até cinco etapas, foi reduzido para apenas duas. “No meio de metas e objetivos do negócio, cuidar das pessoas não deve ser uma sobrecarga. E só conseguiremos isso se simplificarmos as tarefas. Globalmente, estamos revendo nossas políticas e práticas para diminuir essas barreiras e facilitar ainda mais a gestão”, afirma Jennifer.
Quem sou eu?
De acordo com a executiva da Bristol, a perda de poder do RH é apenas momentânea, já que ele vai sair de atividades transacionais e se ocupar com funções “transformacionais”, com impacto em toda a organização. “Você perde algumas coisas, mas fica livre para ter uma responsabilidade maior”, diz.
Quando a mudança de fato acontece — o que leva alguns anos, no melhor dos mundos —, o líder de recursos humanos consegue, finalmente, ocupar um papel mais nobre. “Todos os gestores deveriam gastar 90% do tempo com sua equipe, e não executando tarefas do dia a dia. O RH como parceiro estratégico vai ajudar na estrutura de como isso será feito”, afirma Simone. A DuPont, ela diz, está perto de alcançar essa “fluidez” — embora reconheça que o modelo perfeito não existe.