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Estrutura com muitos chefes perde força nas companhias

E os modelos de squad e rede acenam para um futuro em que flexibilidade é a palavra de ordem

Por Michele Loureiro
Atualizado em 5 dez 2020, 19h12 - Publicado em 31 jan 2018, 04h00

Um em cada três postos de trabalho no mundo deve ser substituído por máquinas até 2025, segundo previsões da consultoria Ernst&Young. A mudança no perfil da mão de obra, atrelada à velocidade dos processos e à necessidade de se reinventar constantemente para manter a rentabilidade, desafia os executivos a encontrar formas de dar agilidade e flexibilidade aos negócios. A maioria deles esbarra numa questão muito básica: a configuração da empresa.

Um estudo da consultoria Deloitte divulgado no início de 2017  aponta o redesenho organizacional como a principal preocupação dos executivos de gestão de pessoas globalmente, sendo citado por 92% dos entrevistados como uma tendência “importante” ou “muito importante”. No Brasil, 94% dos líderes de RH consideram o tema uma prioridade. “A velocidade nas respostas é o tom dessa urgência. As companhias precisam se reinventar para ter fluidez”, diz Roberta Yoshida, sócia na área de gestão de capital humano da Deloitte.

Outra pesquisa global da mesma consultoria, com 7 000 chefes de recursos humanos e negócios, mostra que já em 2016 as corporações revisitavam seus organogramas com o objetivo de se tornarem mais ágeis, colaborativas e focadas no cliente. Mas, apesar da forte intenção, apenas 21% dos executivos se consideram preparados para construir equipes multifuncionais e 12% entendem o modo atual de as pessoas trabalharem em conjunto.

Afinal, qual é o modelo ideal de organização? Segundo Eduardo Vasconcellos, professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e especialista em estruturas organizacionais, não há uma fórmula simples. O ponto de partida deve ser o “reconhecimento do objetivo do negócio”. Seja a expansão de lojas, seja a melhoria do atendimento ao cliente, seja o preparo para uma aquisição. Com base nisso, o RH deve averiguar o nível de dificuldade de integração e padronização de processos e pessoas, e montar uma equipe para as etapas da mudança. “Tudo deve ser feito com o envolvimento dos times, pois nenhuma transformação funciona quando é imposta por alguns.”

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O homem na Lua

Nos últimos anos, a estrutura matricial foi considerada a principal arma das companhias que precisavam de agilidade e não suportavam mais a tradicional hierarquia piramidal. Nesse formato, as relações de subordinação estão configuradas numa espécie de teia, na qual os profissionais obedecem a vários chefes, muitos deles dispersos geograficamente.

O modelo nasceu em meados da década de 60, quando Estados Unidos e Rússia, em meio à Guerra Fria, disputavam quem levaria o primeiro homem ao espaço. Numa mesma equipe, menor, reuniam-se químicos, engenheiros, astrofísicos e matemáticos, que trabalhavam com prazos justos. O desenho foi copiado pelas empresas que viam em seus pontos positivos o aumento da produtividade: quando o time age próximo ao objetivo final, a tomada de decisão é rápida — pelo menos na teoria.

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Mas a matriz começa a sofrer questionamentos. O presidente de uma multinacional alemã com operação no Brasil reconheceu recentemente que a companhia busca novas opções de organização. “Esse modelo não traça de forma clara as estruturas e faz com que os funcionários percam muito tempo se reportando aos chefes”, diz o executivo, que prefere não se identificar. Para ele, é mais fácil convencer os subordinados num organograma hierárquico do que num matricial. Afinal, um profissional no Brasil pode se reportar a um gestor no exterior, não sendo “obrigado” a seguir a ordem nem mesmo do presidente regional.

Um estudo realizado pelo professor Vasconcellos, da FEA-USP, em organizações que adotam a estrutura matricial mostra que a maior parte dos problemas se dá pela falta de clareza em relação aos prazos de cada etapa do projeto, à autoridade e à responsabilidade de cada um, fora a omissão de informações técnicas. Para Vasconcellos, é comum as pessoas brigarem para saber quem manda. “O indivíduo recebe ordem de um para fazer de um jeito e o gestor diz que deve ser feito de outra maneira. A questão do ego é um grande desafio nesse formato.” Outro ponto de atenção é a sobrecarga: profissionais se queixaram do alto volume de satisfações que são obrigados a dar. Cada chefe, uma resposta.


Nascer, crescer, morrer

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Um desenho que tem ganhado força no mundo corporativo é o de squad (“esquadrão”, na tradução do inglês). A ideia nasceu no Spotify, serviço de distribuição de música pela internet, e espalhou-se por outras startups do Vale do Silício, nos Estados Unidos. O conceito prevê a dissolução dos tradicionais departamentos e a formação de esquadrões compostos de profissionais multidisciplinares, que têm como foco a resolução de um problema específico. O desafio está em compor, mobilizar e desmobilizar as equipes.

O laboratório de análises clínicas Fleury, mesmo com 9 000 funcionários e uma estrutura matricial, decidiu apostar nos squads para acelerar a expansão da rede. Antes do modelo, vários departamentos da empresa se envolviam na inauguração da unidade — que só abria as portas depois de 700 dias, em média. A área de gestão de pessoas criou um esquadrão com três profissionais, dos setores de planejamento, fiscal e de certificações, que passaram a liderar as ações relacionadas à ampliação. “Agora, entregamos laboratórios de pequeno porte em 124 dias, e de grande porte, em 460 dias”, afirma o diretor de RH Eduardo Marques. Os squads agradaram tanto que há outro projeto em andamento, desta vez dentro do próprio RH, para acelerar a atração e a seleção de candidatos. “A meta é que o tempo do processo diminua em até 40%.”

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Os esquadrões também tiveram efeito positivo na fabricante de argamassas Weber Saint-Gobain, que reviu sua estrutura há dois anos, depois de notar que as decisões estavam engessadas. Segundo Claudia Ramos, diretora de RH, antes do redesenho havia a dificuldade de disseminar a estratégia nas 30 unidades da empresa. Sem falar nos gestores, que, na falta de uma visão ampla do negócio, não entendiam o impacto de suas ações no todo. Após muita comunicação, treinamentos e revisão de níveis hierárquicos, os gerentes ganharam autonomia e passaram a se reportar a menos chefes. Um dos projetos baseados em squad é a FAR (Ficha de Atendimento à Reclamação), na qual os profissionais analisam arquivos de clientes e identificam pontos de melhoria, desde o pedido até a entrega dos produtos, visando agilizar o atendimento ao consumidor. “Em dois anos, reduzimos de 24 para nove dias o tempo de resolução das reclamações”, diz Claudia.


O que vem por aí

A busca do setor empresarial por flexibilidade e agilidade é insaciável. Antes mesmo de alguns conceitos se consolidarem, outros surgem para tomar seu espaço. Um exemplo é o formato de governança organizacional — método relativamente novo no Brasil que significa, em termos gerais, gerenciar a corporação por prioridades.

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A Monsanto, multinacional de agronegócios, adotou essa mentalidade em 2013, quando veio da matriz a ordem de focar mais no cliente e usar a inteligência de dados para otimizar a operação. Com 36 unidades espalhadas por 13 estados, a subsidiária brasileira percebeu que seria impossível ter agilidade e uma visão integrada do negócio tendo com base uma estrutura matricial. Foram, então, mapeados 46 processos ligados aos negócios de soja, milho e defensivos, como licenciamento de produtos, eficácia de vendas e estratégia de atendimento ao cliente. Depois de realizar workshops com funcionários de vários níveis hierárquicos, 18 procedimentos foram eleitos principais. Carlos Brito, diretor de recursos humanos para a América do Sul, afirma que as adaptações continuam. “Ainda temos times multidisciplinares que se unem para acelerar projetos e cada um se reporta ao seu líder”, diz. Com o novo modelo, que exigiu o treinamento de 780 líderes na região, Brito diz que as decisões ficaram até 40% mais rápidas.


Anderson Sant’Anna, professor e vice-coordenador do Programa de Mestrado Profissional em Admi­nistração da Fundação Dom Cabral e que recentemente concluiu um doutorado em arquitetura e urbanismo para entender novas formas de composição, acredita que as empresas caminhem para o que ele chama de “fenômeno de descentralização da noção da organização”.

Com a evolução da inteligência artificial e do uso das redes sociais para compartilhamento de informação, a fronteira dos escritórios ganhará nova dimensão. Por exemplo, uma startup tem uma ideia revolucionária no ramo de pagamentos bancários e vende essa solução tecnológica para uma instituição financeira. Em vez de se integrar à estrutura maior, morosa e burocrática do banco, a startup fica de fora, “acelerando” seus processos. É como se a companhia passasse a ser um conjunto de pessoas com o mesmo objetivo, mas que não precisam estar sob o mesmo espaço físico nem sob a mesma estrutura. “Não necessitamos mais de fronteiras. Um banco pode ser uma ‘constelação’ de startups”, diz Sant’Anna.

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Para o professor, as regras da reforma trabalhista fortalecem esse modelo — no qual é possível ter as “empresas-mães”, responsáveis pela estratégia marco, coordenação, integração e liderança; as “enteadas”, focadas em inovação tecnológica e gestão; e as “empresas-filhas”, que cuidam da produção e do controle operacional. Porém, assim como os outros desenhos, esse também apresenta um desafio: a integração. “A empresa-mãe precisa criar braços para manter a constelação estruturada”, afirma Sant’Anna.

Num primeiro momento, o formato deve se tornar mais comum nas companhias de alta tecnologia. Como a economia do Brasil é fortemente baseada em commodities, as constelações corporativas podem demorar um pouco. Enquanto isso, Sant’Anna recomenda: “O principal é ter em mente que não se trata de excluir modelos. O segredo é compreender os desafios e integrar as várias opções de estrutura disponíveis”.

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