Em 2014, Fabrício Alves Ferreira, diretor organizacional da rede atacadista Martins, criou a figura do business partner depois ter “exaustivamente” pesquisado sobre o tema e estudado os melhores modelos do mercado. Contratou para a função duas profissionais seniores. “Foi uma tentativa de colocar pessoas que de fato conhecem os subsistemas de RH e fazê-las ‘morar’ no negócio”, diz Ferreira. Mas a experiência só durou um ano. Uma das BPs engravidou de gêmeos e precisou se afastar quatro meses mais tarde. O executivo também acabou trazendo a outra BP para o departamento de gestão de pessoas, para cuidar de treinamento e desenvolvimento, depois que a demanda de trabalho na área aumentou. “Foi um ano em que demos muita cabeçada, pois não sabíamos direito que assuntos a BP deveria resolver com os clientes. Além disso, houve sobreposição de tarefas com as áreas de especialistas”, diz o diretor, que até hoje busca um melhor modelo para a figura do business partner.
Ferreira não está sozinho. Lançado nos anos 1980 por Dave Ulrich, o conceito de business partner ainda causa confusão entre os profissionais de gestão de pessoas. Ainda não se sabe exatamente qual o melhor perfil de profissional para executar a função e, muitas vezes, qual exatamente o papel que deve ser desempenhado por esse profissional. Na mistura de conceitos, sobram achismos e discrepâncias.
A começar pelo salário do BP. A pesquisa da VOCÊ RH-Deloitte de 2015 revelou que a remuneração do consultor interno pode ir de 5 800 a 13 600 reais. “Tal discrepância ocorre principalmente porque existe uma grande diferença entre as responsabilidades e perfis dos business partners ao compararmos empresas de diferentes portes e setores”, diz Roberta Yoshida, diretora da área de consultoria e gestão de capital humano da Deloitte. “Ainda não existe um perfil referência no mercado, encontramos profissionais com pouco tempo de experiência em nível de analista, até diretores ocupando posições sob esse título com responsabilidades totalmente distintas.”
Na visão de Ulrich, o objetivo da função era bem simples: aproximar o departamento de recursos humanos das áreas de negócios. Quando bem executado, o modelo agregaria valor à companhia. Um levantamento feito no ano passado pela consultoria global de benchmarking CEB indicou que organizações com parceiros de negócios eficientes reportam um aumento de até 10% na receita e um acréscimo médio de 9% no lucro. Na prática, cada empresa segue o seu modelo.
Para o consultor Marco Ornellas, em meio à crise atual, é necessário discutir essa função e a do RH como um designer organizacional, que deve antecipar tendências e preparar o futuro. “Business partner é o profissional trabalhando na ponta e em linha com as estratégias, olhando para o presente e para o futuro, para dentro e para fora, interpretando e desenhando cenários e usando as ferramentas do design – empatia, colaboração e experimentação”, diz Ornellas, que realizou um workshop em dezembro de 2015 só para discutir o papel do consultor interno. “Sua função é coconstruir projetos e soluções que tenham valor para as pessoas, para o negócio e que sejam sustentáveis.”
O Bradesco é uma das grandes companhias que estão revendo o modelo do consultor interno. O banco não usava esse conceito na estrutura do RH, mas, ao adquirir o HSBC em agosto de 2015, incorporou também os parceiros de negócios e está treinando os funcionários do Bradesco para a função. Eles terão um papel fundamental na integração dos processos e equipes. A presença do consultor interno nas dependências do Bradesco, segundo Aparecida Russini, gerente de recursos humanos, deve estreitar o relacionamento com o negócio, “ampliando, de forma contínua, a relação de confiança”.
A expectativa é que os BPs agilizem as respostas aos funcionários, tornando mais rápidos os processos internos e reduzindo o tempo de integração entre as duas empresas. Os consultores internos também ajudarão a empresa a ter uma visão global da nova realidade. O Bradesco usou 100% de recursos internos, investindo no desenvolvimento de profissionais oriundos de diversas áreas do RH, com consultorias, palestras e workshops. “Esse investimento se traduz em resultados que, somados, melhoram a imagem da organização junto ao público interno e contribui para a melhoria do clima organizacional”, afirma Aparecida.
Generalista x Especialista
Uma das grandes discussões sobre o BP é o seu perfil ideal. Segundo Marcelo Nóbrega, diretor de RH do McDonald’s, onde o modelo de consultor interno existe há cinco anos, essa é uma das maiores dificuldades na definição de papéis. “Os BPs são generalistas que executam os processos dos especialistas dentro das áreas de negócios”, diz ele. “Muitas vezes, porém, a pessoa já era especialista e precisa virar generalista, além de migrar para um campo de atuação mais amplo, tendo de lidar com uma rede maior de pessoas.”
Com 650 restaurantes espalhados pelo Brasil, o McDonald’s conta com 20 pessoas de RH atuando em campo e fazendo o trabalho de BP. Eles interagem com os diretores de operações regionais e gerentes de mercado que supervisionam os diversos restaurantes. “O primeiro cliente do BP é o líder e o papel dele é fazer o ciclo funcionar. Assegurar feedback, metas, avaliação de desempenho, plano de desenvolvimento, sucessório, dentre outros, mas também ser um provocador e saber sentir o pulso da organização. O segundo cliente são as pessoas”, diz Marcelo. Para ele, a principal característica deve ser o protagonismo e a atitude. “Precisa saber criar agenda de pessoas para o negócio”, afirma. “Muita gente acha que entende de RH porque entende de pessoas, mas não é bem assim, há um arcabouço prático e conceitual que precisa ser levado em conta.”
Na Alcoa, o modelo já existe desde 2006 – e funciona muito bem. Ricardo Khauaja, diretor de RH da companhia, é um defensor do conceito. “Acho que esse modelo ajuda o RH das empresas a agregar valor ao negócio”, diz Khauaja. “Quando não há pessoas que conhecem o negócio em que se está inserido, fica-se muito preso no lado técnico dos assuntos da área. O conceito de BP é uma chance maior de o RH girar por si só.” Para ele, é fundamental que o consultor interno seja um generalista e que tenha competência para lidar com vários assuntos ao mesmo tempo, sem se aprofundar em um tema específico. “Tem gente que adora o desenvolvimento técnico, estudar, entender os temas. Esse não é o perfil do BP”, diz Khauaja. “Ele tem um pé no RH e um pé no negócio. É um meio de campo.”
A Alcoa mantém uma equipe de especialistas em assuntos específicos do RH, como remuneração, treinamento, benefícios. São profissionais que analisam os temas com profundidade técnica e ficam responsáveis por olhar para fora e trazer boas práticas e inovações. São esses especialistas que dão suporte e preparam os business partners nos vários temas da organização. “Já o suporte de processos transacionais é feito por uma terceira área, que complementa esse tripé”, diz Khauaja. Hoje, a empresa, que tem 3 800 funcionários, conta com 20 consultores internos, sendo cinco líderes, que se reportam às unidades de negócios e matricialmente ao diretor de RH.
O perfil ideal
Segundo especialistas, o trabalho e a função do business partner evoluíram nas últimas décadas em resposta ao aumento da preocupação dos CEOs em relação ao capital humano como fator determinante para o negócio. A função passou de uma atuação mais operacional a um trabalho mais direto com o negócio por meio de generalistas de RH nos anos 1990 e à criação e avanço da função do business partner. Atualmente, a maioria das empresas possui um BP (ou função equivalente) alocado em departamentos ou unidades de negócios, ou plantas, mas boa parte deles ainda se restringe a um mero tirador de pedidos, quando deveria oferecer suporte estratégico para os líderes. “Outro erro é considerar profissionais menos experientes que, em geral, acumulam atividades operacionais e não são reconhecidos como parceiros”, diz Roberta, da Deloitte.
Um estudo da CEB de 2007, revisado em 2013, descreve as competências de um bom BP, que consistem em quatro funções: parceiro estratégico, gerente de operações, resposta à emergência e mediador de funcionários. Dessas quatro, a função do parceiro estratégico é a que tem maior impacto nos resultados de talento e finanças. É também essa função que cria atividades importantes, como desenvolvimento de uma visão estratégica de talentos na unidade de negócio, avaliação das opções estratégicas e implicação para o RH, e representação dos interesses de talento da unidade de negócio dentro da empresa.
Os business partners bem-sucedidos na função de parceiro estratégico têm uma perspicácia empresarial, organizacional e em gestão de talentos mais aprimorada. Eles analisam os dados de talento e usam suas redes para alcançar melhores resultados. Mas essas quatro funções também explicam as dificuldades do cargo. Enquanto algumas atividades exigem respostas imediatas, e focadas no indivíduo, outras exigem visão de longo prazo e da empresa.
Nos últimos anos, segundo o estudo do CEB, a função viveu algumas mudanças. Uma delas foi a necessidade de colaborar mais com outros funcionários dentro e fora de suas unidades de negócios. A segunda maior mudança é a disponibilidade de dados de talento. Esses profissionais relatam que, aproximadamente, um terço de seu tempo é gasto trabalhando com dados, que permitem que se identifique com maior eficiência os desafios de talento e as soluções para o negócio.