Na era da polarização mundo afora entre defensores do politicamente corretos e a horda “antimimimi” não é incomum que as empresas não saibam exatamente em que medida devem considerar novas tendências que questionam e redefinem condutas de seus colaboradores. Afinal tudo isso é muito novo e as opiniões divergentes são voluntariadas sem cerimônia nas redes sociais.
O que no passado era tratado como uma brincadeira ou um flerte inofensivo, hoje está próximo da demonização. Nesse contexto, de um lado há os que abominam o que qualificam como injusta limitação do seu direito de brincar e se divertir no ambiente de trabalho e de outro há um número crescente de colaboradores eloquentes e conscientes dos efeitos terríveis que condutas que foram por décadas vistas como aceitáveis têm sobre as suas vítimas.
O mundo mudou e as novas demandas comportamentais são frutos dessa mudança. O que antes era brincadeira nas escolas, hoje é bullying, estudado mundo afora e tratado como algo a ser coibido a todo o custo. Há uma demanda geral por um respeito maior a diferenças e individualidades e uma crescente consciência a respeito da imperiosa necessidade de cuidar da saúde mental das pessoas e especificamente dos colaboradores em empresas. A adoção por vários países do direito à desconexão (right to disconnect) é um indicativo dessa preocupação.
Nesse ambiente de mudanças em velocidade acelerada., a resposta à pergunta que está no título vem do Superior Tribunal do Trabalho (“TST”), órgão máximo da hierarquia da justiça trabalhista. O TST leva o tema a sério a ponto de ter lançado uma cartilha intitulada “Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral – Pare e Repare – Por um ambiente de trabalho + positivo”. E, logo no início da cartilha, está a mensagem do presidente, da qual se destaca o seguinte trecho:
“(…) Em muitos casos, o que se busca não é apenas o pagamento de parcelas trabalhistas, mas a reparação de danos decorrentes da exposição a situações humilhantes ocorridas repetidamente no ambiente de trabalho e que levaram ao adoecimento físico e psíquico. Trata-se do assédio moral, um mal que contamina não só a vítima, mas toda a sua rede de relacionamento, o que inclui colegas, amigos e a própria família.”
Se havia alguma dúvida sobre se as empresas devem levar a sério ou não o tema dos assédios moral e sexual, ela está definitivamente afastada pela postura uníssona dos tribunais trabalhistas, liderados pelo TST. Não há dúvida que o assédio moral pode gerar problemas sérios e condenações relevantes para as empresas. Os casos se repetem e demandam por parte das empresas entender o que é e o que não é assédio e como transmitir para seus colaboradores os conhecimentos colhidos dos casos julgados por diversos tribunais.
Sem pretender de forma alguma esgotar o tema, algumas dicas podem ser destacadas, a partir de decisões proferidas pelos Tribunais trabalhistas que orientam conclusões sobre o tema:
- “O assédio moral se caracteriza, visivelmente, através da prática de condutas repetitivas e prolongadas, de conteúdo ofensivo e/ou humilhante, tendo como finalidade a exclusão da vítima do ambiente.”[1]
- “(…) evidente o abuso praticado pelo réu, por meio de seu gerente, ao faltar com urbanidade no tratamento com a autora, bem como demonstrada a perseguição a que esteve submetida em virtude de não aceitar as investidas do gerente”.[2]
- “Embora não me pareça, em princípio, que cobranças por metas violem direitos morais, a forma como eram exigidas tais metas é que configuram o assédio moral. As ameaças de despedida e a pressão para que a testemunha realizasse, ainda que a contragosto, o mesmo tipo de pressão psicológica sobre os vendedores a ele subordinados são fatores que desestabilizam emocionalmente toda a equipe, acarretando a exposição do vendedor a situação vexatória.”[3]
- “As frequentes e inoportunas investidas do Superintendente contra a autora, ultrapassam o mero galanteio ou a simples admiração pela vítima e se caracterizam como assédio na busca de consentimento sexual por parte da vítima, mesmo sendo insistentemente repelidas, sempre de maneira tímida, diante do temor que causavam à empregada de ser prejudicada no trabalho, sua fonte de subsistência.”[4]
Portanto, não pode haver dúvida quanto à seriedade do tema assédio moral e sexual e possíveis consequências negativas decorrentes da tendência a desqualificar o tema ou da relutância em treinar e disciplinar os colaboradores que agirem de forma a colocar a empresa em risco de ações individuais ou coletivas postulando indenização decorrente de situações de assédio.
Dos poucos trechos retirados de decisões recentes mencionados acima, retira-se que condutas de conteúdo ofensivo ou humilhante, mesmo que em busca de melhor desempenho do colaborador e da empresa são ilegais e expõem a empresa ao pagamento de indenizações. Embora o caso isolado geralmente não caracteriza o assédio moral, a melhor política é a de tolerância zero para evitar a normalização do comportamento.
Na esfera do assédio sexual, que tem contornos de maior gravidade e causa mais danos reputacionais e monetários, a atitude a desestimular é aquela que pode sugerir quid pro quo entre superior hierárquico e subordinado envolvendo encontros amorosos ou contatos físicos não claramente consensuais.
Em poucas palavras, o assédio moral se dá em situações humilhantes, constrangedoras ou qualquer outra que cause violência psicológica; de forma sistemática e frequente; durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções; desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização.
O assédio sexual, por sua vez, envolve comportamento de conotação sexual; normalmente reiterado, apesar de rechaçado; envolvendo uma relação de poder (hierarquia ou capacidade de influir) com base na qual pode haver promessa de recompensa (promoção ou outras) e/ou ameaça de demissão ou outra retaliação.
Independentemente das convicções íntimas que se pode ter a respeito da evolução dos conceitos de assédio e da sua punição, não se pode negar que os conceitos estão razoavelmente claros e os tribunais equipados para aplicá-los e prontos para punir empresas que tolerem situações de assédio. Portanto, deixar de entender os conceitos e treinar os colaboradores não é uma opção aceitável.
[1] Trecho de decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região – RJ
[2] Trecho de decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região -SC
[3] Trecho de decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região – RS
[4] Trecho de decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região – RS
Assédio sexual foi tema da matéria de capa da VOCÊ S/A
Dados de uma pesquisa feita pela Talenses, consultoria de recrutamento executivo, com 3 215 entrevistados e com exclusividade para VOCÊ S/A, revelam que 34% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio sexual no ambiente de trabalho. Entre os homens o número alcança 12%.