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Os RHs não percebem a injustiça contra as mulheres

Os próprios líderes de gestão de pessoas alimentam preconceitos contra as profissionais

Por Tatiana Sendin
Atualizado em 5 dez 2020, 19h14 - Publicado em 26 fev 2016, 09h05

Executivos de recursos humanos são vistos no mercado como defensores da equidade de gêneros. Lutam para ter pelo menos uma mulher entre os candidatos a uma vaga e se negam a manter políticas salariais ou recompensas que subvertam o “sexo frágil”. Mas Angela Christina Lucas, professora de gestão de pessoas e comportamento organizacional no Centro Universitário FEI, identificou que eles também mantêm preconceito contra as profissionais. A investigação foi tema de sua tese de doutorado apresentada à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo intitulada Justiça Organizacional de Gênero nas Empresas: Os Sentidos Atribuídos pelos Profissionais de Recursos Humanos. Angela contou em primeira mão à VOCÊ RH os resultados desse estudo, finalizado em 2015.

Como foi o processo da pesquisa?

 Convidei cerca de 50 pessoas para participar do levantamento, mas apenas 26 concordaram. A maior parte eram mulheres, que queriam dividir sua experiência de vida. Os poucos homens que aceitaram se mostravam interessados em entender o assunto. Eram profissionais de recursos humanos com mais de dez anos de experiência e de diversos setores de atuação, de empresas consideradas com boas práticas de gestão de pessoas. Também era necessário ter trabalhado na área de RH em pelo menos duas companhias diferentes. Uma das descobertas foi que, inicialmente, todos afirmavam haver, sim, justiça nas questões de gênero. Mas, ao avançar nos relatos, percebiam o contrário. Para alguns, a ficha caiu até três meses depois, quando entraram em contato comigo afirmando que mudariam as respostas se a entrevista fosse hoje.

O perfil do profissional influenciava essa percepção?

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Os anos de experiência ou se atuou em áreas de negócios pouco influenciavam. A maior diferença era entre homens e mulheres. Elas contavam histórias da própria carreira em que haviam sido discriminadas. Os homens não passaram por isso. Os profissionais mais velhos pareciam mais conservadores. Aqueles que não percebiam preconceito na organização demonstravam, nas próprias frases, que eram machistas — e também não se davam conta disso. Esses acreditavam mesmo que a mulher tem o dom materno e que tem de ficar em casa cuidando dos filhos. Quando algum gestor repetir isso, esse RH achará normal.

Algumas pessoas não acreditam nessa diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Isso também vale para os RHs?

As companhias com gestão de pessoas estruturada mantêm políticas bem definidas de remuneração. É difícil encontrar duas pessoas exatamente no mesmo cargo com salários diferentes. O que pode acontecer é que a mulher é contratada no início da faixa salarial, o homem, no final. Existe uma perspectiva de a empresa estar dando uma chance para ela provar que é boa, e assim aumentar a remuneração. Os homens são mais duros na negociação e já entram no patamar superior. Oura coisa é a questão da maternidade, que acaba com o salário da profissional. Ela fica dois anos, para cada gravidez, sem ser promovida ou ter um aumento. Isso não está escrito, ninguém fala, mas é uma regra tácita. Se a mulher tem filho pequeno, nem perguntam se ela quer ser transferida para outro país. Os contratos de expatriação só consideram benefícios e apoio para as esposas que acompanham os executivos. E, se uma mulher for expatriada, o que o marido ganha? As empresas partem do princípio que isso não acontece.

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Como são vistas as mulheres que lutam por isso, que são mais duras nas negociações?

As profissionais consideradas “masculinas”, seja no modo de vestir ou agir, são malvistas, inclusive pelos profissionais de RH — sem perceber. Para eles, a mulher não pode se masculinizar; ela tem de trazer a doçura, o perfume e as cores para o ambiente. Como se a mulher fosse uma samambaia. Desde Adão e Eva, a mulher é considerada um complemento do homem. Nas organizações, é a mesma forma. Quando a profissional é masculinizada, acham que ela está forçando a barra para ser assim, para ser o que não é. Mas e se for o jeito dela mesmo? Da mesma forma que temos homens mais sensíveis, que são até vangloriados nas corporações, podemos ter mulheres mais duras. Julgar a mulher como um complemento é uma injustiça. É uma forma de enxergá-la como um objeto. 

Que indicadores os RHs poderiam olhar para identificar essas injustiças? 

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Esse é um dos dilemas de recursos humanos. Se o profissional de RH força a contratação de uma mulher, aquele chefe que é mais machista fará da vida da funcionária um inferno. No fim, ela vai embora e o gestor fala para o RH: “Viu? Eu falei que mulher não dava conta”. Não chegou a ser um caso de assédio, não aparece nas pesquisas nem nas estatísticas. Às vezes, nem a mulher nem o homem estão conscientes do que houve. Mas é uma discriminação velada, presente no dia a dia.

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