Em janeiro deste ano, uma concessionária de telefonia foi condenada a indenizar uma empregada terceirizada chamada de burra, ignorante e preguiçosa por um supervisor que chegava a bater em sua mesa com um chicote. A conduta abusiva foi confirmada por uma testemunha que exercia as mesmas funções e, com isso, a ex-funcionária receberá 5 000 reais de indenização.
Caso encerrado. Mas, se o Projeto de Lei no 4.742, de 2001, que tramita na Câmara há 16 anos e está na pauta para ser votado nos próximos dias for aprovado, a dinâmica muda. Além de a companhia ser responsabilizada civilmente, o agressor também pode sofrer um processo penal, com punição de
até um ano de prisão.
O texto define como crime o assédio moral — ou, nos termos técnicos, “a depreciação reiterada da imagem ou do desempenho de um trabalhador”, inclusive um servidor público, por alguém com um vínculo hierárquico funcional.
O que não faltam são exemplos desses abusos. A cada 55 horas, a Controladoria-Geral da União abre um processo de assédio moral a trabalhadores. Em setembro deste ano, a Arcos Dourados, operadora da marca McDonald’s no Brasil, foi condenada a indenizar em 40 000 reais (valor depois reajustado em 7 500) um ex-funcionário que era xingado e chegou a levar socos e tapas do antigo chefe.
Em nota, a organização disse que “não tolera nenhuma forma de discriminação ou assédio” e que todos os seus trabalhadores “recebem treinamentos do Código de Conduta nos quais são instruídos a agir de maneira responsável e respeitando as regras da companhia”.
Caso mais grave aconteceu no banco Itaú. Após relatos de humilhação e intimidações, a Justiça do Trabalho da Bahia condenou a instituição a pagar 1 000 000 de reais ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, depois de uma ação movida pelo Ministério Público do Trabalho comprovar a prática de assédio moral cometida pelo gerente de uma das agências em Vitória da Conquista.
A empresa se defendeu afirmando que “não compactua com o comportamento do acusado” e que os fatos narrados “foram apurados pelo ombudsman na época, com aplicação de medidas cabíveis”. O assediador, no entanto, continuou em seu cargo, mesmo depois de os funcionários provarem que registravam queixas desde 2011, sem receber respostas ou providências do banco. Para o MPT, o Itaú não investigou nem puniu o agressor, que passou a perseguir quem prestava depoimento como testemunha.
Para a advogada especialista em direito do trabalho com pós-graduação em gestão de pessoas e compliance trabalhista, Juliana dos Santos, uma maior punição para quem cometeu o assédio moral pode inclusive ajudar as vítimas na sua recuperação. “Os profissionais assediados não se sentem reparados, porque o assediador fica impune e, em muitos casos, ocupando o mesmo cargo”, diz. Mas, mesmo com a inclusão do assédio moral no código penal, a corporação continua responsável na esfera civil e ainda deve responder à Justiça do Trabalho. Com a nova lei, “a responsabilidade objetiva da empresa permanece, mas nasce a possibilidade de imputar a conduta criminosa diretamente ao agressor”, afirma Juliana.
Apesar de ser um avanço positivo, o PL 4.742 está longe de ser a solução ideal. “O projeto tem uma série de problemas na construção e a pena é muito pequena pelo dano que isso pode causar à vítima, mas é certo dizer que teria um caráter pedagógico, como aconteceu com a lei do cinto de segurança, por exemplo”, diz Claudionor Barbiero, professor de direito trabalhista na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Nenhuma organização está livre de passar por uma situação como essa, principalmente as grandes, por ser mais difícil fiscalizar. Para se proteger, elas criam canais de denúncia anônima, contratam um líder de compliance e espalham o código de conduta por todos os cantos.
Contudo, se a nova regra for aprovada, haverá um motivo extra para a área de recursos humanos se preocupar com o assédio moral. “Se um crime é cometido em um negócio e um superior é informado e não faz nada, ele pode responder como cúmplice ou coparticipante do delito”, diz Ivanira Pancheri, advogada da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo e pós-doutoranda em direito penal na Universidade de São Paulo, especializada em assédio moral.
Segundo a especialista, a companhia, como pessoa jurídica, não pode ser responsabilizada em processo criminal. Ivanira cita o exemplo da Odebrecht, implicada na Operação Lava-Jato: “O dono da empresa foi preso, outros funcionários foram presos, mas a empresa não fechou”. “Agora, se for comprovado que o profissional de RH recebeu e menosprezou a denúncia do funcionário, aquele que optou por não fazer nada também pode ser levado para o banco dos réus”, afirma.
O líder de recursos humanos ganhou mais uma razão para falar sobre normas e condutas corporativas.