Como se manter relevante após encerrar a carreira de executivo
Em novo livro, Flavia Perez e Maristela Gorayb apresentam os caminhos para quem deixou o crachá mas deseja continuar no mercado. Confira um trecho da obra.

O pós-carreira deve ser encarado como escrever um novo capítulo da sua vida profissional, e não que tudo acabou e que ficaremos em casa ‘de chinelo e pijamão’. Somos feitos para pensar, criar e produzir.” O depoimento de Deives Rezende Filho, fundador da Condurú Consultoria, define bem o que é o cerne da obra de Flavia Perez e Maristela Gorayb. É possível manter-se ativo profissionalmente quando a trajetória como executivo se encerra. Há vida depois que bater cartão na empresa deixa de fazer sentido. O próprio Deives se tornou integrante da lista Forbes 50+, de executivos que se reinventaram e criaram empresas de sucesso já na maturidade.
Como aponta Marcus Eduardo Ferreira na apresentação do livro, A Primeira Segunda-Feira Após Sua Carreira Executiva é um bom guia para aqueles que desejam enfrentar essa nova fase com segurança e entusiasmo. A obra apresenta histórias reais que demonstram como é possível fazer uma transição cheia de propósito quando parece que o único caminho é a porta da aposentadoria. Uma transformação que pode ser oportunidade para redescobrir paixões e alinhar experiências acumuladas a novas atividades.
Marcus Eduardo, o autor do prefácio, é um bom exemplo. CEO no Brasil e na América do Sul da Mapfre Seguros por 15 anos, aos 56 deu seu salto para o “pós-carreira”. Tornou-se investidor-anjo, especialista justamente em longevidade e mercado securitário. É cofundador da Silver Hub, aceleradora de startups no mercado da longevidade, e do Homens de Prata, um projeto que nasceu com o intuito de conectar pessoas maduras que continuam fazendo a diferença em seus ramos de atuação – ou em novos e estimulantes desafios.
TRECHO DO LIVRO
Capítulo 1: Quem você quer se tornar
Em uma pesquisa que fizemos em nossos perfis do LinkedIn sobre a preparação para o pós-carreira, deixamos a seguinte pergunta para os leitores: “Você tem uma visão de futuro para seu pós-carreira e sabe o que vai fazer depois da sua vida executiva?”.
Entre as possibilidades de resposta, algumas delas eram: “Sei exatamente o que quero” e “Penso em algumas possibilidades”. Apesar de essas opções terem recebido um grande número de votos dos 91 respondentes, totalizando 73% das respostas, os outros 27% estavam nas seguintes afirmações: “Penso, mas não faço ideia” e “Nunca parei para pensar nisso”. Somado a isso, considere que falamos sobre esse assunto há pelo menos dez anos, e o nosso público pode, sim, ser considerado qualificado em relação ao tema.
Por que tantas pessoas não fazem ideia do que fazer após a carreira?
Costumamos falar que a carreira está acima da posição executiva, seja ela qual for, mas que, além de tudo isso, sua carreira executiva é como uma casa alugada cujo espaço é apenas ocupado por você. Imagine só: você mora em uma casa há anos. Escolheu as cores das paredes e os móveis que estão ali dentro. Cuidou, zelou e decidiu cada detalhe deste lar doce lar. Ali dentro, viveu momentos de alegria e tristeza. Enfrentou tempestades e calmarias, dias de sol e de inverno.
Entretanto, assim como nada na vida é permanente, chega um momento em que é preciso deixar essa casa. E se não tiver para onde ir? Você ficará ao relento? Lembre-se: o terreno no qual você havia construído a sua casa era arren-
dado. Existia uma data de finalização do contrato e, mesmo que você não queira, precisará sair e deixar aquilo que construiu com tanto carinho e dedicação.
Porém, se você sabe que precisará sair e deixar aquela casa em algum momento da vida, por que não construir uma nova casa para a qual você se mudará no futuro? Este será o seu novo lar, e assim é também o processo de construção do pós-carreira.
O fato é que o nosso emprego, seja ele na modalidade CLT, por concurso público ou até mesmo uma carreira executiva consolidada com cargos mais altos, vai acabar em algum momento. Assim como temos certeza das inevitabilidades da vida, a carreira executiva chegará ao fim. O que você construiu ao longo dos anos, ou a sua “casa”, como vimos, precisará ser liberada para que novas pessoas a ocupem. Depois desse momento, você precisará ter muito certo para onde vai e qual será o seu novo lar, pois é para lá que você seguirá após esse fechamento de ciclo.
Mas, em meio a tudo isso, as perguntas que ficam são: quais são as consequências da falta de preparo para essa nova jornada? Por que isso acontece? Por que tantas pessoas sequer pensam no pós-carreira?
Entre medos, frustrações e piloto automático
Luciano Santos, ex-executivo do Google e da Meta, mentor de carreira e autor do best-seller Seja Egoísta com Sua Carreira, comenta em seu livro que um dos grandes insights que teve ao longo dos anos foi que “o ambiente de trabalho é um lugar de muito, muito sofrimento”. E completa: “As pessoas pensam muito pouco em si mesmas quando o assunto é se preparar, planejar, tomar decisões e agir em benefício da própria carreira. […] A falta de orientação sobre como gerenciar a própria carreira pode ter um custo muito alto para nosso futuro profissional e, acredite, para a nossa felicidade”.
Tomamos a liberdade de acrescentar algo: essa falta de orientações e planejamento vai além da carreira e passa pelo fato de que precisamos pensar também no que virá depois desse período. Ao não fazer isso, os danos podem ser irreparáveis.
Segundo um artigo publicado com o objetivo de analisar os desafios vividos pelas pessoas no período da aposentadoria, observou-se que, pela aposentadoria representar uma fase em que grandes mudanças acontecem e pode se instalar um sentimento de vazio muito grande, é possível estar mais suscetível à depressão nessa nova fase. Justamente por isso, como resultado do estudo, foi possível concluir que cuidar da saúde mental é fundamental para que esse período tenha mais propósito e traga mais realização.
Não à toa, muitos querem ingressar no pós-carreira e continuar trabalhando, assim, teríamos um antídoto para esse sentimento. Segundo outra pesquisa feita pelo Bank of America Merrill Lynch em 2014, 72% dos entrevistados com mais de 50 anos disseram que tinham vontade de continuar trabalhando após a aposentadoria. Isso acontece principalmente por esse sentimento de vazio e medo sobre o qual falamos anteriormente.
Apesar de contraintuitivo, segundo a mesma pesquisa, foi possível perceber que aqueles que possuíam condições financeiras mais tranquilas eram maioria em relação aos que continuavam no mercado. Desses, 80% afirmaram que faziam isso porque gostavam, e não porque eram obrigados.
E se você ficou preocupado porque os dados são norte-americanos, vejamos alguns nacionais. O Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) realizou um estudo em 2019 para entender como os brasileiros estavam se preparando financeiramente em relação aos próximos passos da carreira. O resultado foi devastador: 59% afirmaram que não estão se preparando e não estão preocupados com essa fase da vida. Todos irão passar por isso, mas a grande maioria ignora.
Indo além dos estudos e das pesquisas, o que percebemos é: existem três situações mais comuns que refletem a falta de preparo para o pós-carreira. São elas: (1) as pessoas deixam de planejar porque acham que o futuro é incerto e que por isso não vale a pena investir tempo com algo que não se sabe como será; (2) muitas vezes, até sabem mais ou menos o que querem, mas não fazem ideia de como começar; (3) por fim, existem também aquelas que sabem que o fim da carreira chegará, mas por falta de coragem ou estrutura não fazem absolutamente nada para planejar este momento ou se preparar para ele.
É muito frequente também conectarmos a identidade profissional com a identidade pessoal, o que acaba gerando um sentimento de baixa autoestima e incapacidade. À medida que o tempo passa, o medo vai aumentando: medo de não se adaptarem, medo de perderem o padrão de vida, poder e status que conquistaram ao longo dos anos, medo do que será do futuro, medo da falta de reconhecimento, da incapacidade de aprender, da diferença do estilo de vida e do fracasso. São tantos medos que poderíamos falar em mais alguns parágrafos sobre esse assunto.
E não pense que ficamos imunes ao medo. Quando passamos por esse processo, ele estava ali. Mas seguimos com medo mesmo, porque o pote do ouro do lado do arco-íris valia a pena. Se não tivéssemos feito isso, provavelmente nem estaríamos juntas nesta jornada. Não podemos prever todos os impactos, mas a verdade é que sabemos o que
acontece, pois atendemos centenas de clientes com desafios em suas carreiras: a falta de planejamento gera consequências na saúde mental e nas relações pessoais. Isso sem contar as consequências financeiras.
Existe, dentro da maioria de nós, uma cegueira inconsciente em relação ao pós-carreira. Entre os fatores que causam essa cegueira, um deles diz respeito a entrarmos no piloto automático e ficarmos apenas correndo entre uma meta e outra ao cumprir a agenda da empresa, sem refletirmos sobre as nossas metas de vida e o que queremos para o fu-
turo. Além disso, assim como vimos no caso contado pela Mari, existe também uma falta de leitura de contexto que induz a ignorar sinais de mudança que estão ali, mas ainda assim a preparação não é feita.
É como se as pessoas vivessem aprisionadas como pássaros em gaiolas. Algumas são confortáveis: a comida é boa e chega sempre, a gaiola está sempre limpa e com água fresca, o ambiente ao redor é agradável e todo dia vem alguém ouvir você cantar. Outras gaiolas são desconfortáveis: não são limpas, não recebem alimento suficiente, o espaço é pequeno, ficam na escuridão e próximas a tanto barulho que ninguém consegue ouvir o seu canto. Isso quando você tem força para cantar. Em ambos os casos, o voo está limitado e não há evolução. Até porque, enquanto a porta da gaiola não for aberta, independentemente de qual seja o contexto, não há espaço para a mudança.
Você está preparado para abrir a porta da sua gaiola?
Este texto é parte da edição 97 da Você RH. Clique aqui para conferir outros conteúdos da revista impressa.