Nas empresas, pequenas transgressões éticas antecipam grandes problemas
Desvios de conduta e fraudes não começam de forma escancarada. O segredo para evitá-los está em identificar padrões de comportamento suspeitos.

É comum pensar que grandes problemas surgem de grandes erros. Mas, na prática, não é assim que funciona. O desvio de conduta, a quebra da ética e até as fraudes dentro de empresas não começam de forma escancarada. Começam no detalhe. Em pequenas escolhas, aparentemente inofensivas, que vão gradualmente moldando a forma como as pessoas enxergam o certo e o errado.
O problema é que nem todo mundo percebe esses sinais a tempo.
O que é uma pequena transgressão? Usar o tempo da empresa para fazer atividades pessoais, por exemplo. Ou utilizar um recurso corporativo sem autorização – como uma impressora, um veículo, um espaço – para algo que não tem relação com o trabalho. A procrastinação constante também é um alerta.
Parece banal, mas não é. Porque, por trás desses comportamentos, existe uma lógica de racionalização, de encontrar justificativas para fazer o que não deveria ser feito.
Pistas em processos seletivos
Recentemente, apliquei um teste de integridade em candidatos a um programa de trainee de uma grande empresa. Uma das perguntas trazia exatamente esse dilema: você daria uma segunda chance para alguém que desviou recursos da companhia?
A resposta de um dos participantes me marcou: “tudo depende da necessidade da pessoa”. Ou seja, o candidato não estava avaliando o desvio em si, mas as circunstâncias que, na visão dele, poderiam ou não legitimar aquele comportamento.
Esse participante, apesar do sinal de alerta, foi contratado. Seis meses depois, algumas de suas atitudes começaram a chamar atenção. Era sempre o último a sair da empresa. A princípio, parecia alguém extremamente dedicado. Mas não era bem isso. Atrasava suas entregas de propósito, justamente para ter uma desculpa para ficar além do horário.
O motivo ficou claro quando o RH percebeu um aumento incomum no consumo de papel e cartuchos de impressora. Ao checar as câmeras de segurança, descobriram que ele imprimia apostilas para vender na faculdade. Materiais para 30 ou 40 colegas, custeados pela empresa.
Quando questionado, o funcionário demonstrou a mesma racionalização que havia mostrado no teste, meses atrás. “O que são 300 folhas para uma empresa desse tamanho? Isso não faz falta. Além disso, o que eu ganho aqui não é suficiente para pagar meus estudos.”
Nessa fala, fica nítida uma distorção ética: a ideia de que é aceitável tirar do outro – no caso, da empresa – para suprir aquilo que considera necessário para si mesmo. O problema é: quem faz esse tipo de escolha não percebe, muitas vezes, que está caminhando numa linha muito tênue, onde pequenos atos abrem espaço para desvios maiores e mais complexos.
O mais grave é que, na maioria das vezes, quem age assim não enxerga o próprio erro. Avalia o impacto e o tamanho do prejuízo, em vez da natureza da atitude. Se é pouco, se não dói no bolso da empresa, então não existe problema.
Como prever desvios de conduta
E como se antecipa esse tipo de risco? Identificando padrões de comportamento. Testes de integridade, por exemplo, não servem necessariamente para julgar alguém, mas para entender como uma pessoa raciocina diante de dilemas éticos. Porque isso vai determinar suas escolhas no ambiente de trabalho.
É um erro achar que ética é uma competência que se adquire só com experiência profissional. Ela se constrói muito antes, na família, nos grupos que frequentamos, nas experiências que acumulamos ao longo da vida. E ela se revela nos detalhes, nos pequenos dilemas do dia a dia.
Por isso, mais do que olhar para grandes escândalos, o mundo corporativo precisa aprender a enxergar os sinais mais sutis. Porque é nas pequenas transgressões que, muitas vezes, começam os grandes problemas. Cada decisão que tomamos – seja no ambiente profissional, seja na vida pessoal – nos aproxima ou nos afasta da integridade.