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Luciana Rovegno

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Coach executiva, membra do Comitê de Ética da ICF (Brasil), mediadora e mestre em educação de adultos.

“Não dê chilique”, “você é surda?”… O impacto do feedback desastrado

Comentários desrespeitosos e a partir de um julgamento particular provocam respostas emocionais negativas no colaborador. Saiba como evitar.

Por Luciana Rovegno, colunista da VOCÊ RH
Atualizado em 12 Maio 2025, 15h43 - Publicado em 12 Maio 2025, 15h40
Ilustração de uma impressora gritando com uma funcionária com papéis voando.
 (primo-piano/Getty Images)
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Recentemente, durante uma hospedagem em um hotel bacana no litoral paulista, ao caminhar para a praia ouvi um trabalhador, que estava ocupado montando uma estrutura para algum evento, dizer para o colega algo como “pode dizer o que precisa fazer, que vamos nos entendendo e acomodando para dar tudo certo”. Pensei que aquele era um jeito cuidadoso de dar feedback, na verdade, um feedforward, pois a ênfase estava na visão de um futuro preferido. Tudo certo, até que, infelizmente, esse mesmo trabalhador complementou com algo parecido com “não precisa dar chilique e ir passando por cima de todo mundo, né?”.

Essa mudança repentina no tom da conversa me causou um certo desalento. O trabalhador havia começado bem, mas, de repente, introduziu um julgamento em sua fala: “dar chilique” e “passar por cima de todo mundo”.

Um julgamento é um pensamento que tenho sobre um fato que observo. Pessoas diferentes podem observar o mesmo fato e ter pensamentos divergentes sobre as mesmas observações. Afinal, o que é um chilique? Como qualquer um de nós pode nomear o comportamento de outra pessoa qualificando-o de chilique?

Começou a passar um filme na minha cabeça de vários momentos em que algum gestor errou a mão (comigo ou com clientes meus) e não foi respeitoso nem tampouco eficaz. Desde “você é surda, minha filha?” (espero que hoje em dia um comportamento desses mereça um passe direto para o RH portando a carteira de trabalho, independente do cargo de quem, em pleno 2025, ainda acredita que pode falar assim com qualquer colaborador) passando por toda sorte de julgamento: “pouca autonomia”, “baixo comprometimento”, “não joga com o time” etc.

Julgamentos ruins que provocam respostas emocionais

Você consegue se lembrar de algum suposto feedback que tenha recebido e que se pareça com algum desses exemplos? Em caso afirmativo, o significado que “pouca autonomia”, “baixo comprometimento”, “não joga com o time” tinham para seu(sua) gestor(a) era óbvio para você?

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Sempre me lembro de uma provocação do professor Luís Gaj da FEA USP, numa aula para nossa turma de Administração no primeiro ano na faculdade (lá se vão 34 anos): o óbvio precisava ser dito e boa parte do nosso trabalho como administradores seria administrar aquilo que nos parecia óbvio, mas que não era assim para todos.

É possível que aquele trabalhador no hotel à beira-mar tenha considerado “óbvio” que seu colega tenha “dado chilique”. Mas, ao usar essa expressão, em vez de descrever os fatos, o comportamento observável, ele cravou um julgamento e, ao fazer isso, que resultado alcança? Se o colega em questão é como a maioria de nós, possivelmente apresentará uma resposta emocional ao julgamento (vergonha, medo, raiva) e, dessa forma, a amígdala cerebral vai acionar mecanismos para preparar o indivíduo para luta, fuga ou congelamento. Em qualquer dessas hipóteses, temos um cenário pouco favorável à escuta e à aprendizagem.

Nosso ponto de vista não é uma verdade absoluta

“Não há fatos, apenas interpretações”, como defendia Nietzsche. Em outras palavras, observar não é uma ação passiva, mas sim um esforço ativo de desvendar e atribuir sentido ao que presenciamos. Ao observar, partimos do observador que somos: onde nascemos, nosso gênero, nossa raça, nossa classe social, como fomos educados, com quem convivemos, quais nossas influências, que experiências tivemos ao longo da vida, todos esses fatores moldam nosso olhar, muitas vezes levando-nos a acreditar que nossa percepção é “a verdade”. Se tivermos humildade e entendermos que nosso ponto de vista é apenas a vista a partir do nosso ponto de observação e tivermos curiosidade para explorar outros pontos de vista e, assim, expandir nossa compreensão, poderemos ampliar nossa capacidade de aprender e de influenciar. Por isso é importante cultivar a curiosidade, competência que o relatório 2025 sobre o futuro do trabalho do World Economic Forum listou como a sexta entre as dez mais importantes até 2030.

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Recentemente, numa sessão de coaching, um cliente estava incomodado com o feedback recebido. O ponto que a gestora enfatizou era do compromisso, ou melhor, da falta dele. Segundo a gestora, o meu cliente não apresentava comportamento compatível com a expectativa dela para alguém comprometido com seu trabalho. Talvez você tenha imaginado que o cliente chegava tarde às reuniões, ou não se preparava bem, ou não entregava o que era solicitado. Pelo menos é isso que eu, pessoalmente, associo à “falta de comprometimento”. Mas não era esse o caso. O incômodo da gestora tinha a ver com o fato de o cliente apresentar o que ela chamou (julgamento) de low profile, algo como “perfil discreto” em português. E, de fato, o cliente fala pouco, só quando entende que tem algo a acrescentar, cuida para não intimidar os outros e dá amplo espaço para debate de ideias.

Eu imagino que o objetivo da gestora era provocar o cliente para que se posicionasse com mais frequência e fizesse seu ponto de vista ser conhecido (tudo inferência minha, portanto, julgamento meu), pois a cultura da organização privilegia um perfil mais extrovertido, por assim dizer. O efeito? O cliente entrou na sessão frustrado. Sua percepção era de estar inadequado para aquele ambiente. Chegou a refletir se a organização seria o melhor lugar para ele. Ou seja, muito provavelmente, o efeito oposto ao que a gestora estava buscando ao dar o feedback ineficaz.

A empatia é fator de aprendizagem

No relatório do World Economic Forum 2025, citado acima, a competência “liderança e influência social” também aparece entre as dez mais importantes, em sétimo lugar. A estratégia de ser curioso(a) e buscar compreender o ponto de vista do(a) outro(a) de forma a apoiar a aprendizagem e evolução dele(a) é mais eficaz (sem falar que também é mais humana e respeitosa) e fomenta uma cultura de aprendizagem.

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Agora volte ao seu exemplo pessoal de feedback impreciso e com julgamento (talvez algo como “pouca garra”, “falta de foco”, “sem senso de dono” etc.). Imagine que, em vez de trazer uma dessas expressões carregadas de possíveis significados diferentes dependendo da experiência de cada um, seu(sua) gestor(a) tivesse apenas descrito a situação (ou situações, caso fosse uma questão recorrente) para você como ele(a) a observou. Apenas fatos, verbos de ação. Sem adjetivos, sem qualificar, sem julgar. E tivesse mostrado curiosidade e perguntado sobre a sua perspectiva. Como você teria se sentido? O que essa oportunidade de expressar sua experiência teria possibilitado?

Ao lembrar alguns momentos de minha carreira em que recebi feedback desastrado e imaginar o que teria sido possível se meu(minha) gestor(a) tivesse tido outra abordagem, mais curiosa, menos julgadora, não posso deixar de pensar que até momentos infelizes de nossa história podem trazer oportunidades: talvez eu não estivesse hoje fazendo o que amo, pois poderia ter demorado a perceber (ou talvez nem tivesse percebido) que poderia continuar me desenvolvendo e me desafiando em outros lugares.

Afinal, se queremos aprender e crescer, talvez a melhor pergunta a se fazer seja: estamos investindo energia no lugar certo?

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