O que a parentalidade ensina sobre liderança
Número de profissionais que associam as habilidades com filhos às de gestores aumentou de 15% para 48%. Um caminho que o RH pode explorar.

Voltar da licença após o nascimento da minha terceira filha, a Lara, tem sido uma experiência tão intensa quanto transformadora. A chegada de um novo bebê reorganiza tudo: a rotina, as prioridades, o corpo e a percepção de mundo. Mas, talvez, o que mais me impressiona seja como, a cada nova vivência de cuidado, se revelam camadas ainda mais profundas de habilidades que não cabem apenas no campo afetivo — elas transbordam para o universo profissional.
É por isso que, mais do que nunca, acredito que a parentalidade é um poderoso laboratório de desenvolvimento humano. Não se trata de romantizar os desafios, mas de reconhecer que criar uma criança exige um repertório sofisticado de competências: saber escutar, improvisar, priorizar e se colocar no lugar do outro.
Soft skills em gestação
A pesquisa “Radar da Parentalidade”, desenvolvida em 2024 pela Filhos no Currículo, em parceria com o Movimento Mulher 360 e o Talenses Group, escutou mais de 800 profissionais com filhos e confirmou essa percepção. Isso porque as habilidades mais desenvolvidas com a parentalidade citadas pelos entrevistados foram paciência, empatia, tolerância, priorização e criatividade.
Nessa pesquisa, um dado em especial merece atenção: em levantamento anterior de 2020, apenas 15% dos respondentes se viam desenvolvendo a habilidade de liderança por meio da parentalidade. Em 2024, esse número saltou para 48%. A leitura é clara: é cada vez mais perceptível que entre liderar um time e criar um filho há similares exigências — clareza de propósito, escuta ativa, tomada de decisão em ambientes complexos, gestão emocional diante da imprevisibilidade.
A liderança desenvolvida na parentalidade é muitas vezes silenciosa, mas profundamente estratégica. Mães e pais tomam decisões sob pressão, lidam com crises inesperadas, conduzem negociações diárias entre limites e afeto, desenvolvem escuta ativa, empatia, comunicação não violenta e presença. Tudo isso, sem cargo, sem crachá, sem reconhecimento formal. É uma liderança que se ancora na vulnerabilidade, como ensina a pesquisadora Brené Brown, no livro A Coragem para Liderar: Trabalho duro, conversas difíceis, corações plenos, e que se traduz em coragem, consistência e confiança. Não à toa, cada vez mais profissionais relatam que só depois da chegada dos filhos se sentiram, de fato, prontos para liderar.
Fica a dica para os RHs
Essa vivência, no entanto, ainda é invisível nos programas de formação de lideranças das empresas. Fica a pergunta: e se o RH reconhecesse esse campo de aprendizado como uma trilha legítima de desenvolvimento? E se, ao mapear talentos, considerasse também o que acontece fora das salas de reunião — nos quartos escuros das madrugadas em claro, onde tantas decisões complexas são tomadas com amor, responsabilidade e intuição?
Essa é uma provocação importante para o RH, que tem o papel de conectar essas experiências ao desenvolvimento profissional de forma intencional e estruturada. Como criar caminhos para que lideranças passem a acolher figuras parentais com consistência, em um ambiente no qual o apoio ao retorno de licença não dependa da sorte de ter um gestor sensível, mas de uma política clara e sustentável?
O desafio é coletivo, mas começa por um diagnóstico interno: quais são os processos da sua empresa para apoiar mães, pais e cuidadores? Como está estruturada a escuta ativa nas etapas mais críticas da jornada parental? E, principalmente, você sabe qual é o ponto de partida da sua organização quando o assunto é parentalidade no trabalho?
A verdade é que uma das mais potentes escolas de liderança não está em MBAs nem em workshops. Ela está nas mãos que embalam, organizam, negociam, sustentam e acolhem. Está no cotidiano de quem cuida — com presença, escuta e propósito. E, talvez, a maior revolução que o mundo corporativo possa fazer seja, justamente, aprender com quem já lidera todos os dias dentro de casa.