AI washing: os perigos de usar a inteligência artificial de fachada
Para embarcar no hype da tecnologia, empresas e profissionais estão exagerando seus conhecimentos e suas necessidades de modo arriscado e irresponsável.

Já sabemos que a inteligência artificial está no centro das conversas corporativas – e que provavelmente estamos vivenciando um caminho sem volta. De startups a gigantes do mercado, todos parecem usar IA. Mas por trás das buzzwords e do entusiasmo generalizado, há um movimento perigoso ganhando força: o AI washing.
Trata-se do ato de distorcer ou inflar o uso real de inteligência artificial em determinado contexto — seja em um produto, em uma solução corporativa ou na descrição de uma habilidade profissional. O termo já está no radar de órgãos reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, de autoridades canadenses e britânicas, que investigam empresas que utilizam a tecnologia como um chamariz enganoso para investidores, consumidores ou profissionais.
Na prática, o AI washing se traduz em currículos que destacam a tecnologia para funções que não envolvem algoritmos; empresas que chamam automações simples de IA proprietária; líderes de tecnologia que são pressionados a prometer soluções quase milagrosas; e descrições de vagas com promessas tecnológicas que não têm lastro no dia a dia da operação.
Por que devemos nos preocupar? Eis alguns dos riscos para os envolvidos nessa história:
- RH e recrutamento: o risco de contratar com base em palavras da moda, e não em competências reais, é altíssimo. Profissionais que apenas surfaram no hype da IA podem comprometer projetos críticos e a credibilidade da área de talentos.
- Empresas: reputações estão em jogo. Nos EUA e no Canadá, investidores e autoridades reguladoras estão questionando empresas que prometem soluções baseadas em IA sem evidência técnica que sustente essas alegações.
- Profissionais de tecnologia: a inflação de competências compromete o ecossistema como um todo. Quem realmente domina IA começa a se misturar com quem apenas adicionou “ChatGPT” ao perfil no LinkedIn. Isso gera ruído, frustração e desalinhamento interno.
Como identificar o AI washing?
Desconfie se uma organização afirma que sua IA resolve tudo, mas não tem um time qualificado de cientistas de dados, engenheiros de machine learning ou especialistas em operações de IA. Sem uma base técnica sólida, inflar expectativas pode ser arriscado e irresponsável – o que impacta diretamente a efetividade dos produtos e a confiança do mercado.
Também é preciso cuidado no nível individual. Termos como “IA generativa”, “automação cognitiva” e “machine learning” são frequentemente utilizados fora de contexto, como tentativas de embelezar currículos ou funções que, na prática, não exigem esse tipo de expertise.
Um curso introdutório de engenharia de prompt, que ensina a interagir com ferramentas como o ChatGPT, não transforma ninguém em engenheiro de IA. Mais do que nunca, é papel do RH e dos gestores técnicos separar o discurso do domínio real, com uma análise crítica e bem informada.
Trabalho em grupo
Enfrentar o AI washing exige ações práticas e coordenadas – é aí que RHs e líderes técnicos precisam atuar juntos. O primeiro passo é promover formações internas sobre os conceitos de IA, criando uma cultura de entendimento técnico básico entre recrutadores, gestores e áreas de negócio.
Além disso, é essencial que as descrições de vagas e os discursos institucionais reflitam com honestidade o estágio tecnológico da empresa, evitando promessas exageradas.
Por fim, nos processos seletivos e nas contratações de parceiros, a validação técnica de competências individuais e de soluções oferecidas deve ter o mesmo peso de uma análise jurídica ou financeira.
A IA não é mais o futuro, é o presente. Ela está reescrevendo os fundamentos do trabalho e a forma como lidamos com ele. Mas, como em toda revolução, o entusiasmo sem critério pode nos levar a atalhos perigosos. O AI washing revela essa ansiedade coletiva por inovação, mesmo que artificial.
Para mudarmos esse jogo, precisamos de líderes e culturas que apostem menos em buzzwords e mais em aprendizado contínuo, transparência e senso crítico. Para o RH, esse cenário representa mais do que um desafio técnico – é uma oportunidade estratégica de liderar o diálogo sobre responsabilidade, autenticidade e impacto real no uso da tecnologia.
Porque inovar de verdade não é parecer disruptivo. É construir uma cultura de valor com profundidade, propósito e consistência.