Por que os investimentos em comunicação não dão resultado
Treinamentos, programas de formação, workshops... Investir em ações pontuais desacompanhadas da governança é como plantar sementes em solo improdutivo.

Quantas vezes já ouvimos ou dissemos algo assim: “as pessoas até gostam do curso de comunicação, mas não colocam em prática”. “A gente investe em trilhas, campanhas internas, treinamentos de feedback… e o clima continua tenso, os ruídos seguem os mesmos.” A sensação de frustração é real, exaustiva e desestimulante.
Em meio a esse gosto amargo, um estudo recente da newnew revelou que mais da metade (57%) dos profissionais estão motivados para aprender, mas 60% não conseguem aplicar os conhecimentos obtidos em treinamentos no cotidiano.
Mais do que questionar a qualidade do conteúdo, sinto que estamos sempre tratando o sintoma, em vez da causa.
Oferecemos oficinas de escuta ativa em empresas que ainda tomam decisões de forma verticalizada e silenciosa. Criamos programas de feedback para equipes que não têm segurança psicológica e clareza dos papéis a serem desempenhados. Queremos que as pessoas se apresentem como grandes palestrantes em reuniões internas, infindáveis, uma atrás da outra, sem dar espaço para preparação.
O problema não é a eficácia dos formatos e conteúdos que permeiam as ações de desenvolvimento humano. É o lugar que a comunicação ocupa na arquitetura organizacional. Enquanto for vista apenas como uma habilidade comportamental, e não como um eixo de governança e estratégia, os esforços de desenvolvimento seguirão patinando.
Comunicação como eixo de governança
Esse é o alerta, elegante e direto, presente no livro Comunicação e Governança: Parecer e Ser na Era da Transparência, recém-lançado por Vania Bueno pela Editora Aberje.
Ao longo do livro, a autora propõe que a comunicação precisa ser reposicionada: não como custo, nem como ruído a ser gerenciado, mas como parte da engrenagem que sustenta a legitimidade institucional.
“A comunicação tem que estar no coração da estratégia, presente desde o primeiro momento da tomada de decisão”, diz ela, em um trecho que resume com precisão o que tanto RHs quanto áreas de negócio ainda se negam a assumir.
E mais: não são só as áreas de comunicação e desenvolvimento que precisam entender isso. Toda a liderança, todo o corpo institucional, precisa assumir que comunicar com coerência, intenção e responsabilidade é uma prática coletiva.
Programas de formação, jornadas de aprendizagem, fóruns de cultura, team building… Nada disso transforma uma organização se não forem iniciativas coerentes com as práticas de governança. Se as decisões são feitas sem diálogo. Se as políticas internas contradizem os valores divulgados pela empresa ou as ações de capacitação. Se os canais “abertos” são caracterizados por medo e silêncio, se as práticas de gestão silenciam o que é divergente, propositivo ou questionador.
Governança: um tema do RH
Governança não é só um tema de conselho: também é do RH. Quando Vania afirma que governança sem comunicação é inócua e inconsequente, ela aponta a lacuna que existe entre as decisões e o cotidiano das organizações. E essa lacuna, muitas vezes, é sentida primeiro pelo RH.
Afinal, é ali que chegam os ruídos, os conflitos, os pedidos de treinamentos sobre comunicação, como se isso pudesse resolver o que não foi construído de forma transparente, coerente e legitimada.
As áreas que atuam com desenvolvimento humano precisam assumir seu papel como parceiros da governança, não apenas como executores de programas. Precisam tensionar, com responsabilidade, os modelos que priorizam metas e orçamento, mas negligenciam os contextos e os aprendizados gerados. Que divulgam valores, mas não os praticam. Que silenciam vozes e depois investem em escuta ativa.
Comunicação não é só o conteúdo dos cursos. “A governança orienta o ser; a comunicação sustenta o parecer”, defende Vania. “Juntas influenciam o ecossistema de relações e moldam a percepção de valor.” No meio dessa relação está o aprendizado de qualquer competência.
É papel do RH contribuir para essa tessitura. Não apenas na facilitação, mas como parte ativa da costura organizacional que alinha discurso e prática, cultura e decisão, escuta e estratégia. Isso exige ultrapassar o território da “comunicação eficaz” como uma técnica individual, para tratá-la como prática institucional, com impacto real em confiança, reputação e legitimidade.
Talvez por isso o livro de Vania provoque tanto quem trabalha com gente: porque ele exige que a gente pare de tratar comunicação como um pano de fundo e comece a vê-la como a própria trama. E, mais que isso: como uma responsabilidade de todos, mas com o RH ocupando essa articulação entre o que se decide, o que se comunica e o que se vive (com aprendizados, erros e acertos).
Em tempos de transparência e de coerência, promover ações pontuais desacompanhadas da governança, por melhores que sejam, é como plantar sementes em solo improdutivo. Quem atua com pessoas, cultura e desenvolvimento precisa mexer nesse terreno e cultivar esse solo com mais estratégia, mais escuta e mais coragem.