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Diversidade cognitiva: por que ter pessoas que pensam diferente

Em uma sociedade polarizada por opiniões radicais e verdades únicas, ganham as empresas que estimulam a diversidade cognitiva, prática baseada no diálogo

Por Nataly Pugliesi
Atualizado em 23 dez 2021, 15h21 - Publicado em 10 dez 2020, 19h09
Equipe conversando no trabalho
 (monkeybusinessimages/Getty Images)
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Embora extremamente importante, a diversidade vem sendo tratada em diferentes níveis de maturidade, dependendo da companhia. Algumas sequer iniciaram a discussão, apesar de serem muito cobradas pela geração predominante no mercado — os millennials, que consideram a inclusão essencial no ambiente de trabalho, segundo o estudo Inclusion Insights, da Deloitte. Outras avançaram olhando para a equidade de gênero, enquanto poucas, mas representativas, já estão desenvolvendo ações afirmativas em quase todos os pilares: gênero, raça e etnia, geracional, social, LGBT+, e por aí vai.

Mas chegou a hora de dar um novo passo para garantir outro tipo de diversidade: a cognitiva, que depende de um ambiente em que opiniões contrárias sejam debatidas, refutando-se polarizações — tão comuns nos dias de hoje. É daí que vem o verdadeiro ganho com a questão da diversidade: extrair a melhor solução a partir de olhares divergentes. “Estamos vivendo em um mundo dividido, e as empresas ganham a responsabilidade de contribuir para a mudança na sociedade, afirmando: ‘Aqui nós aceitamos o debate e opiniões diferentes das nossas’”, afirma Antonio Salvador, líder de negócios de career para o Brasil da consultoria Mercer.

Claro que, em um país como o Brasil, com um dos maiores índices de desigualdade do mundo, a diversidade cognitiva precisa fazer parte de uma política ampla de busca por representatividade. “Uma coisa é tratar a questão cognitiva por si só na Suécia, onde quase não há desigualdade de renda. Mas nossa realidade não está pronta para contemplar apenas a diversidade de pensamento”, diz Liliane Rocha, fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em diversidade e sustentabilidade. “Se defendermos apenas essa ideia, se tornará cômodo para o board falar que está contemplando a diversidade cognitiva, quando estará trabalhando nisso dentro dos 87% de executivos que são homens brancos.”

Pontos de atenção

Ter pessoas de diferentes origens num grupo aumenta a chance de o pensamento diverso acontecer. Liliane pontua, por exemplo, que, por mais que uma mulher negra da periferia tenha estudado numa instituição de ensino elitizada, ela terá uma visão de mundo marcada por sua origem, que será diferente da visão da maioria de seus colegas. Mas, segundo Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia fundadora da Nêmesis, consultoria especializada em neurociência organizacional, a diversidade por si só não assegura a pluralidade de raciocínio. “Quando trazemos pessoas de realidades diferentes, espera-se que elas tenham visões de mundo diferentes, mas não garantimos isso com amplitude. Então entramos nessa necessidade de olhar para a diversidade cognitiva, porque ela precisa necessariamente refletir uma diversidade de pensamento, de perspectiva, e aí, sim, aumentamos o potencial de criação.”

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A diversidade cognitiva está relacionada à personalidade dos indivíduos, já que cada um tem uma maneira de reunir e processar informações, de tomar decisões e de comunicar. Diante de situações de ganhos e perdas, enquanto alguns focam as recompensas, outros concentram-se nos prejuízos — e aí está um exemplo de distinção cognitiva. Estudos sugerem que os times que entregam melhores resultados são aqueles em que se consegue aproveitar as diferenças para encontrar soluções e resolver problemas.

Uma pesquisa publicada pela Harvard Business Review chegou à conclusão de que as equipes resolvem problemas com mais rapidez quando são cognitivamente mais diversas. O time de pesquisa dos autores britânicos Alison Reynolds e David Lewis desafiou grupos com diversidade de fenótipos e outros com comprovada diversidade cognitiva (identificada após a aplicação de testes) por mais de 100 vezes nos últimos 12 anos. O resultado foi que alguns grupos se saíram excepcionalmente bem e outros incrivelmente mal, independentemente da diversidade de gênero, etnia e idade.

Um aprofundamento do exercício, por sua vez, mostrou uma correlação significativa entre alta diversidade cognitiva e alto desempenho. “Não podemos detectar facilmente a diversidade cognitiva de fora. Ela não pode ser prevista ou facilmente orquestrada. O próprio fato de ser uma diferença interna exige que trabalhemos duro para superá-la e aproveitar seus benefícios”, explicam os autores em artigo.

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Viés funcional

Um inibidor à divergência de pensamento pode ser o excessivo enquadramento cultural exigido dos profissionais pelas empresas. Quando um novo funcionário entra na companhia e logo é ensinado sobre como deve se comportar, o que é aceitável em determinados fóruns de discussão, o dress code rigoroso que precisa seguir e o par que o orientará quanto ao modo de conduzir suas tarefas, ele já está abrindo mão de sua forma própria de executar e pensar — o que vai minando o raciocínio diverso. “Se eu entrego o que precisa ser entregue, por que tanto apreço ao como? A expressão é de cada um. O que importa é a performance, e não a forma. Acredito que as empresas estejam migrando para esse olhar”, diz Ana Carolina, da Nêmesis.

Segundo os autores do artigo publicado na Harvard Business Review, a tendência é que as pessoas gravitem em torno de colegas que pensem e se expressem de maneira parecida. Como resultado, as organizações geralmente acabam com equipes com ideias semelhantes. Quando isso acontece, dizem os pesquisadores, “temos o que os psicólogos chamam de viés funcional — e baixa diversidade cognitiva”. O viés funcional nada mais é do que seguir o padrão e fazer tudo de acordo com o que o grupo legitima como correto.

A mesma máxima torna-se realidade quando lideranças muito conservadoras e autoritárias tentam imprimir sua forma de agir e realizar em todos os membros do time. Alison Reynolds e David Lewis dizem que “as pessoas gostam de se encaixar, então elas são cautelosas ao não arriscar o pescoço. Quando temos uma cultura forte e homogênea (por exemplo, uma cultura de engenharia, uma cultura operacional ou uma cultura relacional), reprimimos a diversidade cognitiva natural nos grupos por meio da pressão para se conformar”.

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Para superar essas barreiras, é importante que os processos de recrutamento identifiquem, além do fit cultural, a diferença de pensamento e recrutem com foco na diversidade cognitiva. E, mais do que isso, como líder, é importante saber estimular um ambiente de discussões saudáveis. Portanto, diante de uma situação nova, incerta e complexa, em que todos concordam sobre o que fazer, encontre alguém que discorde — e valorize essa atitude. O embate é necessário.

Boa batalha

Um ambiente de conflito respeitoso estimula a inovação. Isso porque a convivência com grupos diversos, em um ambiente aberto à discussão, provoca o fenômeno da neuroplasticidade, ou seja, a formação de novas conexões cerebrais que são construídas diante de novidades e durante a troca de experiências — favorecendo, dessa forma, o processo criativo e o aprendizado. A interação com diferentes formas de pensar e de avaliar o mesmo cenário mantém o cérebro constantemente desafiado, estimulando o pensamento criativo. “Quanto mais convivemos com pessoas diferentes, mais diminuímos a força dos vieses. Ganhamos multiplicidade e passamos a entender que não existe um caminho 100% certo”, diz Ana Carolina.

Os autores do livro The Best Team Wins (“O melhor time ganha”, numa tradução livre, ainda sem edição em português), os americanos Adrian Gostick e Chester Elton dedicaram um capítulo para tratar conflitos após estudarem 850.000 profissionais de empresas de diversos setores. A conclusão foi que em grupos onde inexistem contestação e divergências os resultados são menos inovadores e produtivos. Para evitar que tudo seja feito sempre da mesma forma, é preciso que as equipes discordem — e, como mágica, novas ideias surgem. Segundo o livro, bons líderes promovem fóruns de discussão com temas específicos e dão espaço para que os liderados discordem de tudo e de todos, inclusive deles. O primeiro passo é cultivar um ambiente onde as pessoas saibam que podem se manifestar, fazer perguntas e expressar divergências.

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Fazer isso é promover o que especialistas chamam de respeito cognitivo, ou seja, a capacidade de criar uma conexão entre todos e disseminar o entendimento de que cada pessoa tem uma perspectiva válida, mas talvez diferente. Outra regra fundamental é ouvir com respeito, ouvir para aprender e, em seguida, ter curiosidade em construir a partir de ideias novas, em vez de adotar uma visão competitiva. “Valorizar a diversidade é conviver de forma harmônica”, diz Liliane, da Gestão Kairós.

Segundo Ana Carolina, para construir esse caminho as empresas têm investido muito nos aspectos de empatia, lógica de confiança e abertura de diálogo. “Promovendo, assim, um espaço onde é possível discordar, e onde o erro é aceito de maneira saudável, como busca por aprendizado. Trabalhar diversidade cognitiva sem trabalhar soft skills não muda a cultura”, explica a neurocientista. Outra possibilidade é garantir a mensagem já no momento do recrutamento. “Empresas têm adotado um modelo onboard diferente para garantir que as pessoas coexistam e interajam entre si, independentemente de suas personalidades”, afirma Antonio, da Mercer Brasil.

Mudanças no processo

A Braskem, multinacional brasileira da indústria química, está avançando em seu programa de diversidade. Criado em 2014 com foco em aumentar a participação de mulheres no setor, expandiu a atuação, definindo em 2015 os pilares do programa que agora abrange todos os grupos minorizados. Para o próximo ano, a companhia fará ajustes no recrutamento dos estagiários para aumentar a diversidade cognitiva. “Muitos candidatos esbarravam nas questões de raciocínio lógico, que exigiam aptidão em matemática, e essa não era uma necessidade para todas as vagas”, diz Fernanda Tognolli, analista de employer branding da Braskem e responsável pelo programa de estágios. “Nossa empresa tem uma origem tecnicista, e precisamos de outros tipos de inteligência para agregar transformações à organização”, completa Debora Gepp, responsável pelo programa de diversidade e inclusão da Braskem.

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Assim, o processo terá uma avaliação diferente: um game em que os candidatos vão simular a tomada de decisão diante de um desafio da companhia. “Todas as respostas estarão certas, mas elas dirão respeito a como a pessoa pensa, age e toma decisões. Com base nesse teste, vamos identificar a aderência do candidato a determinada vaga”, diz Fernanda. Isso é interessante porque, com a substituição das provas de matemática pelo teste de tomada de decisão, por exemplo, a Braskem recruta com mais diversidade cognitiva e amplia o escopo dos candidatos: não serão apenas os que tiveram acesso a uma educação mais privilegiada que terão a chance de ser aprovados. “O processo fica mais orientado a trazer pessoas com diferentes perspectivas, diferentes repertórios e comportamentos aderentes ao que esperamos. A gente valoriza as competências comportamentais”, diz Debora. “Com isso, esperamos ter um ambiente de mais inovação e disrupção de processos, com pessoas que questionem nosso modus operandi.”

Para promover um ambiente em que os funcionários se sintam à vontade para questionar o status quo, a Braskem está investindo em transformações como flexibilização do dress code e inserção de duas novas competências na avaliação de desempenho: vulnerabilidade (poder errar e não ter todas as respostas) e adaptabilidade (ser flexível e se adaptar a diferentes cenários e pessoas). “Com isso, espera-se que as pessoas sintam que podem se expressar verdadeiramente aqui”, diz Fernanda.

Mapear é preciso

Na Visa, a área de recursos humanos tem aplicado o mapeamento de perfis para identificar as diferenças cognitivas representadas nos times. Recentemente, o setor de marketing recebeu um novo gestor e, para promover uma atividade de aproximação e reconhecimento de toda a área, foi aplicada a metodologia insights discovery, que mapeia dados da personalidade de todos os membros da equipe, independentemente do nível hierárquico. “Pela ferramenta conseguimos perceber o estilo, as características de cada um na tomada de decisão, na influência e no relacionamento interpessoal”, afirma Priscila Mônaco, diretora de RH da Visa. Como resultado, cada profissional recebe um relatório detalhado de cerca de 25 páginas com a análise do comportamento e dos pontos fortes e fracos. “Em uma dinâmica, compartilhamos com todo o grupo qual é o estilo de pensamento e de trabalho de cada um e focamos o modo como devemos nos comunicar e nos relacionar com cada pessoa, conforme seu estilo. Isso corrobora para uma equipe mais harmônica”, diz Priscila.

Além de se entenderem melhor, os membros dos times acabam ficando mais confortáveis em se expressar verdadeiramente, já que são compreendidos por seus estilos de pensamento. Incentiva-se, dessa forma, um ambiente respeitoso cognitivamente. Outra vantagem é a possibilidade de montar times cognitivamente mais diversos. “Quando olhamos os resultados, percebemos que tínhamos muita gente do mesmo perfil atuando junta. Entendemos que valia fazer algumas mudanças e trocamos alguns profissionais entre áreas”, afirma a diretora de RH, que garante que as equipes que sofreram os ajustes tiveram melhora na performance. “Afinal, com pessoas com o mesmo comportamento, é impossível fazer diferente.”

Esta reportagem foi publicada na edição 70 de VOCÊ RH.

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