Mães em cargos de decisão promovem culturas mais colaborativas e eficazes
A presença de mulheres com filhos pequenos no mercado é 20% menor do que a daquelas sem filhos. Saiba por que esse é um erro estratégico.

Ser mãe e ocupar cargos de liderança é uma jornada que poucos conseguem descrever com exatidão porque ela não é feita apenas de conquistas ou renúncias. Ela é feita de escolhas diárias, algumas invisíveis, outras profundamente sentidas. No Brasil, enquanto 38% das posições de liderança são ocupadas por mulheres, apenas 18% delas são mães. Essa discrepância fala mais do sistema do que das mulheres.
Durante muitos anos de carreira atuando como CEO, empreendedora, membro de conselhos e liderando equipes em diferentes organizações, mulheres enfrentam essa tensão entre expectativa e realidade. Ocorre um silêncio, quase institucionalizado, sobre o que significava ser mãe e, ao mesmo tempo, uma tomadora de decisão estratégica.
O mercado não foi feito para nós. Pelo menos, não ainda. Quando uma mulher se torna mãe, percebe rapidamente os desafios que ninguém vê, como o ambiente profissional ainda não estava preparado para acolher a maternidade com a seriedade e respeito que ela merece. Não são apenas as reuniões que avançavam além do expediente ou as viagens marcadas em cima da hora. Era a culpa que surgia ao sair mais cedo por causa de uma febre do meu filho, o medo de ser percebida como “menos dedicada”, e a sensação de ter que provar constantemente que eu ainda era a mesma líder de sempre.
Teto de vidro maternal
Essa é a realidade de muitas mulheres que, após a maternidade, enfrentam o chamado “teto de vidro maternal”. Segundo dados do IBGE, a taxa de participação de mulheres com filhos pequenos no mercado de trabalho é 20% menor do que a de mulheres sem filhos. A penalidade da maternidade, como chamam economistas, se expressa em promoções perdidas, convites que deixam de vir, ou simplesmente na percepção de que agora “não é mais o momento dela”.
Mas não são menos profissionais por serem mães. Ao contrário. A maternidade ensina a tomar decisões mais rápidas, permite aprender a gerenciar múltiplas prioridades, a ouvir com empatia e a entender que liderança não é controle, é conexão. Se aprende a ser objetiva sem perder a sensibilidade, a olhar para o coletivo e para o indivíduo ao mesmo tempo. São competências que nenhum MBA ensinaria com tanta intensidade.
Aliás, um estudo recente da Harvard Business Review mostrou que mulheres líderes são consistentemente avaliadas como mais eficazes que homens em competências-chave como inspirar e motivar, desenvolver outras pessoas, tomar iniciativa e ser resiliente — habilidades diretamente ligadas ao que a maternidade desenvolve nas mulheres.
A tendência é melhorar
Felizmente, vejo sinais de mudança. A pandemia, ainda que trágica, escancarou o que já sabíamos: o modelo de trabalho precisa ser mais humano. A possibilidade do home office, a flexibilização de horários, as licenças parentais igualitárias e a criação de políticas mais inclusivas deixaram de ser luxo ou exceção, e passaram a ser exigência de talentos que não querem mais escolher entre carreira e vida.
A tecnologia transformou radicalmente o modo como trabalhamos, e para as mães isso abriu uma nova janela de possibilidades. Com a popularização do home office, ferramentas de colaboração digital e modelos de trabalho híbrido, tornou-se mais viável conciliar a rotina profissional com os cuidados familiares. Plataformas de gestão remota, reuniões virtuais e a flexibilização de horários permitiram que muitas mulheres permanecessem ativas no mercado, sem precisar abrir mão da presença na infância dos filhos. Além disso, o crescimento do empreendedorismo digital, de consultorias autônomas e da economia de plataformas oferece alternativas reais para que mães criem seus próprios ritmos, negócios e formas de exercer sua liderança. É uma revolução silenciosa, mas poderosa que redefine o que é produtividade, presença e sucesso no trabalho.
Apoiar a maternidade é fator estratégico
A chegada dos filhos muda tudo na vida pessoal, mas também na forma como a mulher se posiciona no mercado de trabalho. Quando se ocupa uma posição de liderança, essas mudanças são ainda mais profundas. A mulher passa a lidar com uma nova camada de responsabilidade emocional, logística e até simbólica. A gestão do tempo se torna um desafio diário, o sentimento de culpa — seja por estar longe do trabalho ou da família — muitas vezes se impõe, e a necessidade de provar constantemente sua competência e dedicação se intensifica. Além disso, enfrentam o julgamento silencioso (e por vezes explícito) de colegas e líderes que ainda associam presença física à produtividade. É um processo de adaptação intenso, que exige força, rede de apoio e, acima de tudo, resiliência para seguir liderando sem abrir mão de quem se tornou após a maternidade.
Empresas que desejam atrair e reter lideranças femininas precisam entender que apoiar a maternidade é uma questão de inteligência estratégica, não apenas de responsabilidade social. A presença de mães em cargos de decisão contribui para culturas mais empáticas, colaborativas e eficazes.
Como membro de conselhos, tenho usado minha voz para trazer esse tema à mesa, não como pauta feminina, mas como pauta de futuro. Afinal, um mercado que exclui mães também exclui inovação, diversidade e representatividade.
Hoje, com a maturidade que os anos e os desafios me trouxeram, posso afirmar: sucesso não é estar em todas as reuniões, cumprir todas as metas ou dizer “sim” a tudo. Sucesso é conseguir ser inteira nos papéis que escolhemos ocupar, com autenticidade, equilíbrio e propósito.
O olhar para uma profissional muda quando ela se torna mãe
Quando me tornei mãe, mesmo já ocupando cargos de liderança, senti de forma muito intensa como a maternidade transforma tudo. Não apenas a rotina — que passa a ser milimetricamente cronometrada entre reuniões, mamadas, febres e decisões estratégicas —, mas também a percepção que o mundo tem sobre você. De repente, o que antes era visto como foco e dedicação pode passar a ser interpretado como ausência ou distração. Foi preciso redobrar minha energia para mostrar que a maternidade não torna a mulher menos competente — ao contrário, revela alguém ainda mais estratégica, mais sensível. Mas não é algo simples. A culpa, o cansaço, a expectativa de estar 100% presente em todos os lugares ao mesmo tempo, tudo isso pesava. Mas se aprende, com o tempo, a ressignificar o que é ser uma líder — e que não existe força maior do que liderar com verdade, carregando no olhar tanto o amor por um filho quanto a coragem de continuar abrindo espaço para outras mulheres fazerem o mesmo.
Não é fácil. Ainda existem olhares enviesados, estruturas engessadas e decisões difíceis. Mas estamos abrindo caminho. Para nós, para nossas filhas, para todas as mulheres que não querem mais escolher entre liderar ou maternar.
O futuro do trabalho precisa e já começou a reconhecer que mães também são líderes. E que muitas vezes, são exatamente as líderes que o mundo está precisando.
Ser mãe e construir uma carreira sólida ainda é, para muitas mulheres, uma equação repleta de desafios. Apesar de avanços importantes na equidade de gênero, a maternidade segue sendo um divisor de águas na trajetória profissional de muitas mulheres, e nem sempre no sentido positivo.
Entre os principais desafios está a falta de políticas corporativas verdadeiramente inclusivas. A ausência de flexibilidade de horário, a escassez de apoio psicológico e prático no retorno da licença-maternidade e o estigma velado de que a produtividade de uma mãe é menor ainda são obstáculos comuns. Muitas mulheres enfrentam o chamado “teto de vidro” com mais intensidade após se tornarem mães, sendo preteridas em promoções ou projetos estratégicos.
A chance de repensar o sucesso no trabalho
No entanto, é preciso reconhecer que o cenário está em transformação. A pandemia acelerou o debate sobre modelos de trabalho flexíveis e a importância da saúde mental, abrindo espaço para novas formas de conciliação entre vida pessoal e profissional. Cada vez mais empresas estão adotando políticas de trabalho híbrido, licenças parentais estendidas para ambos os gêneros e programas de apoio à parentalidade.
Felizmente, o mercado tem se tornado cada vez mais receptivo às mães, especialmente em setores nos quais a flexibilidade e a entrega por resultado são valorizadas. Áreas como tecnologia, educação (incluindo ensino a distância), marketing digital, recursos humanos e consultoria têm se destacado por oferecer modelos de trabalho híbrido ou remoto, permitindo que mães organizem sua rotina de forma mais equilibrada. Profissões baseadas em autonomia e produtividade, como redatora, analista de dados, social media, mentora ou consultora, são ideais para quem precisa conciliar múltiplos papéis sem abrir mão da carreira. Além disso, o empreendedorismo tem sido um caminho natural para muitas mães que desejam mais liberdade para criar e crescer profissionalmente. Empresas que valorizam diversidade, possuem programas de apoio à parentalidade e oferecem licenças estendidas ou horários flexíveis estão à frente nessa transformação, criando ambientes mais justos e sustentáveis para mulheres que lideram em casa e no trabalho.
O futuro do trabalho pede diversidade, equilíbrio e humanidade. E ser mãe no mercado de trabalho ainda exige coragem, rede de apoio e, muitas vezes, resiliência frente a estruturas desatualizadas. Mas também é uma oportunidade de ressignificar o que é sucesso profissional — não mais baseado apenas em presença física e carga horária, mas em impacto, propósito e equilíbrio.
*Irina Bezzan é CEO da TalentX Digital.