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Diversidade

A luta pela inclusão: como aumentar a diversidade nas empresas

Pesquisa exclusiva revela o cenário da diversidade nas empresas brasileiras e traz um alerta: 65% não têm estratégia bem definida. Saiba como mudar isso

por Nataly Pugliesi Atualizado em 18 mar 2021, 19h01 - Publicado em
18 dez 2020
08h00

Esta reportagem faz parte da edição 71 (dezembro/janeiro) de VOCÊ RH

O ano de 2020 foi fortemente marcado pela discussão do racismo. Em maio, a morte de George Floyd, um homem negro asfixiado por um policial em Mineápolis, gerou protestos nos Estados Unidos e manifestações de apoio globais ao movimento Black Lives Matter. A temática foi tão importante que analistas políticos americanos atribuem a vitória dos democratas Joe Biden e
Kamala Harris (primeira mulher negra no cargo de vice-presidente) na corrida pela Casa Branca ao voto de eleitores negros — principalmente das mulheres —, que querem mais foco do governo na pauta racial.

No Brasil, a questão veio à tona em diversos momentos. Em setembro, o tema esquentou quando o Magazine Luiza abriu um programa de trainees voltado especificamente para negros para aumentar o número de líderes afrodescendentes na companhia. O projeto recebeu uma enxurrada de elogios — e de críticas —, sendo até chamado de inconstitucional. Mas juízes e procuradores se posicionaram a favor do programa, que seguiu.

No final de outubro, a discussão pública voltou quando Cristina Junqueira, CEO da fintech Nubank, declarou no programa Roda Viva, da TV Cultura, que contratar negros era “difícil” e que não era possível “nivelar por baixo”. A fala, vista como discriminatória e distanciada do entendimento da inclusão, gerou tantos feedbacks negativos que a executiva se desculpou, o Nubank fortaleceu sua equipe de diversidade e anunciou um investimento de 20 milhões de reais em programas de combate ao racismo.

Mas foi em novembro, na véspera do Dia da Consciência Negra, que a temática se tornou pauta nacional. No dia 19 daquele mês, João Alberto Silveira Freitas, conhecido como Beto Freitas, foi espancado até a morte por seguranças de uma loja do Carrefour em Porto Alegre (RS). O assassinato impulsionou manifestações antirracistas por diversas cidades brasileiras, levou um grupo de artistas a pintar a frase “Vidas pretas importam” na Avenida Paulista e fez com que o presidente global do Carrefour determinasse a revisão do treinamento de funcionários. Além disso, a varejista criou um comitê externo que vai auxiliá-la em temas de diversidade.

Todos esses episódios mostram um movimento forte da sociedade brasileira na luta pela igualdade de direitos e deixam claro que as empresas serão cada vez mais cobradas quanto à pauta da inclusão. Foi nesse contexto que surgiu a pesquisa.

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O Cenário Brasileiro da Diversidade e Inclusão, primeiro levantamento de práticas de D&I do tipo no país. O estudo é fruto da parceria de VOCÊ RH com a consultoria Mais Diversidade e ouviu cerca de 300 empresas de diferentes setores. Na reportagem de capa deste bimestre, compartilhamos os resultados do relatório pioneiro.

Boas intenções, mas falta amarrá-las

Um sinal positivo de que a diversidade está ganhando importância no mundo corporativo é que, mesmo em um período de crise global, 97% das empresas pretendem manter ou ampliar o orçamento da área em 2021. “Isso é muito significativo. Demonstra que as companhias não olham para o tema porque está na moda, mas porque está trazendo resultados para o negócio”, afirma Thiago Roveri, líder de pesquisas da Mais Diversidade e responsável pela condução do estudo. “A diferença de 15 anos atrás, quando começamos a trabalhar o assunto no mercado, para cá é que a agenda deixou de ser acessória e passou a ser prioritária”, complementa Ricardo Sales, sócio fundador da Mais Diversidade.

Mesmo com dinheiro disponível, falta às empresas pensamento estratégico sobre a temática. Segundo nosso levantamento, 65% das companhias não têm uma estratégia que direcione suas práticas – o que resulta em ações soltas sem eficácia comprovada. Péssimo para os negócios. Para mudar esse quadro, é preciso entender que a diversidade está relacionada a outros aspectos além da responsabilidade social. “As empresas ganham no desempenho financeiro e na qualidade das entregas. Fora do Brasil há, inclusive, uma tendência de alguns investidores reforçando a importância de acrescentar a letra D, de ‘diversidade’, na sigla ESG [environmental, social and governance], um indicador de comportamento sustentável”, diz Cristina Kerr, CEO da consultoria CKZ Diversidade e professora na Fundação Dom Cabral.

As multinacionais são as mais maduras nas práticas e 90% delas, segundo nosso estudo, adaptam suas ações para a realidade brasileira. O que dá margem para duas interpretações. Políticas globais trazem assertividade, mas demonstram que há pouca proatividade das filiais nacionais em puxar o assunto, fazendo apenas pequenos ajustes nas diretrizes. “Lógicas culturais e de relação entre indivíduos se dão a partir de uma dimensão local. Mesmo que orientações da matriz estabeleçam a necessidade de políticas para a diversidade, isso não significa que vão se concretizar se o ambiente for hostil e preconceituoso”, afirma Márcio José de Macedo, professor e coordenador de diversidade da escola de negócios da FGV.

Práticas formalizadas

Na esteira da falta de estratégia vem o fato de que, segundo nosso estudo, 71% das empresas não têm ou estão construindo uma política de D&I, e apenas 26% adequaram suas práticas já existentes de RH a questões de diversidade. Ao contrário do que possa parecer, formalizar as ações de inclusão não é mera burocracia, e sim o indicativo de que aquilo faz parte dos valores da companhia – e que será levado em conta na hora de contratar, promover e desenvolver os funcionários, por exemplo. “As regras do jogo ficam claras e os empregados entendem como devem se portar. É importante”, diz Thiago. Além do mais, isso garante que a pauta será perene e não ficará restrita à visão de mundo de diretorias ou presidências específicas.

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Há diversas formas de criar uma política de diversidade, mas revisar as práticas da empresa é um bom primeiro passo. O RH pode ajudar nesse sentido, sendo a primeira área a fazer essa análise. Envolver pessoas de diferentes cargos e setores em um workshop sobre condutas inclusivas também é uma boa ideia. Além disso, não se pode esquecer a comunicação: quanto mais o tema é debatido internamente, mais se torna parte do dia a dia. Infelizmente, a maioria das companhias só compartilha os resultados de diversidade com líderes seniores e a área de recursos humanos.

Foi justamente pensando em transparência que o Grupo Sabin, do setor de medicina diagnóstica, criou um documento que concentra as políticas de diversidade e inclusão. Dessa forma, fica bem claro para todos os 6.000 funcionários o que deve ser feito, o que não será tolerado e que o assunto é levado a sério. “Somos uma empresa fundada por duas mulheres, e diversidade é um valor compartilhado por quem cresceu aqui. Temos 77% de mulheres no quadro e 74% da liderança formada por elas”, diz Lídia Abdalla, CEO do Grupo Sabin.

Manter esse entendimento numa companhia que está em expansão desde 2012 adquirindo outras empresas pelo país é um grande desafio. Afinal, ao comprar uma organização, é necessário entender mais sobre a nova população. Por isso, o Sabin usa censos demográficos para mapear quem são seus funcionários e criar metas. “Fazemos isso há quase dez anos para conhecer a fundo nossas pessoas e estabelecer quais programas trariam mais valor ao nosso público”, diz Lídia. “Programas e políticas estruturadas são importantes para passar adiante e reafirmar, especialmente para os que estão chegando, que essa é uma agenda importante.” A mais nova ação de diversidade do Sabin é atrair profissionais com mais de 55 anos por meio de um programa de recrutamento exclusivo para esse público. “O mercado está deixando para trás essas pessoas que têm tanta experiência”, diz a CEO.

E a estrutura?

O estudo aponta certa profissionalização do setor de D&I: cerca de 65% das companhias afirmam ter uma área ou algum tipo de estrutura que pauta o tema. No entanto, apenas 25% dos profissionais atuam de maneira exclusiva, e a maior parte das empresas não vê como prioritária a criação de um setor de diversidade internamente.

A principal justificativa das companhias que não possuem um setor para tratar a agenda de inclusão é falta de orçamento – no entanto, se a pauta fosse prioritária, os recursos provavelmente seriam alocados. “Não existe lucro sem investimento. É preciso clareza de aonde se quer chegar e consistência nas práticas para alcançar o objetivo. Algum dinheiro é necessário e, para isso, deve haver uma mudança de mentalidade”, diz Márcio, da FGV. Mas existem saídas. “Sugiro que uma pessoa do RH fique focada nisso. Não é o ideal, mas é preciso que alguém acompanhe as métricas. O que não é medido não melhora”, diz Cristina, sa CKZ Diversidade.

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Ter uma área, no entanto, não resolve todo o problema. E pode até criar outros. Isso porque a existência de um departamento corre o risco de estimular um pensamento equivocado de que a inclusão é uma responsabilidade só daquela área, enquanto deveria ser uma pauta geral da organização. Além disso, é problemático o pensamento mágico de que montar a área irá resolver todos os desafios. “Ter dez pessoas que não são levadas a sério não determina o sucesso”, explica Ricardo, da Mais Diversidade. Novamente a questão estratégica vem à tona como crucial.

O Itaú Unibanco é um exemplo de empresa que conseguiu tornar sua estrutura de diversidade e inclusão relevante – e se destacou nessa categoria em nossa pesquisa. A instituição tem uma equipe de sete pessoas dedicadas ao assunto, e todas as áreas da companhia, com cerca de 87.000 empregados, têm funcionários que dividem suas funções com pautas de D&I – atuação que é devidamente orientada pela gerência de diversidade. Assim, o tema torna-se um valor amplo e de responsabilidade compartilhada. “Temos vários momentos de inserção do assunto ao longo do ano”, diz Camila Udihara, superintendente de diversidade e experiência do colaborador do Itaú.

Atualmente, o foco do banco está em dois grupos: mulheres e negros. Embora a instituição tenha 60% de funcionárias, a representatividade cai dez pontos percentuais a cada nível hierárquico. No caso dos afrodescendentes, o índice é baixo, e apenas 23% dos empregados se declaram assim. Para melhorar os indicadores, há revisão de critérios de seleção de novos empregados (como o fim da exigência de inglês, de idade-limite e de universidades específicas nos programas de estágio e trainee), mentoria para mulheres e negros, treinamento sobre vieses inconscientes e letramento racial para a chefia – projeto que está na agenda de 2021. “Há dois anos batíamos na porta das áreas para conquistar aliados. Hoje eu não dou conta de atender as lideranças que querem ter profundidade sobre o assunto. É uma construção lenta, mas muito possível”, explica Luciana Campos, gerente de diversidade e empreendedorismo do Itaú Unibanco.

Afinidade com eficiência

Embora a maior parte das empresas afirme ter iniciativas de diversidade e inclusão, 2/3 não têm um programa implementado ou estão no processo de construí-lo. Isso significa, novamente, que as ações estão sendo desenvolvidas sem direcionamento. “O tema tem que estar atrelado à estratégia do negócio para conseguir permeabilidade e resultados. A ausência de governança sólida traz dificuldades para que a pauta ganhe robustez e espaço para diálogo com o corpo executivo”, diz Thiago, da Mais Diversidade. O problema de ter projetos pontuais, explica Regina Madalozzo, coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Insper, é a falta de eficácia. “Fazer as pessoas pensarem no assunto por duas horas é o que se ganha com ações ou palestras soltas. Se quer realmente algo que dê resultado, tem que ter consistência.”

Um exemplo dessa desconexão aparece nos grupos de afinidades. Nosso estudo mapeou que eles existem em 61% das companhias, mas que 50% operam sem um programa de D&I que possa orientá-los. “A ineficiência dos grupos é um desafio das empresas. Isso acontece porque muitos surgem espontaneamente, com a melhor das intenções, mas não sabem o que fazer. Sem direcionamento estratégico, eles perdem sua razão de existir e se tornam um problema”, diz Ricardo, da Mais Diversidade.

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Os comitês de afinidades que dão certo passam por uma escala de evolução. Começam como um fórum de troca de experiências, evoluem para o que se chama internacionalmente de employee resource groups (que têm como objetivo ajudar a empresa a avançar naquela discussão específica), e se transformam em business resource groups (com a meta de ajudar o negócio no desenvolvimento de novos produtos e serviços com base em um olhar diverso).

No Brasil, a maior parte dos times ainda está na primeira etapa de desenvolvimento. “A troca de experiências é muito relevante, mas não pode ser o único objetivo das pautas dos grupos de afinidades. É preciso fazer algumas perguntas: os grupos têm direcionamento para trabalhar? Eles sabem o que eu espero deles? Eles têm objetivos? Esse esforço está sendo reconhecido?”, explica Ricardo.

Na Chubb, empresa multinacional do setor de seguros com 800 funcionários e um dos destaques na categoria Governança de nosso estudo, os grupos de afinidades estão evoluindo. Eles começaram como a maioria: espontaneamente. Em 2018, estavam focados em compartilhar vivências e procuraram o RH para endereçar as ações, junto do qual criaram o Comitê de Diversidade. No ano seguinte, organizaram as ações por pilares (gênero, étnico-racial, pessoas com deficiência e LGBT+) e passaram a ter governança. Ou seja, metas, agenda definida, gerentes ou diretores que patrocinam as ações, executivos do C-Level que atuam como embaixadores e apoio do líder de diversidade e inclusão da empresa – mais de 30% da companhia faz parte da iniciativa. Tudo isso fez com que a equipe se tornasse um employee resource group e uma referência para as ações da companhia na América Latina. “A diversidade está no dia a dia das pessoas e, quanto mais envolvidas, mais elas se tornam agentes de mudanças”, diz Rafael Potenza Ramos, líder de diversidade e inclusão da Chubb que acumula a função de coordenador de treinamento e desenvolvimento da multinacional.

A linguagem da liderança

Quando o assunto é investimento em diversidade, nosso levantamento mostra que a principal prioridade dos profissionais da área é sensibilizar a alta gestão na temática – o que faz todo o sentido. “É a liderança que banca a decisão de incluir, contagia a empresa e faz a mudança acontecer. Sem sensibilizá-la, dificilmente o assunto ganhará relevância”, diz Ricardo.

Claro que essa aproximação é desafiadora e muitos erros são cometidos nesse processo, entre eles deixar de lado a linguagem que mais conecta com o C-Level: os resultados. Por isso, o que funciona melhor no convencimento da liderança é montar um business case com pesquisas que demonstrem como a D&I gera valor ao negócio (aumento da inovação e dos lucros são indicadores sempre presentes nos estudos do tema feitos pela consultoria McKinsey) e com exemplos de boas práticas de outras companhias do mesmo setor ou com os mesmos desafios (as companhias que se destacam costumam ser abertas para benchmarking).

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Cristina Kerr, da CKZ, vai além e sugere levar um CEO que seja aliado da causa para conversar com a liderança da empresa. Esses passos ajudam, também, a encontrar diretores que fiquem mexidos pelo assunto e se tornem influenciadores. “Quando bem cuidada e munida de informação, essa pessoa sensibiliza os pares”, diz Regina, do Insper.

No Grupo Pão de Açúcar, que conta com aproximadamente 100.000 funcionários, a liderança abraça o programa de diversidade desde 2017, quando foi lançado exatamente por causa de uma semente plantada pela alta gestão. Naquela época, uma diretora fez um treinamento externo sobre o assunto, se sentiu tocada e levou a discussão para dentro de casa – a partir daí surgiram grupos de afinidades e demanda do topo para criar políticas de diversidade. “A presidência e o board sempre quiseram ser pioneiros em levantar essa bandeira e são pessoalmente defensores da causa”, diz Susy Yoshimura, diretora de sustentabilidade e compliance do GPA. Como há uma cobrança que vem do topo, a varejista atrela, desde 2016, as métricas de inclusão (como número de mulheres na liderança e contratação de PCDs) à remuneração variável da chefia – algo raro nas companhias, como revela nosso levantamento, que mostra que apenas 35% das empresas fazem esse tipo de conexão. “Temos o Casino como nosso controlador europeu, e essa agenda é mais madura por lá, então fomos fortemente estimulados a fazer isso. Mesmo sem uma área específica na época, já enxergávamos a diversidade como uma estratégia de ESG”, explica Susy.

De lá para cá, os indicadores melhoraram no Grupo Pão de Açúcar: atualmente há 50% de mulheres no quadro – 33% em cargos acima de gerência – e 47% das vagas de estágio foram preenchidas por afrodescendentes em 2020. Além disso, práticas como mentoria para negros, adoção de crachá com nome social para pessoas trans e obrigatoriedade de haver mulheres na linha sucessória dos cargos de diretoria revelam cuidado com o tema. E tudo isso reflete diretamente na satisfação dos empregados com a empresa. Tanto que, na última pesquisa de engajamento do GPA, o item “ambiente propício à diversidade e respeito” foi o que teve mais favorabilidade dos funcionários.

Está aí uma demonstração objetiva de como o tema está tocando as pessoas e deve, mais do que nunca, se tornar prioritário nas empresas – indo muito além de hashtags em redes sociais.

 

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