Esta reportagem faz parte da edição 72 (fevereiro/março) de VOCÊ RH
Com uma carreira de mais de três décadas no mercado financeiro, Maite Leite, de 53 anos, tem longa bagagem em um setor ainda dominado pela presença masculina. Com passagens por Citibank, ABN Amro e Royal Bank of Scotland, onde liderou processos globais de transformação, ela agora chefia o Deutsche Bank no Brasil. No cargo desde 2018, foi a primeira mulher a assumir o comando da instituição no país. Foi também a primeira a fazer parte da presidência da Câmara Brasil-Alemanha, onde entrou em 2019. Para Maite, o momento é de pensar no que deixará para o futuro. “A fase em que estou agora, que começou quando me tornei CEO, é a do legado”, disse a executiva em entrevista a VOCÊ RH. “Percebi que realmente quero ter um impacto maior.”
Como define sua fase atual de carreira?
Meus primeiros dez anos foram de aprendizado, depois tive o momento de expansão, quando ajudei na transformação e na integração dos bancos. Na terceira fase, de consolidação, passei a gerir assuntos mais complexos, me envolvendo com a expansão do negócio e com questões de governança. Agora, nesta quarta etapa, consigo perceber a relevância de meu papel como líder. Quero contribuir de forma mais ampla com a comunidade e com o país. É um papel de execução, mas também de advogar para temas mais amplos, para a transformação de médio e longo prazo.
Quais são as causas mais importantes para você?
Tenho uma atenção muito voltada para a educação como um fator de inclusão econômica e social. Temos no Deutsche o Dn’A Women [Develop and Achieve Women], um projeto para a inclusão feminina no mercado financeiro por meio da educação técnica, em parceria com outros bancos. Também mantenho um trabalho individual de voluntariado, sou professora em uma ONG para a formação de jovens aprendizes. Na Câmara Brasil-Alemanha, todo o meu trabalho é voltado para a formação técnica de jovens. Também faço parte de um grupo de líderes que atua na formação de líderes comunitários no Grajaú [bairro da zona sul de São Paulo]. É tudo interligado — o que aprendo em um projeto aplico em outro.
“É preciso mostrar que o mercado financeiro é atrativo para mulheres, negros e outras populações”
Como avalia a inclusão feminina no mercado financeiro? As coisas mudaram desde o início de sua carreira?
Lembro bem de quando a gente começou a discutir esse tema, no final dos anos 1990. Falávamos do papel das empresas na sociedade, vivi exatamente esse momento da discussão quando os propósitos foram elaborados. Hoje existem muito mais iniciativas, mas o avanço é lento. Quando pensamos na execução, nas métricas, nas práticas, em quanto o assunto é assimilado, ainda falta.
O que é necessário para que essa questão avance?
É preciso haver uma estrutura que seja consistente. Não adianta só falar no assunto e não contratar adequadamente, ou então contratar e não apoiar, formar, mentorar, dar oportunidade. As empresas precisam de uma estrutura que garanta a evolução do projeto. É necessário mostrar que o mercado financeiro é atrativo para mulheres, negros e outras populações, e que é um ambiente onde existem milhões de possibilidades de atuação. Há alguns mitos em relação ao setor, e temos que explicar melhor as oportunidades.
“A pandemia deixou claro que, mesmo em situações extremas, conseguimos executar e transformar”
Como é sua relação com o RH?
Temos uma operação pequena, então minha relação com os diretores é próxima. No meu primeiro ano, não tínhamos um líder de RH no Brasil, somente regional, e defendemos a necessidade de ter essa pessoa aqui. Sempre participei de muitos processos nessas áreas-chaves em que a questão da pessoa é crucial. Já tivemos que demitir muita gente, realocar, negociar e, por isso, aprendi muitos elementos de RH. Fiz isso não só aqui como em outros países da América Latina, em outro banco. Gosto de entender todas essas particularidades trabalhistas, de quanto a cultura organizacional se faz por meio das pessoas — é um tema de que gosto muito e que me ensina muito.
Em meio ao contexto atual, qual é seu maior desafio?
Ter uma operação que seja consistente do ponto de vista da estratégia do negócio e garantir que a gente consiga avançar e influenciar internamente a operação. Minha posição é matricial: tenho que negociar cada elemento, seja a aprovação para um investimento, seja a contratação de uma pessoa. A dificuldade maior nesse processo é contextualizar os porquês. Principalmente em um momento como agora, com tantas outras coisas relevantes acontecendo e múltiplas crises ao mesmo tempo, você se questiona o que, de fato, é importante.
Qual lição a pandemia trouxe?
Duas questões vêm ficando claras de forma muito profunda. Primeiro que nós não temos o controle. Parece óbvio, mas não é. Devemos ter humildade para lembrar que somos pequenos, que existem acontecimentos maiores ao nosso redor. A segunda questão é o valor das relações humanas. Isso é fundamental, um diferencial para construir uma cultura de excelência no mundo corporativo, mas também para nos mantermos realizados e felizes como pessoas. Sempre acreditei no valor do coletivo. Fazer parte de um grupo ou de uma causa é muito importante. A pandemia deixou claro que, mesmo em situações extremas, conseguimos executar, reorganizar e transformar — o que aumenta nossa confiança.
Olhando para trás, o que você diria para si mesma no começo da carreira?
Talvez eu tenha ficado muito tempo voltada para a execução, e não tanto com um olhar mais voltado para o coletivo. Apesar de sempre ter gostado de fazer parte do time, priorizei a ação, o objetivo, e menos a relação com o outro. Eu me diria para dar mais peso e ênfase à comunicação, ao poder da palavra e a quanto é importante expor o que pensamos.
Clique aqui para se tornar nosso assinante e ter acesso ao conteúdo exclusivo de VOCÊ RH