Esta entrevista foi publicada na edição 70 de VOCÊ RH.
Veterinário de formação, Delair Bolis, de 48 anos, está desde janeiro de 2019 à frente da MSD Saúde Animal, multinacional que atua no mercado de saúde e nutrição animal. Liderando mais de 1.000 funcionários no Brasil, espalhados entre escritório, fábricas e campo, Bolis teve grandes desafios durante a pandemia do coronavírus: estruturar e aplicar um plano de ação para garantir a segurança de empregados e clientes e enfrentar, ele próprio, o vírus da covid-19 (que contraiu em junho). Para o executivo, o que faz a diferença é a maneira como lidamos com os problemas quando eles surgem. “O que define o resultado não é a intensidade do desafio, mas a capacidade de resposta”, diz Bolis.
Em junho, você contraiu a covid-19. Como foi a experiência?
Eu me cuidei muito, mas fiquei positivo. Lembro que numa quarta-feira tive calafrios e que, no fim de semana, quando fui brincar com minha filha, senti muito cansaço. Fiz os exames e a covid-19 foi diagnosticada, assim como o fato de meu pulmão estar 18% comprometido. O impacto é impressionante, foi um misto de sentimentos. Além do medo e da impotência, eu me senti culpado, fiquei pensando: “Onde eu errei?”. Passei 16 dias em isolamento e não pude comemorar o aniversário da minha filha.
Como foi o processo de comunicação sobre a doença?
Primeiro falei com a família e depois com o comitê de crise da MSD (do qual faço parte com mais quatro pessoas), e então conversei com o comitê executivo. Depois disso, comunicamos toda a organização no nosso bate-papo semanal virtual — que estamos fazendo desde 14 de março, quando colocamos todos os funcionários que podiam em home office, que são o pessoal do escritório e o do campo.
E a situação nas fábricas?
Em cinco dias nós construímos um plano estratégico para tratar do coronavírus, que está baseado em três pilares: proteger as pessoas, proteger os clientes e impactar a sociedade. Com três fábricas no Brasil e mais de 1.000 colaboradores, temos uma responsabilidade enorme. Nas fábricas não é possível fazer home office, mas tomamos medidas preventivas. Primeiro, identificamos e afastamos todos que são do grupo de risco — chegamos a um percentual de 12%. Além disso, remanejamos a escala de produção para operar em mais turnos e ter menos pessoas trabalhando ao mesmo tempo. Isso aumentou nosso custo, mas era necessário pela segurança. Como somos uma farmacêutica, a fábrica já tinha muitos protocolos de segurança e de biossegurança. Para nós é normal trocar de roupa, colocar máscara e higienizar as mãos.
Um dos pilares do plano estratégico é “impactar a sociedade”. Como fazem isso?
A melhor maneira de impactar a sociedade não é pelos produtos, mas pelas pessoas. Claro que um medicamento, uma inovação, uma tecnologia terão impacto, mas são as pessoas que realmente fazem a diferença. Por isso, trabalhamos fortemente o comportamento dos funcionários. Nossa universidade corporativa, por exemplo, tem como objetivo ajudar a disseminar conhecimento e multiplicar a ciência — tanto interna quanto externamente. Recentemente, conectamos produtores de animais e donos de clínicas veterinárias da Europa e da Ásia com nossos clientes do Brasil para haver troca de experiências.
Até agora, qual foi o maior aprendizado com a crise do coronavírus?
Que o digital é importante, mas a pandemia trouxe para nós a valorização do humano. A conexão emocional acontece pelo digital, mas para o ser humano a confiança é estabelecida no contato visual e físico. Temos que nos tornar mais digitais — mas muito mais humanos.
Quais serão os próximos passos?
Ficaremos fora do escritório de São Paulo até novembro. Não temos tanta necessidade de retornar e estamos redesenhando a arquitetura do escritório para ter mais espaçamento e segurança. Para o pessoal da força de vendas, que fica no campo, temos uma inteligência que analisa o status da cidade e da região de acordo com a média móvel do Ministério da Saúde para identificar se é possível voltar. Além disso, também avaliamos a pessoa, vemos se ela ou um familiar é do grupo de risco e se quer ou não voltar. Temos 15% de pessoas que não se sentem confortáveis ou são grupo de risco e as respeitamos.
Como é seu relacionamento com a área de RH?
O RH está dentro do comitê executivo, ao lado do presidente da saúde humana, do CFO e de mim. Quando há um voto de minerva, ele sempre vem do nosso diretor de RH, que também é o líder do comitê de crise. A área de pessoas tem que ajudar os profissionais a descobrir quem são verdadeiramente. O autoconhecimento é um pilar importante, que trabalhamos muito. Todo novo funcionário passa por um treinamento e recebe um livro que o ajuda a mapear seus pontos fortes.
Como funciona esse processo de descoberta?
A pessoa entende quais são suas potencialidades mais fortes e como despertar outras. É por meio do autoconhecimento que surge a motivação. Quando você descobre quem é de verdade, começa a ter coragem para agir e se mostrar vulnerável. Essa integralidade também é fundamental para nós. Temos que dar espaço para todos serem a mesma pessoa em casa e no trabalho.
Quais são as competências mais importantes para os líderes hoje?
Humildade. Quanto mais humildes formos, mais desenvolveremos as capacidades de não julgar e de escutar. Ninguém é líder, está líder — e precisamos trabalhar essa vulnerabilidade para entender que não somos perfeitos. É nos deslizes que experimentamos o conhecimento. O cuidado nesse processo é evitar a complacência. Se existe algo errado que deve ser ajustado, não podemos ignorar porque “não é a nossa responsabilidade”.
Acredita que o estilo de liderança precisa se ajustar a cada situação?
Sim. A liderança tem que ser individualizada, porque cada pessoa é diferente das outras e precisa de determinada comunicação para maximizar seus pontos fortes e se sentir inspirada. Quanto mais você consegue gerir individualmente, mais desperta o potencial do outro.