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Gestão e estratégia, segundo Henry Kissinger

O ícone vivo da geopolítica avalia os estilos de liderança de grandes personalidades do século 20: Margaret Thatcher, Konrad Adenauer e Charles de Gaulle.

Por Luisa Costa
Atualizado em 6 out 2023, 14h56 - Publicado em 6 out 2023, 11h36

Platão, Sun Tzu, Maquiavel: todos foram pensadores de peso que refletiram sobre como ser um bom líder. Agora, mais uma figura histórica se junta a esse time. Trata-se de Henry Kissinger, o responsável pela política externa dos EUA nos anos 1970, e que se tornou um ícone do século passado.     

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(Redação/VOCÊ RH)

Nascido na cidade alemã de Fürth, em 1923, de família judia, ele escapou da perseguição nazista ao se estabelecer nos EUA em 1938. Lá, estudaria história e construiria uma carreira acadêmica em Harvard. Em 1954, ingressou no corpo docente da universidade, tornando-se professor de assuntos governamentais em 1962 e diretor do Programa de Estudos de Defesa entre 1959 e 1969.

Mas foi seu livro Nuclear Weapons and Foreign Policy (“Armas Nucleares e Política Internacional”), de 1957, que o tornaria uma autoridade em estratégia. Nele, Kissinger se opunha a um ataque nuclear massivo contra a União Soviética, preferindo uma combinação de armas convencionais com armamentos nucleares táticos, menos devastadores. Seu livro posterior, The Necessity for Choice (“A Necessidade de Escolha”), de 1960, ia além, advogando pelo uso apenas das convencionais (de lado a lado, claro) no caso de um conflito entre as superpotências. Achava que o desenvolvimento de tecnologia militar não deveria ser uma corrida à toa, mas alinhado à estratégia exigida em cada situação. 

O brilho do seu pensamento não passou ao largo do governo americano. Entre 1969 e 1977, ocuparia os cargos de conselheiro para Assuntos de Segurança Nacional e de secretário de Estado (cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores no Brasil, só que mais importante, dados os tentáculos dos EUA pelo mundo). Permaneceu na função ao longo das gestões de Richard Nixon e Gerald Ford. 

Sua atuação durante a Guerra do Vietnã foi controversa. Tanto adotou uma linha dura, com papel central no planejamento dos bombardeios no Camboja (1969 e 1970), quanto assumiu a frente das negociações de paz que levariam à retirada das forças americanas do Vietnã. Por esse feito, receberia o Prêmio Nobel da Paz em 1973.

O conhecimento adquirido na política e na experiência acadêmica permitiu que Kissinger escrevesse mais de uma dúzia de livros sobre política externa e diplomacia. O mais recente é o best-seller Liderança (2023). São 500 páginas em que compartilha bastidores da política internacional do pós-Segunda Guerra enquanto analisa a trajetória e as estratégias de seis líderes que, num momento crítico de transição, teriam moldado a ordem mundial.

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Entre eles, vamos destacar três aqui: o chanceler Konrad Adenauer, símbolo do que Kissinger chama de “estratégia da humildade” ao reconstruir a Alemanha; Charles de Gaulle, que teria investido na “estratégia da vontade” ao liderar a França; e Margaret Thatcher, cuja trajetória Kissinger considera marcada pela “estratégia da convicção”, com a qual fez valer suas ideias contra uma oposição ferrenha no Reino Unido.

Estudar suas trajetórias é uma maneira de aprender sobre como liderar sem deixar que as intempéries do passado impeçam um futuro próspero. E também sobre como encontrar saídas para crises apesar das limitações que inevitavelmente aparecem – seja para o chanceler da Alemanha ou para você, que está na gestão de uma equipe no escritório ou tem de lidar com líderes no dia a dia do RH. 

Konrad Adenauer: a estratégia da humildade

ilustração de Konrad Adenauer
Konrad Adenauer confessou os crimes alemães e aceitou as penalidades impostas pelos vitoriosos. Assim, conquistou a confiança do resto do mundo e reconstruiu a Alemanha. (Henrique Petrus/VOCÊ RH)

Com 73 anos, Konrad Adenauer foi eleito chanceler da República Federal da Alemanha em 1949. Recém-derrotado na guerra, seu país estava moral e politicamente arruinado, com a economia também em frangalhos.

A tarefa de Adenauer, portanto, era reerguer seu país e restabelecer a soberania democrática para que a Alemanha, um dia, pudesse voltar a falar de igual para igual com o resto da Europa – e do mundo.

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Antes de assumir o cargo, Adenauer fez um discurso afirmando que a Alemanha só poderia encontrar o caminho para um futuro melhor reconciliando-se com o passado – e que deveria buscar seu futuro dentro de uma Europa em unificação.

Ali ele proclamava a postura que viria a adotar enquanto chanceler – a qual Kissinger chamou de “estratégia da humildade”. Ela consistia em aceitar as consequências da derrota, confessando os crimes alemães e aceitando com submissão as respectivas penalidades. Mas também em reconquistar a confiança dos países vitoriosos e reconstruir uma sociedade democrática.

O novo estatuto de ocupação da Alemanha foi apresentado oficialmente a Adenauer em setembro de 1949, na sede do Alto Comissariado Aliado (um conselho de vitoriosos da guerra para administrar a Alemanha Ocidental). Adenauer afirmara que não contestaria o prejuízo da soberania do país – “mas aproveitou a ocasião”, escreve Kissinger, “para demonstrar que o faria com dignidade e respeito”. Violando o protocolo da cerimônia, ficou junto aos três altos-comissários, indicando que a nova república insistiria em ser tratada como um parceiro igual no futuro.

Ele acreditava que mostrar resistência às várias medidas punitivas dos Aliados era um tiro no pé. “Creio que, em tudo que fazemos, devemos ter clareza de que nós, enquanto resultado do total colapso, estamos impotentes”, disse Adenauer em um discurso. “Não se pode exigir e esperar confiança logo de cara. […] ela só pode ser recuperada lentamente, pouco a pouco.”

E, de fato, baixando a cabeça, mas sem perder o norte de que lidava com o renascimento de sua nação, Adenauer alcançou o que queria. Durante seu mandato, a então Alemanha Ocidental foi admitida na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar liderada pelos EUA) e ajudou a fundar a Comunidade Econômica Europeia, que mais tarde daria origem à União Europeia.

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Adenauer alertou que “nunca se deve confundir energia com força”. Seu sucesso em recuperar a reputação da Alemanha não foi à base de músculo. Foi com jeito. Líderes de empresas podem se inspirar em seu exemplo quando as coisas não vão bem. Consultores de RH falam com frequência na necessidade de o líder assumir suas vulnerabilidades (e as da organização) para exibir a transparência que colaboradores e clientes esperam dele. É essa troca que produz confiança. Um excelente ponto de partida para companhias que precisam corrigir erros do passado – ou de uma nova chance.

Charles de Gaulle: a estratégia da vontade

Ilustração de Charles de Gaulle
Inconformado com a rendição da França a Hitler, Charles de Gaulle convocou seus compatriotas a resistir. Uma obstinação que conquistou seguidores e contribuiria para libertar Paris dos nazistas. (Henrique Petrus/VOCÊ RH)

“A chama da resistência francesa não deve se apagar nem se apagará.” Foi com essa declaração, na rádio BBC de Londres, que Charles de Gaulle começava a entrar para a história. O ano era 1940. O político e militar francês estava exilado na capital britânica, e o marechal Philippe Pétain, chefe do autoritário e antissemita governo francês de Vichy, havia assinado o armistício com as forças nazistas. Era uma rendição: a resistência oficial do país à ocupação alemã chegava ao fim. Mas De Gaulle partiu para uma estratégia autônoma.

A declaração na BBC convidava os franceses a se rebelarem contra os invasores. Foi, segundo Kissinger, “uma declaração [no mínimo] extraordinária de alguém ainda completamente ignorado pela esmagadora maioria do povo francês”, um ministro subalterno e general de baixa patente.

Àquela altura era difícil conceber que De Gaulle se tornaria um líder mítico e símbolo da própria França. Mas ele se tornou. O militar passou a fazer cada vez mais discursos incentivando a resistência. E proclamou a si próprio como líder da França Livre: uma espécie de governo no exílio que continuava a lutar contra o Eixo. De início, não havia muitos diplomatas e políticos que o apoiassem – além do primeiro-ministro britânico Winston Churchill, uma exceção de peso. 

Exilado e solitário, De Gaulle acreditava que estava predestinado a salvar seu país. E sua vontade prevaleceu: ele conseguiu atrair seguidores aos poucos, na Inglaterra e em colônias francesas, além de convencer os líderes dos países Aliados de que retomar a França era indispensável para ganhar terreno na Europa.

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De Gaulle adotou a cruz símbolo da mártir Joana D’Arc – outra figura de uma vontade inabalável – como bandeira de seu movimento. E, ao longo de uma série de batalhas, a resistência liderada pelo obstinado De Gaulle foi se estabelecendo em territórios franceses. Até finalmente libertar Paris da ocupação nazista, em 1944. 

De Gaulle chefiou a transição histórica da França de um império derrotado, dividido e sobrecarregado para uma nação próspera sob uma constituição sólida. Pela ótica de Kissinger, ele criou uma nova realidade política graças a uma força de vontade ímpar. “Para De Gaulle, a política não era a arte do possível, mas a dos determinados.”

O estilo de liderança do herói francês exige força emocional e paixão por uma causa. Seja na geopolítica, seja nos negócios. Líderes determinados são motivadores natos, inspiram suas equipes pelo exemplo, conquistam aliados na empresa para seus projetos. Gente como a empresária Ruth Handler, que, diante da descrença inicial de seus colegas, persistiu no projeto que tinha em mãos. Transformou uma boneca com corpo de adulta (algo escandaloso para os anos 1950) num dos maiores sucessos comerciais de todos os tempos: a Barbie.

ilustração
Margaret Thatcher não se curvou à oposição quando implementou reformas econômicas impopulares. A vitória na Guerra das Malvinas ajudou-a a conservar seu poder no Reino Unido. (Henrique Petrus/VOCÊ RH)

Margaret Thatcher: a estratégia da convicção

Em 1979, a Europa teve finalmente uma mulher a servir como primeira-ministra, no Reino Unido: Margaret Thatcher. A antiga potência imperial estava em declínio, com uma economia fraca e perdendo importância mundialmente. 

Defensora do conservadorismo e do liberalismo clássico, a líder britânica adotou aquilo que Kissinger chamou de “estratégia da convicção”: diante de uma resistência feroz, implementou uma série de reformas econômicas, que mais tarde receberia o apelido de “thatcherismo”. Ela privatizou estatais, eliminou subsídios dados a companhias, reduziu despesas com serviços sociais, diminuiu o poder de sindicatos e abriu o mercado financeiro a investidores estrangeiros.

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Só que, a princípio, os resultados não foram bons. A indústria encolheu, e as tensões sociais aumentaram. O desemprego disparou, de 5,3% em 1979 para 10,4% em 1981.

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(Redação/VOCÊ RH)

Por outro lado, o setor de serviços cresceu com a abertura econômica, e o de construção civil também, graças a um programa que incentivou a aquisição de moradias públicas. 

E a situação melhorou. Um boom econômico ajudaria a reduzir o desemprego no fim da década. Ainda assim, Thatcher se tornou uma figura impopular, e o próprio Partido Conservador ficou cada vez mais cético em relação a suas reformas. Até que chegou uma grande oportunidade política – e um dos principais motivos para ela não ter perdido a eleição de 1983: a vitória britânica na Guerra das Malvinas.

Essas ilhas ficam 480 km ao leste da Argentina. Território oficial do Reino Unido desde 1833, as Malvinas foram ocupadas pelo exército argentino em abril de 1982.

Thatcher investiu em recuperá-las de maneira obstinada, sob muitas críticas, mas contando com o apoio da população britânica e dos EUA. A vitória veio em apenas 10 semanas, com um grande valor simbólico. Thatcher afirmou que o Reino Unido deixava de ser “uma nação em retirada”. 

Kissinger acredita que ela liderou com tenacidade. “A convicção excepcionalmente forte e o ímpeto competitivo foram sem dúvida parte do sucesso de Margaret Thatcher.”

Acreditar firmemente nas próprias ideias é parte essencial do que todo líder deve ter para atingir o propósito de sua organização. O bom gestor deve, sim, questionar a si próprio. Mas, uma vez formada sua convicção, precisa agarrar-se a ela para atingir seus objetivos. Thatcher livrou a economia britânica da ineficiência estatal e conquistou popularidade ao vencer uma guerra em menos de três meses. Gestores convictos como ela são agentes de transformação em suas empresas.

Concorde ou não com os posicionamentos dos líderes preferidos de Henry Kissinger, o fato é que eles construíram uma nova ordem mundial. Nesse caminho, escolheram suas estratégias e se fixaram nelas até atingirem suas metas – por mais ambiciosas que fossem. É assim que se faz boa gestão, na política e no mundo corporativo.

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