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A evolução do dress code

As regras para roupas no trabalho nasceram para distinguir gestores de operários. Agora, acostumado ao home office, o colaborador quer mais flexibilidade.

Por Bel Duva
6 out 2023, 10h52
Uma fila de seres humanos com roupas de diferentes épocas
 (Davi Augusto/VOCÊ RH)
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A pandemia acelerou a flexibilização do dress code, mas ela já estava em andamento. Nos EUA, por exemplo, o faturamento com as vendas de ternos masculinos caiu de US$ 2,2 bilhões em 2013 para US$ 1,9 bilhão em 2018. E estamos falando de um negócio que, em 1948, segundo a associação americana de fabricantes de vestuário, representava US$ 12,5 bilhões em dinheiro de hoje.

Mas foi nos últimos anos que o tema ganhou força – e vem ocupando cada vez mais espaço nos debates. “Já antes da pandemia eu era convidada para dar palestras em empresas tradicionais para incentivar o dress code mais casual”, afirma a consultora de moda Thais Farage. “O terno tem parecido tradicional demais. Algumas empresas querem aderir à casualidade justamente para soar mais moderna. E, claro, o período de isolamento acelerou esse processo, assim como alterou os formatos de trabalho.”

Um fato não tão difícil de entender. De acordo com Sergio Gomes, CEO da Headhunters Academy, uma escola de formação em recrutamento, o avanço da flexibilização do dress code após a pandemia já estava dentro do esperado. “Afinal, se uma pessoa passa quase dois anos trabalhando de casa e depois volta ao ambiente corporativo, é compreensível que ela tenha expectativas por mais liberdade, conforto e bem-estar. Algo similar com o que ela vivia no home office.” 

Essa declaração está em linha com uma pesquisa feita entre 2020 e 2022, em 30 países e com mais de 4 mil pessoas, pelo instituto britânico Barrett Values Center a respeito do que o mundo espera das organizações. Entre os valores que mais subiram de posição, quando comparados às pesquisas anteriores, estão adaptabilidade e bem-estar.  

O headhunter relaciona esse resultado à redução da rigidez nos códigos de vestimenta. “Os colaboradores se sentem eles mesmos [quando vestem  o que querem], e isso traz mais engajamento. O dress code tem a ver com a capacidade de a empresa aceitar a diversidade e acolher melhor a identidade individual de cada funcionário”, afirma Gomes, refletindo sobre um conceito que segue na contramão daquilo que um dia foi.

Bonecos de humanos e roupas, ambos de papel
O dress code também tem a ver com a empresa aceitar a individualidade de cada funcionário. (Davi Augusto/VOCÊ RH)

Diferenciando o topo do chão de fábrica

O dress code é tão antigo quanto a humanidade. Na Roma do século 4, o uso de vestes de seda púrpura era restrito ao imperador e a quem ele autorizasse pessoalmente – o aristocrata que vestisse uma sem tal permissão seria decapitado.

Não surpreende, então, que os códigos de vestimenta para o trabalho tenha começado justamente com as primeiras empresas modernas, na Revolução Industrial do século 18. 

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O uso da camisa branca de escritório prevaleceu justamente por se tratar de uma roupa fácil de sujar. Só seria possível usá-la se você definitivamente não colocasse a mão na massa. Com o tempo, o pessoal da administração passou a ser chamado de white-collar (colarinho branco), em oposição aos do chão da fábrica, os blue-collar (colarinho azul), em referência ao macacão azul escuro.

Foi também no século 18 que europeus mais ricos começaram a abandonar as roupas pomposas e opulentas – que incluíam muito veludo, joias pesadas, adereços na cabeça e maquiagem (muita maquiagem) –, para dar lugar ao terno, transformando-o na roupa do homem de elite e de negócios. “Quando o ato de trabalhar passou a envolver a necessidade de locomoção frequente e o exercício de diversos tipos de tarefas ao longo do dia, a roupa do homem – não mais aristocrática, mas agora burguesa – também mudou”, conta a personal stylist Thais Farage em seu livro Mulher, Roupa, Trabalho.

Nesse contexto da modernidade europeia, o homem de classe alta agora ficava a maior parte do tempo fora de casa e adaptou sua roupa, tornando-a mais simples e discreta – diferentemente das mulheres do topo da pirâmide, que seguiam em casa com suas vestimentas elaboradas e cheias de adornos. 

O dress code não evoluiu pensando na mulher

Ilustração de roupas penduradas em cabides.
A roupa de trabalho da mulher logo absorveria a influência do dress code masculino. Uma tendência que se intensificou à medida que elas passaram a disputar espaços de poder. (Davi Augusto/VOCÊ RH)

Na formalidade da virada do século 19 para o 20, as poucas mulheres que trabalhavam em escritório se vestiam assim: vestidos ou saias longas, blusas bem fechadas e cabelos presos, enquanto os homens usavam casacos e gravatas até mesmo em climas quentes (como no Brasil). Nas décadas seguintes, os ternos masculinos foram se tornando cada vez menos formais – porém continuaram sendo o padrão. Já as mulheres passaram a ter cortes curtos de cabelo, vestidos com linhas retas, mais simples, e algumas começaram a usar golas, tendo como referência a camisa masculina. 

Durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, muitas mulheres, em caráter de emergência, ocuparam os postos de trabalho dos homens, convocados para os campos de batalha. A entrada massiva de trabalhadoras nas empresas fortaleceu a luta pela igualdade – e reverberou nos trajes. O ápice veio com a criação do tailleur Chanel, em 1954: conjunto de saia e casaquinho que é basicamente uma versão feminina do terno. 

A cultura do “colarinho solto”

Nos anos 1970, com mulheres já subindo na hierarquia corporativa, as cores mais ousadas começaram a surgir. Para os homens, ternos e calças coloridas estavam na moda: eram roupas que podiam ser usadas tanto no escritório quanto na happy hour, práticas e ao mesmo tempo elegantes. Foi o que a revista Esquire chamou de “ascensão da cultura do colarinho solto”.

Com as mulheres de fato disputando espaços e cargos de poder no mercado de trabalho, na década de 1980, os tailleurs receberam ombreiras largas, reforçando a estética masculina.

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Nos anos 1990, com exceção dos setores mais formais da economia, um vestuário inspirado no esporte começou a bater ponto nos escritórios. Jeans e até moletons passaram a ser aceitos, e o conceito de casual Friday, em que as empresas permitem que seus funcionários venham com roupas mais descontraídas às sextas-feiras, começou a se estender pelo resto da semana.

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(Redação/VOCÊ RH)

Esse caminho em direção à informalidade não tinha mais volta. Nos anos 2000, o Vale do Silício abraçou uma cultura de quebra de regras e de criatividade em detrimento da conformidade. Os homens ali já iam ao escritório de calças cáqui. E a moda athleisure (um termo que mistura “atlético” com “lazer”) invadiu de vez muitos ambientes corporativos, com seus tênis de ginástica e calças de ioga – uma tendência que se intensificou nos anos 2010.

Até o banco JPMorgan, ícone do setor financeiro, tradicionalmente sisudo, divulgou um memorando interno em 2016, flexibilizando seu dress code. Os 240 mil funcionários do banco americano podiam deixar seus ternos no armário e vestir trajes mais informais. Camisetas, chinelos e regatas continuaram fora de questão, claro, mas as camisas polo passaram a ser aceitas – e em todos os dias da semana, não apenas às sextas.

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Camisa social e cueca – mas em casa

Até que chegaram a pandemia e o home office. E trabalhar de pijama, bermuda ou só de roupa íntima, no calor, virou o padrão. Nas videoconferências, a opção mais formal na parte de cima não é necessariamente seguida na parte de baixo, a que não aparece na tela. E mesmo o corpo visível tem refletido a vestimenta que a pessoa usa em casa. Não é raro ver diretores de camiseta nas reuniões à distância. 

Pensando nas companhias em que é de bom tom preservar a formalidade mesmo nos calls, duas empresas japonesas, Aoki e Anything Inc, criaram um terno fake, que usa o mesmo tecido leve do pijama, mas com corte semelhante ao do traje sério. 

Agora, com a volta gradual aos escritórios, mesmo que no modelo híbrido, as demandas por mais flexibilidade no ambiente corporativo se estendem às regras de vestimenta. 

Mas a questão é menos simples do que parece, já que nem todo mundo se sente bem num espaço de informalidade totalmente liberada. “A maneira como alguém se veste faz parte de sua autoexpressão. Mas também separa o público e o privado”, escreveu a Economist no fim de 2021, num momento em que os escritórios voltavam a ser ocupados, ainda que timidamente. “Tirar as roupas formais e vestir algo aconchegante marca uma transição diária do trabalho para o não trabalho. Essa linha ficou confusa durante os lockdowns e poderia ser mais bem pensada.”

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A verdade é que a opção por uma maior informalidade não deve sofrer um retrocesso. As empresas precisam se adaptar ao que o momento exige – e os líderes de RH terão um papel essencial nessa transição. O aumento do dress code casual no local de trabalho é apenas um exemplo dessa mudança, à medida que os empregadores reconhecem a importância de criar um ambiente mais acolhedor. Vai ser diferente de trabalhar no quarto, de pijama. Mas quem não quer se sentir em casa no trabalho?

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(Redação/VOCÊ RH)
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