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Processos por assédio sexual crescem em 2021. Como combater esse crime?

O gestor "sem noção" pode ser um assediador, como explica especialista em assédio sexual. Entenda como as empresas devem agir nessas situações

Por Elisa Tozzi
Atualizado em 23 out 2024, 13h28 - Publicado em 25 ago 2021, 07h00
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  • Os processos de assédio sexual tiveram um crescimento em 2021. Dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostram que entre janeiro de 2015 e junho de 2021, o país registrou mais de 27.390 ações sobre o tema nas Varas do Trabalho. Apenas no primeiro semestre de 2021, houve um aumento de 21% na abertura de processos desse tipo. Os setores com mais processos são: comércio, serviços e indústria.

    As histórias são cada vez mais divulgadas. Em junho, as denúncias de assédio sexual de Rogério Caboclo, então presidente da Confederação Brasileira de Futebol, criaram uma crise institucional na Seleção Brasileira de Futebol.

    O caso mais recente veio à tona em agosto e aconteceu em uma loja da operadora de telefonia TIM em um shopping do Rio de Janeiro. Uma vendedora afirma ter sido demitida depois de denunciar, no canal de ética da empresa, uma tentativa de estupro de um colega e do gerente geral. Tudo aconteceu em abril de 2021 e foi denunciado à polícia em junho. Quando fez a denúncia no canal de ética, a vendedora não conseguiu falar com ninguém – todo o atendimento foi feito via chat, segundo o delegado responsável pelo caso. Em nota, a TIM disse que o caso está sendo tratado de forma sigilosa e que repudia qualquer tipo de assédio.

    Para André Costa, entrevistador forense e especialista em compliance e em assédio, a divulgação de histórias como essas têm um lado positivo: estimulam as vítimas a entender que estão sendo assediadas e a denunciar os agressores. Em entrevista para VOCÊ RH, o expert explica qual é o papel das empresas no combate ao assédio sexual.

    Houve um aumento nos processos no primeiro semestre de 2021. Por que isso acontece mesmo em uma época em que há mais empresas em home office?

    Primeiro, é importante destacar que muitos ramos de negócio têm sua execução exclusivamente pessoal. Cada vez mais a mídia tem relatado casos de agressão, assédio moral e sexual nas empresas gerando maior conscientização das pessoas, que começaram a perceber que aquele gestor tido como “sem noção” é, na verdade, um assediador.

    Com o home office, observamos dois cenários: positivo e negativo. Do ponto de vista positivo, temos a quebra do elo entre assediador e assediado. O funcionário ou funcionária vítima passou a ficar mais tempo longe do assediador ou assediadora e isso o fez perceber o quão inconveniente era aquele contato. A distância enfraqueceu o temor praticado por assediadores. E o ambiente residencial, normalmente menos tóxico do que os ambientes em que o assédio ocorre, fizeram as pessoas ganhar força para reportar os atos.

    O cenário negativo foi a mutação do modus operandi dos casos de assédio, agora à distância. Assediadores e assediadoras perseguem suas vítimas nas redes sociais, mandam mensagens inconvenientes, praticam stalking e expõem as vítimas em reuniões online com piadas íntimas e inoportunas muitas vezes sobre dress code, itens da casa que aparecem nas imagens etc.

    As chances de assédio não diminuíram, elas estão e sempre estarão lá. O que devemos fazer, com treinamentos e punições exemplares, é conscientizar sobre a não tolerância sobre esse tipo de conduta e reduzir o apetite de quem insiste em assim se posicionar deixando os assediadores cientes de que serão descobertos e punidos de forma rigorosa.

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    As pessoas estão mais seguras para denunciar assediadores?

    As vítimas têm visto em reportagens e nas redes sociais pessoas públicas e até celebridades sendo “canceladas”, presas e punidas por seus atos. Sempre que isso acontece, a sensação de impunidade diminui e as vítimas se sentem mais fortes para falar sobre o próprio sofrimento.

    Mesmo com aumento no número de casos, ainda é difícil denunciar um assédio sexual no ambiente de trabalho. Por quê?

    Existem vários receios. Há o medo de ser desacreditado, às vezes não existem provas, há o ambiente machista e a falta de canais seguros para realizar, acompanhar e estar protegido ou protegida contra retaliações.

    Muitas empresas não dispõem de uma estrutura adequada com expertise para gerir casos sensíveis como este. Por isso, consultorias externas especializadas são importantes para tratar o caso de maneira técnica, imparcial e efetiva. Ao conversar com alguém de fora da empresa, vítimas e testemunhas sentem-se mais confortáveis para dizer a verdade, pois não temem que o apurador tenha relacionamento de coleguismo com o denunciado. Existem situações em que o assediador é um diretor e a denúncia deve ser realizada para o seu par, por vezes ambos são amigos, frequentam eventos juntos e inclusive têm contato de amizade pessoal.

    Além de canais de denúncia, o que as empresas devem fazer para impedir que esse tipo de crime seja cometido?

    É preciso trabalhar ao mesmo tempo as ações preventivas e reativas. Primeiro, as empresas devem deixar claro em treinamentos as posturas desejadas e as não toleradas. Devem dizer claramente que se um funcionário fizer tal conduta será punido. É importante também, no campo de treinamentos, orientar sobre como se fazer uma denúncia em caso de ocorrência de condutas indevidas. Ainda no campo preventivo, os líderes devem acompanhar de perto grupos virtuais corporativos, condutas no interior das áreas, no refeitório e mesmo fora da empresa, reportando formalmente para a companhia qualquer indício de conduta indevida.

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    Do ponto de vista reativo, as empresas devem, obrigatoriamente, tratar todo princípio de conduta de assédio sob pena de responder pelo crime por omissão. Pessoas devem ser ouvidas, a propriedade tecnológica deve ser analisada e, em caso de identificação de desvios de conduta, punições exemplares devem ser realizadas.

    O que uma pessoa pode fazer quando o assédio acontecer? 

    A primeira atitude é interromper a ameaça de imediato, sair do ambiente, encerrar a conexão, descer do veículo. Depois, é preciso organizar toda forma de documentação do fato, sejam mensagens, testemunhas, gravações ou quaisquer outros elementos. Ainda que não se tenha provas, é necessário escrever detalhadamente o que ocorreu enquanto o evento ainda está vivo na memória. Importante ter nesse relato o maior número de detalhes e informações, como horários, palavras e ações, por exemplo.

    Então, deve-se reportar formalmente para os canais de denúncia da companhia. Se a empresa não dispuser de um canal, utilizar-se de uma forma documentada de comunicado, seja por e-mail ou carta impressa assinada. Nunca faça uma denúncia apenas verbalmente. Dependendo da potência do ato ou da percepção da vítima, um boletim de ocorrência também será valido, pois trará maior legitimidade para o ocorrido. O principal é não se sentir culpada ou culpado, não se intimidar e não deletar provas. Muitas vezes, as vítimas deletam mensagens e evidências na tentativa de esquecer o evento.

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    Qual é o papel do RH na prevenção e no combate ao problema?

    O RH, assim como todas as demais áreas envolvidas, tem o dever de vigilância do ambiente, orientação em treinamentos e participação ativa na tomada de decisão exemplar em resposta ao evento identificado. É preciso ser claro e trazer casos práticos do que se espera e do que se repudia. Recentemente fiz vários treinamentos relatando que printar fotos das colegas no Instagram e compartilhar em grupos da empresa é passível de demissão, por ato lesivo à honra, conforme inciso J do Artigo 482 da CLT. E essa era uma conduta que estava ocorrendo na companhia. A prática, que configura stalking, invasão de privacidade e constrangimento, pode ensejar uma justa causa e se o contato da vítima foi obtido por meio da empresa, isso também está previsto no inciso B do Artigo 482, que trata da justa causa por incontinência de conduta ou mau procedimento.

    No caso do episódio da TIM, há uma discrepância entre o que a empresa defende institucionalmente e o comportamento dos funcionários no dia a dia do trabalho. Como evitar que isso aconteça?

    É importante destacar que o princípio de “ilhas” também se aplica para questões éticas. É possível que uma loja veja o gerente como “a empresa”. Justamente por isso, desvios tolerados ou praticados por ele torna-se “a regra do pedaço”. É importante reforçar a unidade da cultura desejada e, acima disso, a visão de que, do ponto de vista ético, não há hierarquia: todos podem ser denunciados e sofrerem punições.

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    Treinamentos e punições isonômicas e imparciais são importantes, pois quando os funcionários observarem altas hierarquias respondendo por seus desvios, a visão de “ilha” desaparecerá pouco a pouco da organização.

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