ois grandes tombos na área de tecnologia deram o tom das discussões empresariais nestas últimas semanas: FTX e Twitter. A FTX era uma corretora de criptoativos especializada em derivativos digitais, que são produtos financeiros baseados em estimativas sobre o comportamento futuro das moedas digitais, incluindo uma criada pela própria empresa, cujo valor de mercado chegou a U$30bi.
A história da FTX é a da capacidade do seu fundador, Sam Bankman-Fried, ou SBF, um jovem prodígio, de desafiar o status quo. A empresa foi criada nos Estados Unidos, deslocada para Hong Kong e dali para as Bahamas, onde operações financeiras vedadas na maioria dos países podem ser exercidas com liberdade.
Junto à FTX, o empresário mantinha um fundo de investimento chamado Alameda. Aquela fez uma série de transações suspeitas com esta, o que vazou para o mercado, criando uma onda de pedidos de saque, a notícia de que a corretora havia sido hackeada agravou a situação. O resultado foi o seu colapso em menos de 10 dias, o que muitos vêm chamando de Lehman Brothers do mundo cripto, em alusão ao banco-símbolo da crise de 2008. Mais de um milhão de pessoas perderam dinheiro com a quebra da FTX.
Assim como se deu em relação à Elizabeth Holmes, menina-prodígio por trás da fraudulenta Theranos, sentenciada a 11 anos de cadeia, a expectativa é que SBF cumpra uma longa sentença de prisão. O caso do Twitter é diferente. Elon Musk fez uma oferta agressiva de compra da empresa, que inicialmente a recusou. Porém, o bilionário de origem sul-africana criou tamanha pressão sobre o conselho, que se viu forçado a aceitá-la. Acontece que este processo levou a uma queda substancial no valor das ações da empresa, o que fez Musk querer desistir do negócio. O caso foi judicializado. Percebendo que iria perder na corte, Musk adiantou-se e concluiu a aquisição.
O início da gestão Musk como CEO do Twitter foi um dos mais caóticos da história da modernidade digital. Ele fez demissões em massa, das quais se arrependeu, perdeu patrocinadores às centenas ao colocar em cheque os mecanismos de moderação de conteúdo, além de ter criado, removido e reintroduzido funcionalidades desconectadas dos interesses dos usuários. No momento, a visão dominante no mercado é de que existe risco real de o Twitter declarar falência, encerrando seus serviços. Se isso acontecer, o mundo ficará sem a sua ágora de debates político-institucionais.
Esses dois casos ilustram um problema prevalente no mundo atual: a cultura de líderes altamente centralizadores, que decidem o rumo de empresas enormes, sem passar pelo escrutínio de ninguém. Ainda que esses casos sejam extremos, é comum encontrar empresas em que o CEO tem muito mais poder decisório do que seria recomendado. Isso não significa que colegiados sempre decidam melhor do que pessoas isoladas; há estudos afirmando e estudos negando isso. A grande questão está no escrutínio das decisões tomadas antes de chegarem ao mercado.
O que os estudos em economia comportamental revelam é que líderes que agem sem consultar ninguém tendem a formar modelos da realidade cada vez mais distantes do status quo, o que os leva a entrar em choque com o seu público e seus aliados estratégicos. Isso ocorre porque a reafirmação prepotente das lógicas pessoais conduz à ampliação de vieses analíticos preexistentes.
A ideia é que todos temos vieses, os quais tendem a ser mitigados pelo contraditório, mesmo quando levamos a melhor nas discussões concernentes. Em contraste, a falta de debates francos naturaliza esses desvios de entendimento, dando-nos a certeza de que refletem a realidade compartilhada, quando não é o caso.
SBF achou que poderia fazer barbaridades financeiras pois possuía credibilidade inabalável no mundo cripto; Musk achou que poderia tratar os funcionários do Twitter de maneira tão ríspida quanto costuma fazer na Tesla, ignorando a cultura de startup da nova empresa. Em ambos os casos, os resultados foram desastrosos, assim como está sendo para o Putin e como, mais cedo ou mais tarde, é para todo reizinho mandão.
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