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Isis Borge

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Executive Director Talenses & Managing Partner Talenses Group
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Liderança às avessas: o que ela tem a nos ensinar

Muitos líderes agem em prol de suas próprias agendas ocultas e não a favor das organizações que os contratam

Por Isis Borge, colunista de VOCÊ RH
Atualizado em 4 mar 2022, 10h20 - Publicado em 11 fev 2022, 09h25
Homem trabalhando no escritório usando fone de ouvido
 (Andrea Piacquadio / Pexels/Divulgação)
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m determinado profissional sempre desejou ser um gestor. Vinha de uma família de altos executivos e, desde cedo, sabia que queria estudar para poder estar em uma posição de comando de alguma grande organização. Bem preparado, conseguiu ser aprovado em um concorrido programa de trainee, iniciou a jornada profissional com os tradicionais job rotations por diferentes áreas da empresa e, ao final do programa, foi alocado como supervisor de produção.

O cargo, ao seu ver, ainda não estava condizente com o que ele almejava na carreira. Afinal, ele se vê quase pronto para ser o diretor da fábrica. Mas aceita a posição, considerando a reputação da empresa no mercado e por valorizar o glamour de poder dizer aos amigos que já tem uma equipe de mais de cem pessoas sob o seu comando.

No dia a dia, esse profissional prefere não transitar por certas áreas da linha de produção, seja pela falta de ar-condicionado no ambiente, seja porque os colaboradores costumam abordá-lo com dúvidas sobre temáticas que ele não sabe se aprofundar e não quer — de jeito nenhum — demonstrar essa falta de conhecimento. Prefere passar os dias indo levar chocolates ao gerente da planta e transitando por reuniões, enquanto finge entender sobre todos os temas abordados.

Sente-se motivado por aceitar uma série de propostas de reduções de custos, ainda que não tenham muitos embasamentos técnicos por trás. Frequentemente, entra em altos entraves com os fornecedores que ousam atrasar algum item de abastecimento da linha. Ao seu ver, os sensores e contêineres deveriam estar disponíveis a eles. No quesito liderança, se diverte gritando, de tempos em tempos, quando vê alguém distraído na linha de produção, mas chora na reunião com o sindicato quando eles ameaçam parar a linha dele.

A produção da fábrica é dividida com outro profissional, que ele vê como um inimigo mortal. Afinal, no próximo nível da pirâmide, para o qual ele deseja subir, só existe uma cadeira. Portanto, no entender dele, é claro que eles não podem ser amigos. Inclusive, em decorrência desse pensamento, instiga as suas equipes a competirem e sabotarem as linhas de produção e as equipes que estão sob a responsabilidade desse par.

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Quando a empresa recebe algum visitante de outro país, ele não perde a oportunidade de utilizar o inglês e tecer críticas relacionadas ao diretor da planta. O objetivo desse profissional é evidenciar que ele é alguém muito mais preparado para estar na direção da fábrica. Afinal, o seu plano é ser presidente daquela companhia em cinco anos.

Se alguém o chama para uma reunião de feedbacks, ele procura dominar a conversa, não deixando a outra parte falar. Também tem na ponta da língua todos os argumentos de defesa, reforçando o quanto o outro está errado. Diante de uma negativa qualquer, se sente tão ofendido, tão certo de que não está sendo valorizado, que acaba se abrindo para avaliar as oportunidades do mercado.

Ele se dá bem no processo seletivo. Alguns fatores o ajudaram, como a qualidade da faculdade que ostenta no currículo; a fluência em inglês e espanhol, graças a intercâmbios fora do país para imersão nos idiomas; e também pela boa comunicação e articulação do discurso nas entrevistas. Nessa movimentação, ainda consegue ser promovido a gerente de planta e sai tirando o sarro das pessoas com as quais dividia o expediente no antigo empregador.

Na nova organização, fica entusiasmado por ter supervisores e gerentes sob o seu comando. A planta não é enorme, mas o status de ser o responsável por tudo compensa. Agora, na posição de gestor de líderes, se vê com uma ótima oportunidade de obter as informações por espionagem, pedindo para que cada um de seus liderados entregue as falhas de seus pares. Se diverte fazendo a gestão por conflito e observando os seus liderados se enfrentarem nas reuniões de time.

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Dessa vez, fica bem longe da fábrica, em uma sala de porta fechada para que ninguém da estrutura ouse interrompê-lo. Afinal, já é o gerente e não tem tempo para os colaboradores da fábrica. Se esmera em apontar erros da gestão anterior e também busca se apropriar das boas ideias de seus liderados não dando os devidos créditos. Não entende o porquê, sob a sua gestão, o grau de produtividade da planta caiu, os inventários estão apresentando uma menor acuracidade e os fornecedores continuam falhando nas entregas de alguns itens primordiais.

Acredita que tudo pode ser uma perseguição. Então, decide ser mais duro com as pessoas e vencê-las pela força e humilhação. Em sua sala, gosta de passar uma parte do tempo entre duas atividades: acompanhando as curtidas em suas mídias sociais ou brincando na bolsa de valores pelo celular. Tem o plano secreto que, se tudo der errado, ele ainda pode ficar milionário aplicando o dinheiro que ganha da maneira certa, e essa é uma das poucas coisas que sabe fazer bem.

Passado pouco tempo, conclui que aquela organização não o merece mais. Afinal, nela as pessoas não sabem fazer nada certo. Passa a ser um ferrenho defensor das próprias ideias, criticando abertamente o seu gestor direto e também os seus liderados. Após alguns meses dessa prática contínua, é surpreendido com uma carta de demissão. Conclui que o seu gestor o demitiu por se sentir ameaçado pela sua presença.

Em busca de recolocação, alega nas entrevistas de emprego que a demissão foi reflexo de uma redução de custos e quadro de colaboradores devido às incertezas da pandemia. Rapidamente consegue uma nova empresa disposta a contratá-lo e o ciclo se repete mais uma vez, com base em uma liderança que não tem empatia pelas pessoas e age com autoritarismo e por status, acreditando firmemente que esse é o caminho para chegar à presidência e ao tão almejado dinheiro.

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Os anos vão passando e esse profissional segue sua jornada mudando de emprego e deixando uma onda de destruição por onde passa. Em suas áreas, o turnover é sempre acima da média do restante da organização, mas ele se orgulha da situação, justificando ter o perfil de um executivo de turnaround. Com o tempo, percebe que pode tocar o terror em seus liderados, sem deixar de parecer manso e solícito diante de seus gestores e enquanto vai seguindo em sua jornada rumo ao topo da organização.

Manipula os resultados visando obter o máximo de bonificação em cada empresa por onde passa. E as companhias, sem investigar tão profundamente seu histórico profissional de resultados e relacionamentos, acreditam na história bonita que ele conta nas salas de entrevista e vão lhe dando um voto de confiança. Quando a máscara cai, o estrago na estrutura já está feito.

A história acima pode parecer absurda e digna de um roteiro de ficção, mas ela é muito mais comum do que você pode imaginar. Vejo que ainda existem muitos indivíduos em cargos de liderança motivados apenas pelo status dessa posição de comando e decisão e, claro, pelo retorno financeiro que ela gera, que agem em prol de suas próprias agendas ocultas e não a favor das organizações que os contratam.

É desses e outros exemplos que vem a necessidade de um processo seletivo bem estruturado, com a eficiente checagem de referências 360 graus, na qual se considera a percepção não apenas de gestores, mas também de pares e subordinados. Vale, ainda, ligar para pessoas aleatórias das empresas pelas quais o candidato passou.

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A aplicação de testes comportamentais também é uma ótima aliada para identificar mais detalhes do perfil do profissional, enquanto entrevistas mais estruturadas, com entrevistadores experientes, podem ajudar os recrutadores a identificar inconsistências entre o discurso e a realidade. A questão é que, mesmo com uma pulga atrás da orelha, algumas organizações acabam arriscando contratar um profissional diante de um currículo que estampa uma boa formação, proficiência em idiomas e passagens por empresas reconhecidas. Em alguns casos, o candidato causa tão boa impressão que o novo empregador nem se dá ao trabalho de checar referências.

Enfim, minha intenção ao apresentar um caso de liderança à avessa é estimular a reflexão sobre como podemos ser líderes melhores. Aos profissionais de recrutamento e seleção fica o meu alerta: um processo bem-estruturado pode ajudar a minimizar contratações erradas e consequentes impactos negativos no todo da organização.

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