ara a pessoa que possui um currículo brilhante e uma gama estonteante de qualificações, que desfruta de um salário invejavelmente alto e carrega todo o prestígio e a responsabilidade que a acompanham, pode parecer impossível acreditar em uma verdade universal sobre a vida: muitas vezes não sabemos bem quem nós somos. Não quero dizer, claro, que não lembramos o básico de nossas biografias. Tendemos a saber, muito confortavelmente, que tipo de comida gostamos de comer ou quais destinos de férias nos parecem mais atraentes.
Apesar disso, normalmente, não temos certeza sobre duas coisas em particular: não temos uma noção estável do quanto valemos e nem sempre temos um controle seguro de nossos próprios valores ou julgamentos. Isso não acontece por causa de alguma fraqueza particular. Na verdade, uma das razões pelas quais não nos aprofundamos no autoconhecimento é que nossa sociedade costuma ser muito boa em nos fornecer respostas prontas.
É comum nos limitarmos a validar nossas carreiras e encontrarmos nosso senso de autoconfiança com base em acontecimentos externos, como promoções de cargo ou aumentos salariais. Afinal, o mundo do trabalho é muito bom em atender a esses momentos de satisfação do ego. A grande questão é que, em momentos como esses e outros, nem sempre fica claro para líderes ou liderados que a ausência da autoconsciência existe, que ela é um dificultador no dia a dia e pode resultar em vários problemas diferentes.
Os riscos da falta de autoconsciência
Sem saber quem somos, no sentido mais profundo, tendemos a ter problemas específicos para lidar com a difamação ou a adulação. Se outros decidirem que fizemos um trabalho ruim, não haverá dentro de nós algo que nos impeça de engolir os veredictos em sua totalidade, por mais equivocado ou indelicado que seja o comentário do outro. Podemos, facilmente, nos tornar impotentes perante o tribunal da opinião pública – o que pode derrubar nossa capacidade de tomar iniciativa – ou podemos concordar em assumir papéis e compromissos contra os quais lutamos e nos arrependemos.
Como diz Ruthie Bubis, membro do corpo docente da The School of Life em Amsterdam, “no trabalho, é muito comum focar no que as outras pessoas pensam, no que as outras pessoas esperam de nós”. Certa vez, em uma conversa, ela destacou que “acabamos gastando muita energia nos preocupando com essas coisas externas, quando – com um pouco mais de autoconsciência – acharíamos mais fácil focar no que realmente está sob nosso controle: as coisas que escolhemos e as decisões que tomamos por nós mesmos”.
A importância de saber dizer não
Sem autoconhecimento temos mais chance de dizer um “sim” não calculado a pessoas, situações e oportunidades, pelo simples objetivo de sermos positivos ou aceitos. O que, em geral, não nos damos conta é que essa reação impulsiva prejudica a qualidade da nossa satisfação no dia a dia. Nosso tempo aqui na Terra não é ilimitado. Quando dizemos “sim” para algo, automaticamente, dizemos “não” para outra coisa, que, às vezes, pode ser nossos propósitos, nossas crenças, nossos valores ou nosso bem-estar. É fundamental que a gente se sinta no controle de nós mesmos para encontrarmos motivação e realização nas diferentes áreas da vida, inclusive no trabalho.
Autoconhecimento não é apenas sentir-se seguro
Envolve um interrogatório cuidadoso de nossos próprios pensamentos, algo que nos permite entender completamente o que acreditamos: sobre nós mesmos e o mundo em geral. Ao explorar diferentes aspectos de nossa personalidade, podemos colocar o nosso eu autêntico mais à disposição do trabalho e da relação com a equipe. Na prática, isso nos permite trabalhar menos por obrigação e mais por se conectar com as coisas que realmente nos motivam.
Uma vez que você sabe o que está sob a sua própria superfície, pode trazer diferentes partes de si mesmo para o mundo, pode ser mais consciente sobre seu comportamento, dando destaque para diferentes elementos de sua personalidade nos momentos certos. Quando nos conhecemos, ficamos um pouco menos famintos por elogios, um pouco menos preocupados com a oposição e muito mais originais em nosso pensamento.
A autoconsciência nos ensina a arte vital de conhecer e fazer amizade com quem realmente somos. Chegar a um lugar de autoconhecimento nos permite fazer escolhas mais conscientes sobre como nos comportamos, quais oportunidades buscamos e como nos sentimos realizados. Pois como disse o filósofo francês Michel de Montaigne, “a melhor coisa do mundo é saber como pertencer a si mesmo.”