“Sempre vejo anunciados cursos de oratória.
Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar…
Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória,
mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.”
Rubem Alves
Rubem Alves se surpreenderia com tantas pessoas querendo – e precisando – aprender a escutar. Mas ainda afirmaria que essa habilidade é complicada e sutil, ainda mais em tempos de infoxicação, excessos de conteúdos e muitas vozes precisando ser ouvidas.
Seja nas relações familiares, amorosas ou profissionais, criar espaços de escuta propiciaria mais diálogo, em vez de apenas termos monólogos ou conversas sem conexão efetiva. E não é simples, porque requer mudar o mindset: da comunicação como transmissão de conteúdo, de uma predisposição em aconselhar ou provar o próprio ponto, da lógica comando-controle e de autoritarismo como formas de conseguir o que se quer. Mais do que isso, é preciso uma boa dose de coragem. Como dizia Winston Churchill, é preciso coragem para levantar e falar; é também preciso coragem para sentar e escutar.
Há quem associe a escuta com ser bonzinho/boazinha ou permissivo/a. E é aí que mora uma outra confusão: escutar e ser empático não é ser simpático nem se colocar no lugar do outro, pois o risco é querer resolver o problema da outra pessoa com base na sua forma de ser e ver o mundo. Empatia requer criar espaço, deixar o outro se expressar, exercitar o seu sentir, perguntar, construir junto. Como bem nos ensina Brené Brown, a empatia não nos torna bons, ela nos faz bem; é um grande antídoto para a vergonha e um incentivador para a coragem de ser imperfeito.
Mas veja que contradição: escutar de forma empática requer pausa, presença, atenção e vivemos num mundo acelerado, com pressa para cumprir agendas desumanas, agindo no modo piloto automático mesmo em momentos de lazer.
A força da Comunicação Não Violenta
Talvez por isso a Comunicação Não Violenta (CNV) tenha ganhado grande proporção em diferentes contextos, dos profissionais aos familiares. Vista muitas vezes como um método, com passos a serem seguidos, pode tornar concreto o que é, afinal de contas, vivenciar a escuta e a empatia.
Mas é preciso compreender observação, sentimentos, necessidades e pedido não como passos, dicas ou um método pelo método. Marshall Rosenberg, psicólogo e autor que sistematizou e disseminou a CNV, já alertava ser esse um instrumento eficiente e oportuno para capacitar aqueles que visam se autoeducar para restabelecer confiança mútua entre pessoas, instituições e países. A CNV é profunda, transformadora, propicia novos meios de ser e estar no mundo, se baseia no princípio da não violência (não violar o espaço do outro), é uma via de autoconhecimento, permite abrir canais de diálogo em situações de conflitos e nas situações mais corriqueiras.
Vivenciá-la requer mais uma boa dose de coragem, de reconhecer quem somos e o que valorizamos, nomear sentimentos que nem sempre conhecemos, ouvir e perceber que nem sempre compartilhamos valores mesmo com quem mais convivemos e amamos, quanto mais com quem não temos afinidade e convivemos apenas por relações de trabalho.
Por que enfatizo isso nesta coluna dedicada à Comunicação Não Violenta? Porque mais do que lembrar dos pilares e usá-los sistematicamente, lembre de perceber em você e no outro o que está vivo em cada interação. Só assim é possível criar pontes e não muros entre as pessoas; sair do vitimismo e da culpabilização e passar a atuar de forma corresponsável, praticando a auto empatia e a empatia com o outro.
Vale fazer essa escolha corajosa. De sentar, estar presente, escutar. Em alguns dias, será difícil, conflituoso, e ali serão criadas pontes. Em outros dias, será enriquecedor, leve, e ali também serão criadas pontes. Com a arte da escutatória, poderemos colher ambientes de mais diálogo, colaboração, confiança e diversidade de ideias, ações e modos de ser e estar no mundo. O presente que podemos nos dar e dar aos outros é transformar em leveza desafios diários de comunicação.