Desde a morte de Beto Freitas, no final de 2020, homem negro assassinado por seguranças terceirizados contratados pelo Carrefour, a rede de supermercados criou uma série de iniciativas para combater o racismo. Uma das mais recentes, anunciadas em abril, é uma cláusula antirracismo que faz parte, desde janeiro, de todos os contratos com fornecedores. “Descumprir as obrigações pode causar a exclusão de fornecedores e o pagamento de uma multa contratual de 30%, que será destinada a uma causa social de combate ao racismo”, diz Cristiane Lacerda, diretora de RH do Grupo Carrefour Brasil.
Além disso, a empresa está treinando seus mais de 95.000 funcionários no tema e tem a meta global de ter 50% do quadro da companhia formado por negros até 2025. No Brasil, segundo a executiva de RH, 63,5% dos funcionários e 54% da liderança se autodeclaram pretos ou pardos. “Mesmo com o alto contingente interno de diversidade, nos comprometemos com o percentual mínimo de 50% de pessoas negras nas novas contratações, inclusive com a realização de programas de Estágio e de Trainees exclusivo para pessoas negras”, diz Cristiane.
Do ponto de vista de desenvolvimento de carreira, a varejista também está fazendo esforços para estimular os profissionais negros. “Nos comprometemos a oferecer qualificação para 100 negros e negras por ano para aceleração na carreira, permitindo que cheguem mais rapidamente a cargos de liderança”, explica a executiva. Além disso, está nos planos da empresa criar um Programa de Inclusão de empreendedores, que vai investir em redes incubadoras e aceleradoras negras no Rio Grande do Sul, além de financiar cursos técnicos e acadêmicos nas áreas de Tecnologia e Gastronomia para formação de profissionais para o mercado de trabalho.
O racismo no Brasil
Ao lado do instituto Locomotiva, o Carrefour aplicou uma pesquisa sobre o racismo nas organizações brasileiras feita com 1.630 entrevistados em 72 cidades. E alguns dados são reveladores: 64% dos entrevistados acreditam que o racismo é uma ação de indivíduos e não de uma cultura de exclusão, e mais da metade (59%) acredita que pessoas brancas também são vítimas de racismo – o que, segundo Renato Meirelles, fundador do Instituto Locomotiva, não faz sentido algum. “Essa afirmação não faz sentido a partir do momento em que se encara a realidade: situações, oportunidades e ocorrências a partir de fatos e números colocam as pessoas negras em desvantagem apenas pela cor da pele”.
Prova disso é que a ocorrência de violência entre os negros é maior, de acordo com a pesquisa: 54% dos negros já foram abordados pela polícia e com boa parte deles isso aconteceu várias vezes. “Quando se fala de pessoas de pele preta, especificamente, 66% se sentem desrespeitados com essa abordagem. Entre as pessoas brancas, o número cai para 29%”, diz Renato.
Outra questão que veio à tona com o levantamento é o desconhecimento sobre o que é, de fato, o racismo estrutural. “É o fato de as pessoas serem discriminadas, mesmo que essa discriminação não seja racional. Quando a pesquisa aponta que apenas 4% dos brasileiros assumem que são racistas, mas 13% afirma que acha negativo ter pessoas negras no mesmo supermercado que frequentam, isso é racismo estrutural”, explica Renato. “As consequências são drásticas: mais pessoas negras são vítimas de violência, pessoas negras não se sentem à vontade de circular em espaços públicos, pessoas negras não têm as mesmas oportunidades de emprego e isso talvez não tenha nada a ver com a sua formação. Existe um desequilíbrio e isso é racismo estrutural.”