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Empresas criam programas para contratar profissionais neurodiversos

Objetivo é aumentar a inclusão de pessoas com autismo, dislexia e outras condições neurológicas diferentes das consideradas típicas

Por Paula Simões
Atualizado em 27 jan 2023, 10h38 - Publicado em 1 abr 2022, 07h01
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egundo a Organização Mundial da Saúde, 1% da população mundial tem Transtorno do Espectro Autista (TEA). Já a estimativa do número de crianças e adultos com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é de até 4%. Essas e outras condições, como a dislexia, que dificulta o aprendizado, a leitura e a escrita, e a síndrome de Tourette, que desencadeia tiques motores e vocais, são consideradas neurodiversas ou neurodivergentes, porque se referem a características neurológicas diferentes das consideradas típicas.

Geralmente, esses transtornos são relacionados a crianças e adolescentes, mas há muitos adultos neurodiversos, inclusive não diagnosticados. E essa parcela da população encontra dificuldade de acesso ao mercado de trabalho ou de progressão de carreira. Mas as empresas estão começando a entender que a integração desse público é fundamental e necessária para os negócios. “Existem funções que possuem alta rotatividade por causa do tipo de trabalho, muitas vezes repetitivo e suscetível ao erro. Uma pessoa do espectro autista, por exemplo, que tem características como hiperfoco, pode desempenhá-las com melhores resultados de produtividade”, diz o psicólogo Marcelo Vitoriano, CEO da Specialisterne Brasil, organização sem fins lucrativos que qualifica e inclui pessoas com autismo em empresas.

Movimento crescente

A Danone, multinacional do ramo alimentício, é uma das empresas que estão trazendo neurodiversos para seu quadro de colaboradores. Atualmente são quatro funcionários, todos na área de tecnologia, mas o desejo é expandir a iniciativa para outros setores. “Tínhamos dificuldade com algumas vagas e encontramos em pessoas do espectro autista as características importantes para o nosso negócio”, afirma Letícia Araújo, líder de cultura, inovação e diversidade da Danone. Antes de receber esses funcionários, a companhia realizou um workshop com o gestor da área e toda a equipe, para que os acolhessem de maneira inclusiva e empática. Além disso, o RH faz acompanhamento periódico da evolução desses contratados.

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Uma das formas que as empresas têm encontrado para iniciar programas de atração e desenvolvimento de neurodiversos é criar um comitê para discutir o tema. E, a partir dos estudos e debates surgidos dessas conversas, encontrar estratégias que façam sentido para a companhia.

A farmacêutica AstraZeneca acaba de formar um grupo de afinidade, com participação voluntária dos funcionários, para discutir ações nessa área. A iniciativa, chamada Think, já existe em outras unidades da companhia no mundo. “A primeira missão é elevar o nível de consciência das pessoas sobre o que é neurodiversidade e entender quais são os desafios de quem tem ou convive com quem tem”, afirma Rafaella Lopes, diretora de recursos humanos da AstraZeneca Brasil. “O próximo passo é incluir esses grupos ativamente no nosso time.”

A biofarmacêutica global Takeda iniciou dessa forma sua experiência com diversidade neurológica, em 2019, debatendo o tema nos comitês de diversidade e inclusão, que se tornaram uma área estratégica da companhia em 2021. Atualmente, a empresa conta com um projeto piloto desenvolvido em parceria com a Specialisterne que permitiu a contratação de quatro funcionários com TEA para as áreas de RH, medical affairs, neurociência e business operation. “Nosso colaborador de recursos humanos é extremamente detalhista e muito focado, gosta de trabalhar com planilhas e com tecnologia, mas não se adapta a um ambiente com muito barulho”, afirma Eliane Pereira, diretora executiva de RH da Takeda. “Então analisamos qual função seria mais adequada a ele e como colocá-lo num ambiente tranquilo.” Segundo Eliane, a primeira semana do novo funcionário foi fundamental para entender melhor a importância de fazer ajustes na rotina. Ela conta que, nos dias iniciais, o recém-contratado terminou suas tarefas muito rápido e ligou para a consultoria para relatar que estava se sentindo ocioso. Então, o gestor realinhou o plano de tarefas.

Conhecer para acolher

A adaptação de algumas práticas é realmente um dos pontos mais importantes para as empresas que queiram ampliar seus programas de inclusão para neurodiversos. Nos processos seletivos, por exemplo, as tradicionais dinâmicas de grupo, que favorecem candidatos que se mostram falantes, sociáveis e criativos, podem ser um desafio para quem tem TEA ou transtorno de ansiedade. Por isso, é necessário pensar em atividades de menor exposição, que possam identificar o potencial e as habilidades de quem não se enquadra no padrão.

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Para integrar um funcionário neurodiverso, vale criar workshops para que as equipes entendam as características desses profissionais e saibam de que forma tornar o ambiente mais acolhedor também para ele. Entre as situações que podem surgir com os colegas está a tendência de uma pessoa com espectro autista sentir ansiedade por precisar estar em grupo em diversas ocasiões e preferir almoçar sozinha. Para as lideranças, pode ser necessário realizar um treinamento mais aprofundado, para que comportamentos como a dificuldade de socialização não sejam rotulados como falta de comprometimento desses profissionais com a equipe. Outro atributo que pode caracterizar pessoas com TEA é a necessidade de receber respostas mais objetivas para suas dúvidas e instruções mais detalhadas e claras sobre as tarefas que devem cumprir.

O ambiente corporativo também merece atenção. Alguns neurodiversos têm hipersensibilidade auditiva, podendo preferir trabalhar com fones de ouvido para isolar o barulho ao redor, e visual, precisando de pausas para se afastar de fontes de luminosidade, como a tela do computador, ou até usar óculos escuros durante o expediente. Funcionários com TDAH também tendem a se beneficiar de locais mais intimistas, que não sejam fonte de distrações. Portanto, se possível, é válido manter espaços como salas ou pequenos lounges em que os profissionais possam trabalhar quando precisarem de mais tranquilidade.

Sem rótulos

É importante entender que, entre os neurodiversos, há grandes diferenças. Enquanto alguém com TEA tende a se sair bem em atividades que exijam atenção, uma pessoa com TDAH sente enorme dificuldade. Também é preciso cuidado para não superestimar habilidades com base em estereótipos, como o de que todas as pessoas com TEA são excelentes em matemática e tecnologia. “Em todos os casos, é essencial também saber interagir com essas pessoas sem infantilizá-las, tratando-as como profissionais”, afirma a psicóloga comportamental Marina Almeida, do Instituto Inclusão Brasil.

Naturalizar e acolher as diferenças pode, inclusive, incentivar que outros funcionários com as mesmas condições assumam suas necessidades. “Às vezes, uma pessoa consegue se adequar ao meio em que está, mas à custa de um esforço gigantesco. Quando a empresa começa a trazer o tema, esse funcionário se sente mais à vontade e seguro para se expor e procurar o RH”, afirma Marcelo Vitoriano, da Specialisterne.

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Taletos múltiplos

Pessoas diferentes não precisam ser curadas, e sim empreendidas e integradas. Conheça boas práticas para incluir e desenvolver profissionais neurodiversos.

Na entrevista

Pessoas com Transtorno do Espectro Autista costumam ter dificuldade em manter contato visual e entender frases genéricas, como “fale sobre a sua carreira”. Seja objetivo e considere essas peculiaridades nas linguagens verbais e não verbais.

Na seleção

As dinâmicas de grupo podem ser desafiadoras para parte desse público devido à alta exposição. Por isso, é preciso pensar também em atividades que avaliem as competências e o potencial desses candidatos de forma mais reservada.

Na integração

Alguns neurodiversos podem sentir ansiedade diante da nova rotina ou preferir fazer refeições sozinhos. É preciso respeitá-los sem estigmatizá-los, entendendo de que maneira podem construir um bom relacionamento com os demais.

Na avaliação

As lideranças devem ser treinadas para conduzir feedbacks de forma a considerar que as características de alguns desses profissionais, como a dificuldade de socialização, não devem ser entendidas como falta de comprometimento com a equipe ou a empresa.

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Esta reportagem faz parte da edição 79 (abril/maio) de VOCÊ RH.

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