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Baseadas em mitos da produtividade, empresas querem a volta do presencial

Empresas consideram o retorno ao presencial para fortalecer a cultura e a colaboração, mas essa pode não ser a melhor saída

Por Bárbara Nór
Atualizado em 26 jan 2023, 16h06 - Publicado em 2 dez 2022, 07h22
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o início do ano, David Solomon, CEO do Goldman Sachs, um dos maiores bancos do mundo, declarou que queria os funcionários de volta ao escritório nos Estados Unidos. Em 2021, ele já havia chamado o trabalho remoto de “aberração”. Depois, com o fim do isolamento social, ele insistia na importância de retomar a rotina no escritório, essencial, segundo ele, para manter a cultura e a colaboração que tornariam o banco um lugar único para se trabalhar. Em março, duas semanas antes da retomada do presencial, os funcionários foram avisados da mudança. No entanto, no primeiro dia, apenas metade dos convocados compareceu. O recado era claro: muitos não estavam satisfeitos com a postura do CEO.

O caso do Goldman Sachs parece extremo, mas, ao que tudo indica, está longe de ser isolado. De um lado, líderes e empresas querem as pessoas de volta ao escritório. Na outra ponta, os funcionários parecem longe de querer abrir mão da flexibilidade que conquistaram ao longo dos últimos anos. Em um estudo da plataforma Fiverr, por exemplo, dois terços dos executivos querem que seus funcionários voltem ao trabalho em tempo integral. Entre as razões estão fatores como a crença de que as pessoas ficam mais motivadas quando sabem que estão sendo observadas por seus superiores e a intenção de que os funcionários reduzam o tempo dos intervalos. Na mesma pesquisa, 42% dos funcionários afirmam que considerariam se demitir caso fossem obrigados a voltar ao escritório.

Gráfico Flexibilidade à Prova
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)

E, mesmo que no discurso muitas empresas digam que querem manter a flexibilidade, essa tensão não deixa de existir. “O modelo híbrido é o que todos desejam, mas a alta liderança quer uma frequência maior de presença no escritório; e os demais, mais tempo no remoto”, diz Paul Ferreira, professor e vice-diretor do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (NEOP) da Fundação Getulio Vargas, que vem conduzindo pesquisas sobre o tema desde 2020. “O que fica claro também é que as pessoas querem ter mais autonomia e capacidade de decidir a maneira como vão fazer e entregar o trabalho delas.”

Diante disso, o desafio é saber como ajustar essas diferentes expectativas e dar conta das necessidades de cada negócio. A saída, para muitas empresas, tem sido estabelecer um número fixo de dias no escritório e em casa — quase uma volta ao home office de antes da pandemia, que costumava ser realizado de uma a duas vezes por semana. “Acho que está se discutindo muito o formato e se esquecendo da essência dessa discussão, que é a flexibilidade”, afirma Claudio Garcia, conselheiro de empresas e professor adjunto de gestão global da Universidade de Nova York.

O maior problema, para Claudio, estaria em basear as respostas mais em emoções e achismos do que em dados. “É possível ter uma cultura e ser eficiente no híbrido ou remoto? Claro que é, mas isso é novo para muita gente”, afirma. “É natural que os líderes sintam dificuldades, porque aprenderam de uma forma diferente, e muitas decisões estão sendo tomadas por uma interpretação estereotipada do que funciona em liderança e em gestão de pessoas com base na experiência pessoal, e não em fatos e evidências.”

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Dificuldades na colaboração e no engajamento até podem ficar mais nítidas no trabalho remoto ou híbrido, afirma Stephanie Crispino, CEO da Tribo, consultoria em cultura organizacional. Mas elas não são exclusividade de um modelo ou de outro. “O desafio cultural está presente tanto no presencial quanto no remoto”, diz. Se uma empresa afirma ter o trabalho híbrido, mas não garante a interação e plataformas, processos e rituais adequados para tornar a cultura tangível no dia a dia, ela poderá acabar tendo problemas. E o mesmo vale para o trabalho presencial. Para ela, cada empresa precisa entender o que funciona para sua realidade e cultura e tirar vantagem de cada modalidade.

Diferencial competitivo

É um mito também achar que criatividade e inovação só acontecem com o trabalho presencial. Afinal, vimos na pandemia que é possível criar e inovar. Mas o que parece indiscutível é que as empresas que conseguirem fazer frente ao desafio de construir os novos modelos poderão sair em vantagem. Afinal, a competição por talentos, especialmente em áreas como a de tecnologia, está cada vez maior, ainda mais com profissionais sendo atraídos por empresas internacionais, que aceitam o trabalho remoto e podem pagar em dólar. Oferecer a possibilidade do híbrido ou do remoto, nesses casos, é essencial para conseguir fazer frente a esse cenário.

É nisso que o Mercado Pago, divisão de pagamentos do Mercado Livre, vem apostando. “Competimos com muitos bancos e outras fintechs por talentos, e sem dúvida a flexibilidade é um atributo que as pessoas têm buscado”, diz Claudia Soler, gerente sênior de pessoas do Mercado Pago. “Ela ajuda não só a atrair pessoas mas a reter e engajar.”

Gráfico Benefícios do Híbrido
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)

Antes da pandemia, a empresa dava a opção de fazer home office uma vez na semana. Depois, a ideia era pedir que as pessoas fossem de duas a três vezes por semana ao escritório. Mas a necessidade de flexibilidade acabou falando mais alto, e a empresa notou que a produtividade aumentava quando as pessoas trabalhavam de casa. “A gente se deu conta de que não precisava de regra”, afirma Claudia. “Valorizamos a conexão pessoal e o olho no olho, mas entendemos que não precisa haver uma rigidez.”

Desde o início do ano, a empresa adotou o modelo totalmente flexível para todos os funcionários do administrativo. Cada um pode optar pela frequência de acordo com o que considerar melhor para a produtividade. Além da flexibilidade, a opção trouxe, segundo a executiva, mais propósito para os momentos presenciais. Para ela, de nada adianta ter as pessoas no escritório se não houver um objetivo maior para o encontro.

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O mais desafiador na experiência do Mercado Pago foi embarcar a liderança na transformação. “Fizemos conversas para saber como criar rituais de conexão, como medir produtividade e entrega”, afirma Claudia. Outro fator foi entender como fazer para integrar as pessoas que foram contratadas à distância. Uma das saídas foi compartilhar cases de sucesso na empresa e ter sempre conversas de boas práticas. Ao longo da pandemia, a empresa também estabeleceu os indicadores de cada área para que o líder pudesse saber, de forma mais objetiva, quanto o time estava entregando ou não. “Importa muito mais a entrega do que quanto a pessoa está conectada ou indo ao escritório”, diz Claudia.

Além disso, o RH procurou deixar claro para os líderes em quais momentos a empresa entendia que seria interessante manter o presencial – um exemplo, hoje, é a chegada de uma pessoa ao escritório. “A gente procura ter pelo menos uma etapa presencial no onboarding”, diz Claudia. Outros exemplos são os momentos de feedback, algo que é preferencial no escritório, assim como celebrações. “Eu acho que tem dado certo. As pessoas têm vindo ao escritório para se conectar, para conhecer alguém ou para ter uma informação”, afirma. Já no online, a ideia tem sido manter rituais como as reuniões de check-in, para falar das prioridades da semana e das próximas entregas, e as chamadas reuniões de conexão, para falar de temas que não sejam o trabalho.

Outra medida da empresa foi permitir, desde junho de 2022, que os funcionários passassem até 90 dias por ano fora do país, trabalhando de qualquer lugar. Menos de seis meses depois do lançamento, já são mais de 200 pessoas que utilizaram o benefício. “As pessoas se engajam mais quando podem conciliar os objetivos profissionais e os pessoais”, diz Claudia. “Agora, quem queria participar de um curso fora, por exemplo, pode fazer isso e continuar trabalhando conosco.” O único desafio é que os funcionários precisam se conectar durante o expediente no mesmo fuso horário do Brasil.

Indicadores e rituais

Adotar indicadores e incentivar a avaliação pela entrega, e não pela presença, é importante porque ajuda a garantir a adesão da liderança a modelos híbridos e remotos e dá mais autonomia aos funcionários. “Muitos chefes ficam inseguros ao não ver a equipe no escritório, na baia”, afirma Nayana Amorim, gerente de marketing para a divisão de Trabalho Moderno da Microsoft. “É preciso ter clareza do que deve ser feito e medir para criar essa confiança.”

Segundo uma pesquisa da Microsoft feita neste ano, apesar de 97% dos funcionários no Brasil afirmarem que são muito produtivos, 88% dos gestores dizem que é mais difícil, no trabalho híbrido, ter confiança de que a equipe está sendo produtiva. Além de problemas de relacionamento, esse descompasso, no limite, gera a chamada “paranoia da produtividade”, diz Nayana, quando líderes estão o tempo todo preocupados, achando que as tarefas importantes não serão concluídas. Cientes disso, funcionários que gostariam de trabalhar mais tempo no remoto podem ir ao escritório somente para marcar presença. Ou então participar de todas as reuniões, mesmo quando não necessário, para se mostrar online. O resultado disso é o “teatro da produtividade”, uma espécie de presenteísmo repaginado que consiste em demarcar presença sempre que possível, seja no online, seja ao vivo, apenas para não ser “esquecido”.

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Gráfico Desafios do Home Office
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)

Para agravar a situação, muitas empresas, ao adotar o modelo híbrido, preferem deixar a decisão sobre a quantidade de dias no escritório nas mãos da liderança. Por um lado, a ideia faz sentido, já que uma única regra pode mais engessar do que ajudar as diferentes equipes. Mas, sem o preparo adequado, isso pode não trazer o resultado esperado. “Dar o poder ao líder sem educá-lo, sem atualizá-lo em relação a evidências e fatos sobre o que funciona, pode gerar problemas”, diz Claudio Garcia, da Universidade de Nova York. Isso porque a tendência é de que cada líder tome a decisão baseado em sua preferência pessoal, e não no que de fato pode ser melhor para todos. “Muitos têm uma visão antiquada do que é ser líder e acabam destruindo o aproveitamento de algo que deveria ser extremamente poderoso, que é a flexibilidade”, afirma Claudio.

O desafio do gestor é entender qual é a necessidade da interação para atingir o resultado. “O RH precisa dar o suporte para os gestores e, ao mesmo tempo, entender como todos os funcionários serão ouvidos e vistos”, diz Erika Moraes, gerente da consultoria Robert Half. “É preciso saber garantir a participação de todos em um ambiente híbrido e estimular essa cultura de responsabilidade e confiança.”

Uma saída é focar as especificidades de cada função, como fatores de produtividade, colaboração ao vivo e a necessidade de inovação, em vez de preferências pessoais. A partir daí, deve-se tentar flexibilizar o que for possível em relação ao tempo e à geografia, mas entendendo o que é essencial para que cada função possa operar. Depois, é preciso deixar essas resoluções claras para os líderes e muni-los de ferramentas e conhecimentos apropriados para a gestão à distância.

É preciso, ainda, ajudar a liderança a construir formas de manter a conexão com a equipe. Aplicativos e recursos podem ajudar, como sortear aleatoriamente pessoas para alguém conhecer, criar gatilhos de conversas na plataforma de trabalho e mandar entregar comida na casa de funcionários, por exemplo, para participarem de um café da tarde. Outra saída é estimular momentos mais informais no início das reuniões, para conhecer as pessoas além do papel que exercem.

Produtividade repensada

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Na pesquisa da Microsoft, 60% dos funcionários no Brasil afirmaram precisar de uma razão para estar na empresa quando podem exercer suas tarefas à distância. “As pessoas vão ao escritório para socializar”, diz Nayana. Se o motivo não fizer sentido, o risco é esvaziar o trabalho presencial.

Esse vem sendo um dos motes da empresa de softwares SAP. “O grande aprendizado que tivemos na pandemia é que tem muita atividade que não faz sentido acontecer no escritório”, afirma Fernanda Saraiva, diretora de RH da SAP no Brasil. Por outro lado, a empresa ainda entende que, em determinados momentos, a presença é relevante. Por isso, a decisão foi pelo híbrido, sem regras em relação ao número de dias na companhia ou em casa.

O desafio, no entanto, era entender como isso funcionaria para cada área. Além do contato constante com as equipes em rodas de conversa, o RH desenvolveu um workshop para que cada time pudesse definir junto as próprias regras. Com um roteiro em mãos, gestores e liderados falam sobre quais são as atividades da área, do que cada uma precisa para ser mais eficiente e qual é a exigência de presença para a entrega. “Isso tira o foco da preferência de cada gestor e traz de forma mais tangível as necessidades da equipe”, afirma Fernanda.

Outra medida foi, no início, dar aos funcionários a prerrogativa de escolher qual modelo de trabalho eles queriam adotar com a empresa nos casos em que a função permitia — o que abrange quase todas as áreas. “Nossa presidente e a alta liderança também estão sempre reafirmando que não interessa onde você está, e sim quais são as entregas e o resultado”, diz Fernanda. Já os eventos institucionais, como o café com a presidente, que é feito todo mês, acontecem de forma híbrida ou presencial de forma alternada. A ideia é criar um senso de pertencimento para todos, não importa o modelo em que estejam atuando.

Para Fernanda, a política tem trazido bons resultados. A ocupação do escritório é, em média, de 25%, maior que a média global da empresa. O engajamento também vem crescendo de forma constante, chegando a 88% na última pesquisa interna. “Os ganhos mais importantes foram a questão de atração, porque a primeira coisa que perguntam é se tem modelo híbrido, e o equilíbrio entre as atividades pessoais e as profissionais”, afirma a executiva.

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Diferença entre os gêneros

De acordo com uma pesquisa da FGV com dados referentes ao primeiro semestre de 2022 (veja quadro), a preferência pelo remoto tende a ser maior entre as mulheres e a geração mais nova. E essa é uma novidade. Antes, as profissionais preferiam o retorno ao escritório. Para Paul, isso se explica porque em 2020 a questão de ter os filhos em casa acabava impactando muito mais. “As crianças começaram a voltar para a escola e vimos uma proporção maior de mulheres que fizeram modificações mais intensas para aproveitar o pico de produtividade delas”, diz Paul. “Elas têm mais flexibilidade para acomodar outras atividades, como o cuidado dos filhos e o doméstico.”

Já os homens preferem a modalidade de três dias no escritório e dois dias no remoto. “Isso tem a ver também com relações de poder na empresa”, diz Paul. Os homens em geral fazem um networking com os líderes – e ficam inseguros de não poder encontrar as pessoas da mesma forma no escritório e acabar sendo prejudicados na carreira. As mulheres tendem a fazer mais networking com os pares, então a flexibilidade acaba tendo um peso maior. “Entre as pessoas pedindo demissão, tem uma proporção grande de mulheres em cargos de liderança”, diz Paul. Mas é preciso ter cuidado para que as políticas de promoção e de carreira não prejudiquem quem dá mais preferência para ficar em casa.

Essas diferenças devem também ser comunicadas de forma clara para que cada funcionário tenha mais autonomia para tomar a melhor decisão. “Há ônus e bônus para todas as possibilidades, e os profissionais precisam entender isso para fazer uma autoanálise do que estão buscando”, diz Erika, da Robert Half. “E as empresas também precisam colocar na balança e entender o que de fato faz mais sentido para elas.” Segundo o último Guia Salarial da Robert Half, aliás, 63% dos entrevistados preferem trabalhar no híbrido — e 38% procurariam um novo emprego caso a empresa não oferecesse ao menos uma opção parcialmente remota.

Para os especialistas, não há uma resposta acabada. Estamos vivendo uma versão beta dos modelos ideais de trabalho. É preciso assumir que talvez seja necessário voltar atrás e rever decisões, em vez de insistir em algo que não está dando certo. Se os desafios podem parecer mais complexos no trabalho híbrido ou remoto, os ganhos também podem ser potencialmente maiores.

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Esta reportagem faz parte da edição 83 (dezembro/janeiro) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante

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