O que são e como desenvolver as “habilidades reais”, essenciais na crise
Nem soft nem hard. Conheça as habilidades reais, competências que vão fazer a diferença para o sucesso dos negócios no presente e no futuro
Este texto faz parte da edição 76 da VOCÊ RH
Com a pandemia e os muitos desafios que ela impôs aos negócios, ficou claro que os que se saíram melhor, conseguindo sobreviver e prosperar, foram aqueles que souberam de alguma maneira se reinventar. Ter agilidade para se adaptar a mudanças e entusiasmo e criatividade para solucionar problemas são características que passaram de desejáveis a essenciais em profissionais de todos os segmentos. Poderiam ser classificadas como soft skills, como se diz das competências comportamentais ou interpessoais.
Mas o autor de livros de negócios considerado guru do marketing, o norte-americano Seth Godin, propõe incluí-las em outra categoria, a das real skills. “Habilidades reais porque são exatamente aquelas de que o mundo precisa hoje. E porque, ainda que um profissional tenha muitas aptidões técnicas, elas têm pouca utilidade sem as competências que nos tornam humanos, ou seja, aquelas que não se pode programar o computador para fazer”, define Godin.
Outros exemplos dessas qualidades: facilidade para falar em público, proatividade, diplomacia, firmeza para tomar decisões, e poder de persuasão. Não há uma lista estanque ou uma definição simples, mas as habilidades reais podem ser entendidas como o tipo de qualidade que seria bem-vindo em qualquer profissional. Ok, não deixam de ser comportamentais, mas são mais do que isso: combinam atitudes, conhecimentos e percepções de mundo do indivíduo. “Tem a ver com integrar competências comportamentais e técnicas para se tornar um profissional inteiro e, sobretudo, um indivíduo mais completo e sensível ao seu entorno, seja no trabalho, em família, seja na rua”, explica Maurício Pedro, gerente de atendimento corporativo do Senac São Paulo.
Podemos apenas estar diante de mais um termo novo criado pelo marketing. Ainda assim, os especialistas concordam que as tais competências reais, ou verdadeiras, elencadas por Godin são uma demanda que sempre existiu. Só que, por serem subjetivas demais, empresas e recrutadores não sabiam — e estão apenas começando a entender, aliás — como defini-las, avaliá-las e desenvolvê-las. Mas não é porque não podem ser ensinadas que não devem ser incentivadas dentro e fora do ambiente de trabalho. “O desenvolvimento das chamadas competências reais está diretamente ligado à capacidade de aprendizado contínuo e ativo tanto via treinamentos e cursos quanto por meio das experiências cotidianas e da interação com as pessoas em diferentes ambientes”, afirma Maurício.
Catalisadoras da transformação
A edição de 2020 do relatório produzido anualmente pelo Fórum Econômico Mundial sobre o futuro do trabalho destaca a urgência de as empresas assumirem o papel de catalisadoras da aprendizagem e da requalificação para os profissionais se manterem capacitados diante dos novos desafios globais. Dentre as aptidões mais valorizadas, segundo levantamento entre mais de 290 companhias pelo mundo, além daquelas ligadas a habilidades digitais, em que ainda há um vácuo de talentos, estão as focadas em autoconhecimento e inteligência emocional, autogestão, tolerância ao estresse, empatia e capacidade de trabalhar em equipe.
Novos modelos de trabalho pedem profissionais capazes de gerenciar a si mesmos — seu tempo, tarefas, aprendizagem, hábitos e emoções — e com isso entregar produtividade sem acabar com a saúde, uma das principais preocupações das organizações hoje. “No expediente remoto, por exemplo, ficou claro que não dá para separar completamente vida pessoal e trabalho. Funcionários autoconscientes, que têm suas estratégias de bem-estar e autocuidado, são mais valorizados, enquanto aqueles que apresentam dificuldade para conciliar as diferentes áreas da vida podem acabar se tornando um problema para a empresa”, diz João Furlan, CEO da Rocket Mentoring School, instituição de ensino que forma e certifica mentores. Não à toa que nos últimos anos as companhias passaram a investir fortemente em programas de atenção à saúde.
Com a adoção das metodologias ágeis em muitas empresas, a capacidade de trabalhar em equipe, a tomada de decisões, o gerenciamento de conflitos e a comunicação clara e assertiva à distância passaram a ser qualidades mais requisitadas. É por isso que a Visa do Brasil aposta na implantação de projetos multidisciplinares como estratégia para impulsionar a colaboração entre áreas e níveis hierárquicos distintos, a inovação e a prática de feedbacks informais e, com isso, a autoconfiança e o autodesenvolvimento. Também conta com a Visa University, plataforma de estudos com conteúdos de capacitação comportamental e técnica, para apoiar o aprendizado contínuo dos empregados. “Hoje é fácil o profissional se tornar obsoleto em suas capacidades se não buscar aprimoramento constante, por isso incentivamos que a busca por conhecimento parta de cada um”, diz Priscila Monaco, diretora executiva de RH da Visa do Brasil. “Se o próprio funcionário não tiver a mentalidade voltada para crescer, sabendo ouvir, questionar e se preparar, não haverá ferramenta ou organização que possa fazê-lo se desenvolver.”
Na área de tecnologia, em que criatividade e pensamento estratégico são pontos fortes para muitos, aprender autoconhecimento, equilíbrio emocional e habilidades de liderança, por exemplo, pode ajudar a formar profissionais completos. “Quanto mais híbrido o conjunto de capacidades do empregado, mais preparado ele vai estar para descobrir seu propósito, trabalhar por ele e assumir o protagonismo da própria carreira”, explica Cyntia Tanaka, profissional com mais de 15 anos de experiência na área de recursos humanos no segmento de tecnologia e atualmente líder de gente & gestão da Cadmus Soluções em TI.
Além do básico
Para Anamaíra Spaggiari, diretora executiva da Fundação Estudar, um dos aspectos mais valorizados pelos jovens ao escolherem uma empresa para trabalhar é a oportunidade de continuar aprendendo depois de sair da faculdade. “Mas é importante ir além dos cursos e treinamentos estruturados e garantir que essa mentalidade de aprendizado constante esteja refletida na cultura da organização, na atitude da liderança, no escopo das atribuições e na oferta de programas de mentoria, por exemplo”, diz.
A farmacêutica Bristol-Myers Squibb (BMS) aposta em experiência e neurociência para incentivar as pessoas a aprender e modificar comportamentos na direção da missão da empresa, que tem forte cultura de inclusão e diversidade. A companhia incentiva, por exemplo, a troca constante entre os funcionários por meio da prática de mentoria e feedback informais, além de estimular o job rotation para existir o contato com diferentes habilidades e realidades. Também disponibiliza palestras, workshops, leituras e cursos que utilizam neurociência para explicar mecanismos que levam a pensar e agir de forma preconceituosa e para conscientizar quanto ao impacto disso no outro. O objetivo é aprimorar a cultura praticando a inclusão para não correr o risco de inadvertidamente excluir ninguém. “No fim, queremos que as pessoas se sintam seguras para se expressar sem precisar desperdiçar energia e tempo para se encaixar em padrões. Com isso, elas conseguem empregar seu talento no que sabem fazer, são mais felizes, produtivas e entregam melhores resultados”, afirma Jennifer Wendling, diretora de recursos humanos da BMS.
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