Esta reportagem faz parte da edição 75 (agosto/setembro) de VOCÊ RH
Diante da incerteza que rege os tempos atuais e dos desafios do mundo BANI (sigla em inglês para frágil, ansioso, não linear e incompreensível), empresas e profissionais têm uma nova e indispensável competência a desenvolver para prosperar no mundo do trabalho como ele se desenha no presente e no futuro: a antifragilidade. O termo, proposto pelo economista libanês Nassim Nicholas Taleb e apresentado pela primeira vez em 2012 no livro Antifrágil — Coisas Que Se Beneficiam com o Caos (Objetiva, 89,90 reais), define uma espécie de estratégia não apenas de sobrevivência a tempos confusos e imprevisíveis mas de capacidade de usá-los como oportunidade para crescer e se fortalecer.
Antes de Antifrágil, Nassim havia lançado A Lógica do Cisne Negro (Objetiva, 89,90 reais), livro em que introduz a ideia de que acontecimentos imprevisíveis e capazes de mudar drasticamente nossa realidade — os “cisnes negros” — podem ocorrer sem que tenhamos qualquer controle sobre eles, a despeito das tentativas de antever cenários, colocar ordem e eliminar riscos. A pandemia de covid-19 é um exemplo, assim como o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. “A antifragilidade não é só um antídoto para lidar com esses eventos aleatórios. Compreendê-la nos torna menos temerosos de aceitar o papel dos cisnes negros como necessários para a história, a tecnologia e o conhecimento”, escreve o autor.
Alguns podem ver semelhança com a resiliência, também uma habilidade-chave para atravessar momentos de dificuldade e se manter firme. Mas Nassim explica que a antifragilidade vai além: “O resiliente resiste a impactos e permanece o mesmo; o antifrágil fica melhor”.
Foi o que ocorreu com empresas que souberam tirar partido da crise sem precedentes iniciada em 2020 para crescer. A FacilitaPay, plataforma de pagamentos e transações financeiras, começou o ano passado em ritmo de crescimento e cheia de projetos, mas a expansão internacional para além dos Estados Unidos era ainda uma projeção distante. Quando a pandemia chegou, a companhia viu o volume de transações cair rapidamente por causa da diminuição de renda da população. Antes que o prejuízo se aprofundasse, a empresa ampliou o foco, iniciou um projeto de captação de recursos e antecipou a internacionalização, abrindo um escritório no México em cerca de seis meses. Ao mesmo tempo que vencia os obstáculos burocráticos para entrada no mercado local, Stephano Maciel, CEO da FacilitaPay, apostou no desenvolvimento das equipes. “Investimos para que todos aprendessem a falar espanhol e contamos com headhunters locais para a contratação de profissionais mexicanos”, comenta. A decisão estratégica de iniciar operação no país latino-americano foi chave para a fintech brasileira fechar 2020 com volume de pagamentos acima do ano anterior e superar, no primeiro trimestre de 2021, as metas para o período.
Crescimento pós-traumático
No campo da saúde mental, a antifragilidade equivale ao chamado crescimento pós-traumático, que é a mudança psicológica positiva que pode ocorrer a alguém que atravessa um período de adversidade. É o que explica que, enquanto uma experiência traumática (como um episódio de violência, uma doença, demissão, acidente, morte de alguém próximo ou as muitas perdas pela pandemia) pode deixar sequelas psíquicas em algumas pessoas, às vezes impedindo que sigam com a rotina e exigindo tratamento, outras conseguem transcender as dificuldades, mudar a percepção em relação à vida e se desenvolver apesar das marcas deixadas.
Não se trata apenas de superar a situação difícil e voltar ao estado de antes — de novo, isso tem mais a ver com resiliência —, mas realmente se transformar a partir da dor, mudando o modo de se colocar no mundo e revendo a maneira de lidar com relacionamentos, saúde, dinheiro e trabalho, por exemplo. “Depois de uma perda inesperada ou uma situação que ameace a integridade física, é comum pôr a vida em perspectiva, reavaliar escolhas e caminhos e pensar em como passar a viver uma existência com mais sentido”, diz Wagner Machado, professor da pós-graduação nos cursos de psicologia e administração da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUC-RS.
O conceito de crescimento pós-traumático foi proposto na metade dos anos 1990 por pesquisadores americanos e incorporado aos estudos da psicologia positiva. De lá para cá o fenômeno foi estudado entre militares ex-combatentes de guerra, sobreviventes de desastres naturais (como o furacão Katrina, em 2005, nos Estados Unidos) e testemunhas de ataques terroristas (como às Torres Gêmeas, em 2001, e à Estação Atocha de Madri, em 2004). Também foi investigado em pacientes que sofreram AVC e em pessoas diagnosticadas com vários tipos câncer.
Construindo a antifragilidade
Para Nassim Taleb, a antifragilidade está em tudo: na cultura, nos sistemas políticos, na inovação tecnológica. No corpo humano, por exemplo, está nos músculos que aumentam de volume e ficam mais resistentes ao sofrerem pequenas lesões quando submetidos a exercícios. Na natureza, é o que explica as plantas crescerem mais fortes depois de podadas. Na gestão de empresas, fomentar culturas antifrágeis pode ser a diferença entre sobreviver ou não ao mundo caótico atual, mas depende de habilidades e comportamentos. Um deles é a adaptabilidade, um atributo-chave para sobreviver e se sobressair em um mundo complexo e um mercado de trabalho que se transforma em alta velocidade. Curiosidade, flexibilidade cognitiva (que é ter a mente aberta para novidades), interesse em aprender continuamente e vulnerabilidade são traços favoráveis à mentalidade antifrágil. Isso porque pessoas assim tendem a ter mais facilidade para mudar hábitos e opiniões, lidar com a incerteza e desapegar de crenças e pensamentos que podem não servir mais à medida que mudanças acontecem.
Propósito alinhado com ação
Outro ponto muito relevante é realmente demonstrar os valores da empresa por meio de atitudes — que devem ser adotadas por todos, independentemente do cargo ou função. “Negócios que têm clareza de a que servem e aonde querem chegar, que se preocupam com a geração de valor para a sociedade e o meio ambiente e se posicionam com assertividade e coerência em relação a causas sensíveis têm mais chances de criar engajamento de funcionários e clientes, além de ser mais lucrativos”, aponta a futurista e caçadora de tendências Sabina Deweik.
Esse raciocínio também pode ser aplicado para a preocupação com diversidade e inclusão — afinal, equipes plurais trazem diferenças de pensamentos que, por si só, criam a antifragilidade. “A convivência entre diferentes origens, visões de mundo, ideias, habilidades e gerações gera maior apoio colaborativo e saídas criativas para os problemas”, afirma Bruno Andrade, professor da área de gestão de pessoas da Saint Paul Escola de Negócios.
Coragem para arriscar
Partindo do princípio de que erros são informações úteis que levam ao aprimoramento de práticas e processos, gestores e ambientes de trabalho tolerantes a eles são um estímulo à capacidade criativa dos times e à produção de soluções inovadoras. “O desafio dos chefes é incentivar a ousadia para assumir riscos ao mesmo tempo que se mantêm atentos aos danos causados por erros cometidos. É uma forma de impulsionar o protagonismo dos profissionais e apostar no desenvolvimento do negócio”, acrescenta Wilma Dal Col, diretora de gestão estratégica de pessoas do ManpowerGroup.
Na Supero, empresa que atua na formação de squads de tecnologia da informação para projetos sob demanda, o CEO, Sidnei Bunde, pretende difundir pelo exemplo a mentalidade de transformar desafios em oportunidades de desenvolvimento. Com o cenário econômico incerto, a empresa não perdeu clientes, mas viu muitos pedirem descontos e prorrogação de prazos de pagamento, o que impôs uma revisão para baixo da previsão de crescimento e uma adaptação do perfil de atuação da companhia. Percebendo que a pandemia havia criado novas necessidades para os clientes, a Supero promoveu uma reorganização interna e estruturou novas áreas para se tornar mais consultiva, além de aumentar o portfólio de soluções. Acabou crescendo acima da previsão e contratou gente — hoje a equipe é 15% maior do que no início de 2020. “Tendo estudado a respeito da antifragilidade, vejo que é uma mentalidade que se constrói tendo coragem para arriscar e sabendo enxergar soluções por trás dos problemas. Estar próximo das equipes e dar oportunidades para que experimentem e evoluam sem medo de errar faz com que transformemos a mentalidade coletiva e possamos promover mudanças culturais positivas, além de colher resultados”, diz Sidnei.
Com o aumento nos índices de adoecimento emocional dos profissionais como reflexo da pandemia e da crise, mas também das demandas do trabalho remoto, a antifragilidade exige mais um comportamento da liderança e das empresas: a empatia. Wilma Dal Col, diretora de gestão estratégica de pessoas do ManpowerGroup, explica como desenvolver essa habilidade.
– Olhar para as emoções e compreender as próprias fragilidades — este é o primeiro passo para se conectar com o outro
– Treinar a percepção e dar abertura para conversar sobre sentimentos e expectativas dos outros
– Equilibrar a busca por eficiência nos negócios com as necessidades pessoais dos funcionários
– Sempre lembrar que as empresas são formadas por pessoas — não apenas por números e “competências”
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