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Quiet ambition: o desinteresse em virar chefe – e como o RH deve lidar com isso

Essa tendência pode ameaçar a sucessão nas empresas. Entenda as questões por trás do comportamento – e o que fazer para que ele não crie um vácuo de gestão.

Por Luisa Costa
Atualizado em 8 dez 2023, 15h29 - Publicado em 1 dez 2023, 13h31
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 (Lígia Agreste/VOCÊ RH)
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“Se um funcionário vai mal, ele não está sendo bem orientado pelo gestor. Se um projeto não anda, é o líder que não soube alocar esforços. O chefe assume uma carga mental que deveria ser remunerada à altura. Mas, para mim, não há pagamento justo por isso.” Essa é a opinião de Victor Gabry, um jovem de 25 anos que trabalha com redação SEO e copywrite no Rio de Janeiro – e uma das pessoas convidadas a dividir suas ambições profissionais com a VOCÊ RH.

Victor entende que liderar uma equipe tem mais aspectos negativos que positivos. Não compensa. E não está sozinho nesse raciocínio. Há tantas pessoas satisfeitas com seus empregos, mas sem interesse nos cargos de gestão, que o fenômeno ganhou nome: quiet ambition.

Essa atitude tem sido considerada uma contracultura corporativa. No ambiente das empresas, afinal, a mentalidade corriqueira é aquela: se você é um profissional motivado, necessariamente vai querer subir na hierarquia da organização.

A expressão “quiet ambition” surgiu em uma reportagem da revista americana Fortune, publicada em abril deste ano. Era parte de uma série de textos sobre ambição com dezenas de relatos de pessoas que, depois da pandemia, passaram a reavaliar sua trajetória profissional. Assumir responsabilidades maiores por um pouco mais de dinheiro, sem sentir alguma realização pessoal, já não faria sentido. Encontrar um equilíbrio entre trabalho e outras coisas (mais) importantes da vida, sim.

Um dos relatos que a Fortune recebeu foi de Austin Kleon, um escritor e desenhista, autor do best-seller Roube Como Um Artista: 10 Dicas Sobre Criatividade. Kleon diz ser uma dessas pessoas que estão tentando trabalhar mais por seus próprios objetivos, e contou o seguinte: “Eu não sei o que é quiet quitting, mas gosto da ideia de quiet ambition”. Sim, foi ele o criador da expressão que viralizou – e já vale explicar as diferenças entre esses dois “quiets”.

 Bom, Austin: quiet quitting, a “demissão silenciosa”, designa a atitude do funcionário insatisfeito com o emprego que, em vez de pedir demissão, diminui sua produtividade, sua participação e engajamento na empresa. Passa a fazer o mínimo possível. A expressão ganhou fama global, e deu origem a variantes. É o caso do quiet firing: que também pode ser traduzida como demissão silenciosa, mas pelo outro ponto de vista. Diz respeito a chefes que passam a deixar um colaborador no vácuo, não incluí-lo em projetos importantes ou até transferi-lo para áreas ou funções que o desagradem – tudo para fazer a pessoa pedir demissão por conta própria.

A quiet ambition veio nessa onda, mas “ambição silenciosa”, tradução literal que combina com as das outras expressões, não faz tanto sentido assim. A atitude é mais uma falta de ambição no escritório. Quem se identifica com a tendência acredita que é mais negócio priorizar a saúde mental, o tempo livre e a convivência com a família e amigos do que viver estressado pelas atividades de um cargo de liderança.

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Até aí, tudo ok: tem a ver com as pessoas vivendo como desejam e sendo felizes em seus cargos no trabalho. Mas, se a onda pega de vez, vira um risco considerável para as empresas nas questões de sucessão e legado. É lógico: elas perdem potenciais líderes que já têm experiência com a cultura da organização, já dominam os processos da companhia, já conhecem as pessoas que estarão abaixo ou acima delas. Enfim, ficam sem um capital humano precioso para o momento em que deverão ter novos gestores.

Entender as causas da rejeição à liderança se torna, portanto, estratégico para manter a linha de sucessão bem fornida; para não se ver, na base do susto, com uma equipe desamparada, sem quem lhes dê um norte no dia a dia. E esse risco é cada vez mais real.

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O problema pode estar no exemplo. Muitos profissionais desistem da gestão por já terem passado por situações ruins com líderes tóxicos. Imagem: Lígia Agreste/VOCÊ RH (Lígia Agreste/Reprodução)

Poucos almejam uma cadeira na diretoria

Esses fenômenos – as demissões silenciosas e a falta de ambição – passaram a ser mais analisados por especialistas em gestão de pessoas. Mas eles não são exatamente uma novidade no mundo corporativo. Um levantamento feito em 2014, por exemplo, concluiu que apenas 34% dos profissionais americanos buscavam posições de liderança e só 7% tinham o objetivo de ocupar um cargo no C-level. À época, a plataforma de empregos Careerbuilder entrevistou 3.625 pessoas de faixas salariais diferentes, que trabalhavam em companhias de tamanhos variados, no setor público ou privado.

Hoje, há mais pesquisas confirmando a força dessa tendência. Um exemplo é o estudo que a Visier, uma plataforma canadense de people analytics, publicou em agosto deste ano. Ela entrevistou mil funcionários americanos sobre suas ambições dentro e fora do escritório.

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Só 4% dos entrevistados afirmaram que um de seus principais objetivos de vida é conseguir um cargo no alto escalão executivo. As ambições mais comuns sequer estão relacionadas a trabalho. A campeã é passar tempo com família e amigos, indicada por 67% dos respondentes. 64% almejavam estar saudáveis, física e mentalmente, e 58% disseram que sua prioridade é ter dinheiro para viajar.

Quando o assunto é liderar uma equipe no trabalho, 91% deles citaram um punhado de bons motivos para não fazê-lo. Eles incluem o aumento esperado de estresse e pressão; a perspectiva de trabalhar mais horas por dia; a falta de identificação com o papel de líder e a desconfiança na própria capacidade para isso. (Confira as porcentagens no infográfico abaixo.)

Ou seja: há questões relacionadas à maneira como os colaboradores enxergam os cargos de liderança. E isso tem a ver com a carga de trabalho de seus gestores e a falta de proximidade entre eles e seus colaboradores. Mas também há outras, que, é claro, dizem respeito ao perfil profissional de cada um.

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(Arte VOCÊ RH/VOCÊ RH)

Uma comunicação transparente evita expectativas frustradas

Como se viu, alguns preferem permanecer em cargos técnicos a assumir funções administrativas. E tudo bem. “É até saudável que seja assim”, pondera Isis Borge, diretora executiva da consultoria de recrutamento Talenses. “Senão, haveria muitas pessoas frustradas. Há muito mais vagas na base e no meio da pirâmide hierárquica, afinal, do que no topo.”

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O problema é quando líderes e colaboradores não compartilham suas expectativas com transparência, e a empresa gasta tempo e dinheiro planejando a promoção de alguém que, na verdade, não quer liderar. Por isso, o RH precisa saber se há pessoal suficiente com perfil (e vontade) para ser um líder – ou se é preciso ir logo ao mercado de trabalho.

Para o desencontro não acontecer, o segredo é a comunicação. O escritório precisa encorajar seus colaboradores a dividir suas ambições profissionais, investindo em programas para progressão de carreira que lhes deem voz – ou mesmo incentivando conversas informais sobre o assunto. Um ponto importantíssimo é oferecer segurança psicológica para o profissional ser sincero ao contar sobre seus objetivos. Afinal, ele pode desconfiar que seu desinteresse pela liderança vai resultar numa demissão.

O fato é que uma empresa que não se interessa pelos planos de carreira de seus funcionários e um chefe que os encurrala, retaliando aqueles que rejeitam promoções, tende ao fracasso. A pessoa pode aceitar o novo cargo pela pressão e desistir na hora H. Ou permanecer infeliz no novo trabalho, executando-o de maneira insatisfatória (olha a quiet quitting aí) ou até deixando a empresa no curto prazo.

O colaborador também deve fazer sua parte: comunicar que não quer liderar sem que esse desejo seja percebido de maneira negativa. Escrevendo na Harvard Business Review, Patricia Thompson dá algumas dicas nesse sentido. A presidente da Silver Lining Psychology,  consultoria especializada em gestão de pessoas, afirma que é importante fazer três coisas ao conversar com seu chefe: agradecê-lo por acreditar em você; explicar exatamente por que você gosta do trabalho que faz atualmente e a razão de não querer trocá-lo; além disso, deixar claro que você está interessado em crescer na empresa independentemente do seu desinteresse numa promoção.

É possível, afinal, não ter vontade de liderar e, ao mesmo tempo, nutrir ambições profissionais. O profissional pode ser proativo e dar sugestões: há projetos que poderia desenvolver ou maneiras de melhorar o trabalho que já está fazendo? Ele deve ser sincero sobre não querer se tornar um líder, mas não fechar todas as portas, agindo como se suas aspirações e necessidades não possam mudar a longo prazo.

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Líder distante não cria sucessores

Às vezes, a causa do desinteresse está na distância. “Se as pessoas do topo da pirâmide organizacional são inacessíveis e o colaborador não sabe bem o que acontece nesta instância, ele não vai se sentir inspirado a ocupar essas vagas”, afirma Luciana Rovegno, da consultoria Alegere e especialista em aprendizagem corporativa. “Então, a falta de ambição pode estar relacionada a um certo desconhecimento, em estruturas organizacionais muito formais.” Como alguém teria vontade de exercer um trabalho que não conhece o suficiente?

Para evitar essa situação, os líderes precisam estar dispostos a dialogar mais com seus colaboradores, dividindo experiências e sanando dúvidas sobre suas rotinas de trabalho. Para além dos contextos informais, isso pode acontecer em encontros com os executivos da empresa, organizados pelo RH. Mas também é uma boa implementar programas de mentoria, por exemplo, ou colocar um colaborador como chefe interino. Tudo isso permite que os funcionários entendam, experimentem, o trabalho do líder.

Chefes ruins ou estressados afastam candidatos

Às vezes, o problema está no exemplo. No estudo da canadense Visier, 15% dos entrevistados não se interessam por vagas de liderança porque já tiveram gestores cuja atuação deixou a desejar – e, por isso, não se sentem inspirados a ocupar o mesmo lugar. Mas também é comum que os colaboradores não queiram trabalhar como líderes porque, na empresa na qual atuam, os chefes costumam jogar a vida pessoal (e a saúde mental) para escanteio.

“A pessoa até gostaria de ser promovida, virar diretor ou gerente. Mas, quando vê o tempo que seus líderes doam para a organização, ela conclui que não quer aquela vida”, afirma Isis Borge. Os colaboradores podem até almejar a progressão hierárquica, chegar lá e depois desistir justamente por copiar exemplos de líderes que trocavam suas experiências pessoais pelo trabalho. É o caso de Jeniffer Frigo, 33, uma especialista em marketing de produto que vive em Santa Catarina. “Trabalhei por oito anos como supervisora, coordenadora e gerente. E a falta de qualidade de vida nos cargos de gestão foi o que me fez perder o interesse neles.”

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Mais empresas podem adotar modelos de carreira em Y, em que existem planos de progressão para diferentes perfis. E aí cada um senta na cadeira em que se sente confortável. Imagem: Lígia Agreste/VOCÊ RH (Lígia Agreste/VOCÊ RH)
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Os especialistas ouvidos pela VOCÊ RH não têm percebido um problema grave de falta de líderes no mercado ou nas organizações brasileiras – embora concordem que a saúde mental dos trabalhadores é uma questão cada vez mais em alta. E ela naturalmente puxa reflexões como as dos adeptos da quiet ambition.

Você poderia dizer que, neste caso, vale a máxima “há males que vêm para o bem”. Se uma empresa experimenta a ausência de pessoas com ambição, ou se elas passam a faltar no mercado de trabalho, esses serão indícios de que algo tem de mudar.

E dá para melhorar. Mais companhias podem adotar modelos de carreira em Y, em que existem planos de progressão para pessoas com diferentes perfis; investir em bons programas de formação de líderes, e compreender que a saúde mental dos gestores também deve ser uma prioridade.

Afinal, como diz a consultora Luciana Rovegno: “Quando a liderança, um pilar de sustentação das organizações, está sob ameaça, é hora de rediscutir nossos modelos de trabalho”. Uma discussão que, se bem conduzida, pode criar novas e autênticas ambições. 

Agradecimentos: Armando Lourenzo, doutor em administração pela FEA-USP e presidente do Instituto EY; Kricia Galvão, diretora de RH da Braskem; Mariana Talarico, diretora de desenvolvimento organizacional e bem-estar da Natura & Co, América Latina.

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