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Livro afirma que bonificações surtem efeito passageiro na motivação

Autor questiona o modelo de engajamento baseado em recompensas e revela como despertar nas pessoas a vontade de evoluir

Por Redação
Atualizado em 28 jun 2023, 14h47 - Publicado em 3 fev 2023, 09h26
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ocê já deve ter ouvido falar em motivação intrínseca, ligada ao prazer e à satisfação, que independe de fatores externos para existir. O termo está cada vez mais presente no mundo do trabalho, com pesquisas recentes indicando que bonificações, aumento de salário e nomes de cargos descolados surtem efeito passageiro no grau de engajamento de funcionários. E engajamento é uma das maiores dificuldades — senão a principal — para a gestão de pessoas. No livro Superaprendizagem (Objetiva), sobre descobertas científicas úteis para o aumento da performance cognitiva, George Marmelstein revela que dar às pessoas o poder de escolher como querem se desenvolver pode ser a chave para aumentar a motivação. Leia um trecho:

Os seres humanos, assim como outros animais, agem movidos pelo desejo de maximizar seus ganhos pessoais e minimizar as perdas. Nessa lógica, a melhor forma de direcionar o comportamento humano seria por meio de um modelo de incentivos e desincentivos, que premia o comportamento desejável e castiga o indesejável. O apelo dessa mensagem é muito convincente e intuitivo.

Não à toa, praticamente todos os sistemas normativos preveem prêmios e castigos para controlar as pessoas. As normas religiosas invocam a promessa de uma vida sublime no paraíso para quem faz o bem, enquanto a quem pratica o mal está reservado o sofrimento eterno nas profundezas do inferno. As normas jurídicas, por sua vez, premiam quem se comporta em conformidade com as leis e ameaçam colocar atrás das grades quem se desvia do comportamento esperado. As empresas dão bônus aos empregados que geram lucro e demitem os improdutivos. Bons alunos ganham boas notas e quem não faz as tarefas pode ser reprovado.

Mesmo quando a motivação extrínseca é eficiente, ela nem sempre produz os resultados esperados, pois pode perverter os propósitos desejados com a recompensa. Um exemplo bem inusitado pode ajudar a explicar esse fenômeno.

No início do século XX, o Rio de Janeiro viveu uma epidemia de peste bubônica. Para resolver o problema, o governo pediu ajuda ao médico sanitarista Oswaldo Cruz, que havia acabado de retornar de Paris, onde estudou microbiologia, soroterapia e imunologia no conceituado Instituto Pasteur. Ao assumir o comando do órgão de saúde, o jovem médico implantou diversas medidas para combater a doença, como o isolamento de doentes, a notificação compulsória de casos positivos, a desinfecção de moradias em áreas de foco e uma medida bastante polêmica: a captura dos vetores causadores da doença — os ratos.

Para exterminar os animais, a medida contaria com a participação da população. A ideia era pagar um prêmio em dinheiro para cada rato capturado.

A medida teve efeito imediato. Muitas pessoas, em especial as mais pobres, se tornaram empregados especializados na captura desses vetores. Como resultado, a população de roedores diminuiu rapidamente, e com isso o número de óbitos causados pela doença entrou em queda. Apesar do sucesso da medida, algo estranho estava ocorrendo: embora os ratos estivessem desaparecendo das ruas, a quantidade de animais capturados só aumentava.

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Como explicar esse fenômeno curioso? As pessoas começaram a desenvolver estratégias para conseguir mais animais e vendê-los ao governo. Alguns os buscavam em outras cidades, outros chegaram ao ponto de criar roedores, construindo verdadeiras fazendas de ratos.

Esse exemplo aponta outro efeito pernicioso das recompensas. Quando a possibilidade de ganho está em jogo, as pessoas buscarão o caminho mais curto para maximizar seus interesses. Podemos chamar isso de “efeito fazenda de ratos”.

Em seu blog, Alfie Kohn escreveu sobre um programa de incentivo à leitura chamado Book It, patrocinado pela Pizza Hut. Os professores interessados em participar estabeleciam metas de leitura mensal para seus alunos e, ao cumpri-las, o aluno ganhava um certificado de leitura que poderia ser trocado por uma pizza.

Com o projeto, quem gostava de ler por prazer evitaria no futuro fazê-lo se não houvesse mais um prêmio em perspectiva. Assim, a leitura se tornaria uma obrigação, o que eliminaria a empolgação. Além disso, os leitores passariam a escolher livros mais curtos para conseguir mais pizzas.

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Ter consciência desses princípios que influenciam a motivação humana é fundamental para o processo de aprendizagem. Quase todo o sistema educacional é orientado em função de motivações extrínsecas. Em grande parte, nossa motivação intrínseca pode ter sido corroída ao longo de vários anos de submissão ao modelo de prêmios e castigos que orienta os sistemas de ensino. E não é fácil quebrar esse padrão.

Em uma pesquisa realizada em 2000, o neurocientista Mauricio Delgado, da Universidade Rutgers, queria estudar os efeitos da recompensa no cérebro humano e, para isso, desenvolveu um jogo que tinha a pretensão de ser o mais chato do mundo. O seu objetivo era gerar o mínimo de excitação no cérebro para que fosse possível identificar com mais precisão, dentro de um aparelho de ressonância magnética, as áreas ativas durante o recebimento da recompensa.

O jogo tinha poucas regras. Um número aleatório de 1 a 9 seria selecionado em segredo pelo computador. Em seguida, o jogador deveria apresentar um palpite, indicando se o número era maior ou menor do que 5. Se acertasse, o voluntário ganharia um dólar; se errasse, perderia cinquenta centavos. O número 5 era neutro.

Quando Delgado concebeu o jogo pela primeira vez, acreditava que as pessoas ficariam rapidamente entediadas. Afinal, era só apertar um botão e esperar. O jogo não exigia nenhuma habilidade, nenhum esforço cognitivo e nenhuma estratégia. Apesar disso, curiosamente, as pessoas pareciam gostar daquilo. Alguns eram capazes de jogar por várias horas seguidas. Houve até mesmo quem pedisse uma cópia para jogar em casa.

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Delgado teve, então, a ideia de alterar de maneira sutil o formato do jogo. As regras seriam as mesmas, com uma pequena diferença: os palpites seriam alternados entre o jogador e o computador. Ou seja, o primeiro “chute” seria do jogador, e o segundo seria do computador. Não havia competição. Todos os pontos eram computados para o jogador, ou seja, as recompensas e punições seriam atribuídas a ele ainda que o palpite fosse do computador. Nessa nova versão, foi possível perceber um fenômeno muito interessante no cérebro dos jogadores. Quando davam o palpite, o corpo estriado ficava excitado e ativo. Por outro lado, quando o computador escolhia, a área não mostrava nenhuma empolgação.

Essa é uma região do cérebro muito importante para a motivação. É ela que faz a conexão entre as emoções (desejo de agir) e as áreas motoras (a ação propriamente dita). Ou seja, é o corpo estriado quem nos impulsiona a levantar do sofá, a calçar um tênis e a nos exercitar. Também é ele quem nos faz caminhar até a biblioteca, pegar um livro na prateleira e começar a ler. Qual a explicação para a diferença de reações no corpo estriado durante o jogo de adivinhação? Por que os cérebros ficavam ativos quando eles davam o palpite, mas perdiam o brilho quando era a vez do computador?

A resposta para isso é muito impactante para a ciência da motivação e, como consequência, para a aprendizagem. O segredo está no senso de controle que a escolha proporciona. Os jogadores se sentem emocionalmente ligados às suas próprias opções e, por isso, reagem ao resultado com muito mais excitação. Quando a decisão é feita pelo computador, eles não se sentem no controle e, por isso, respondem ao resultado de modo mais apático, mesmo sabendo que irá gerar recompensas ou punições. Para Delgado, esse estudo demonstra o poder motivacional da própria escolha. É como se o simples fato de termos controle da situação já gerasse por si só uma empolgação extra, fornecendo a energia necessária para transformar nossos desejos em ação. Essa conclusão aparentemente banal tem um enorme potencial transformador, sobretudo para a aprendizagem.

No sistema tradicional de ensino, o aluno tem pouco ou nenhum controle sobre o seu processo educacional. Quem escolhe o material de estudo são os professores; os horários das aulas são predeterminados; as provas são obrigatórias; e até os métodos de ensino e aprendizagem costumam ser padronizados. Tudo vem pré-formatado sem que o aluno possa opinar. A consequência dessa perda do senso de controle e de participação é a apatia, o desânimo, a desmotivação. Afinal, o corpo estriado não fica ativado.

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Uma simples tomada de posição sobre o controle do próprio processo de aprendizagem pode ser capaz de aumentar de maneira substancial a vontade de aprender. Quando temos o poder de controlar nossos objetivos, planos, rotinas, agenda, projetos, processos, métodos etc., o nosso compromisso tende a aumentar de modo natural. O mesmo vale para as escolhas de conteúdo. O hábito de explorar, descobrir e selecionar novos materiais tem o poder de criar um vínculo inconsciente com o que foi escolhido, aumentando o engajamento.

SUPERAPRENDIZAGEM

Autor: George Marmelstein
Editora: Objetiva
Páginas: 184
Preço: 64,90 reais

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