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Workaholismo: manual de sobrevivência

Pessoas viciadas em trabalho são menos produtivas e têm dificuldade para atuar em grupo. Acabam respondendo às demandas do escritório sem atentar para os danos à saúde – e à qualidade da performance. Entenda por quê. E... relaxe.

Por Luisa Costa
Atualizado em 15 fev 2024, 15h09 - Publicado em 23 jan 2024, 19h08
Workaholic
 (Camila Leite/Montagem sobre reprodução (Getty Images)/VOCÊ RH)
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Texto: Luisa Costa | Colagens: Camila Leite

O ator britânico Idris Elba disse no podcast Changes With Annie Macmanus, em outubro, que faz terapia há mais de um ano. E que sua jornada em busca de saúde mental começou quando percebeu que preferia trabalhar no seu estúdio caseiro (ele também é DJ), depois de ficar horas e horas em um set, a passar um tempo no sofá com sua família. “Nada que é muito extremo é bom. Tudo precisa de equilíbrio. Mas sou muito recompensado por ser um workaholic.”

De fato. O mundo corporativo banaliza a dedicação excessiva ao trabalho. Ela não é apenas aceitável, mas também encorajada. Por isso, alguns pesquisadores afirmam que o vício no trabalho não é algo individual, mas sistêmico. E sobram malefícios aos profissionais, que têm dificuldade em aceitar o dolce far niente, como diriam os italianos. O ócio.

Acontece que o workaholismo tampouco é positivo para as empresas. Uma pessoa que trabalha compulsivamente, sem conseguir afastar o escritório dos pensamentos, acaba sendo menos produtiva porque vive cansada. Alguns estudos também mostram que os workaholics têm dificuldade para delegar tarefas, comunicar-se e cooperar com outras pessoas. Tendem a ser, portanto, piores no trabalho em grupo.

Glamourizar o workaholismo, então, não faz sentido. A melhor ideia é controlar o tempo dedicado ao trabalho de forma saudável – não “apenas” pela sanidade mental, mas também em nome do desempenho. Para saber como, vamos primeiro entender o problema.

Prazer, workaholismo

Segundo o dicionário Oxford, a palavra workaholic apareceu pela primeira vez em 1947, em uma piada publicada no jornal canadense Toronto Daily Star. Ela dizia o seguinte: “Se você está amaldiçoado por um desejo invencível de trabalhar, ligue para Workaholics Anônimos, e um trabalhador recuperado te ajudará a voltar ao feliz ócio”.

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O neologismo juntava work com aholic, sufixo inglês ligado à ideia de vício, análogo ao nosso “latra” de “alcoólatra” e “chocólatra”. Mais tarde, em 1971, o termo apareceria de novo em “Confissões de um Workaholic: fatos sobre o vício em trabalho”, livro do psicólogo americano Wayne E. Oates, que ajudou a popularizar a palavra.

Os workaholics têm três características principais. Eles passam muito tempo trabalhando; ficam preocupados com o trabalho mesmo quando não estão se dedicando a atividades laborais, e labutam mais do que precisam para cumprir as exigências do cargo.

Mas não só. Muitos pesquisadores concordam que as pessoas viciadas em trabalhar apresentam esse comportamento devido a um impulso que parte delas mesmas, e não por conta de fatores externos – poderia ser um chefe que as sobrecarrega ou uma necessidade financeira de batalhar mais que as 44 horas semanais.

Sigmar Malvezzi, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP, afirma que um ponto fundamental para o surgimento do workaholismo é o abandono da reflexão. Os workaholics entram em um “modo automático” e passam a responder excessivamente às demandas do escritório, sem se atentar ao horário do expediente, por exemplo, ou aos dias disponíveis para realizar suas atividades.

“O problema está naquilo que chamo de perda do contato com a realidade imediata”, afirma Malvezzi. “A pessoa viciada em trabalhar não olha mais o que está sendo pedido, não avalia, não pondera. Ela apenas responde aos estímulos [do escritório]. E, a partir de certo ponto, passa a criar demandas por conta própria. Perde o discernimento entre o pessoal e o profissional.”

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Mas é vício mesmo?

Há uma discussão entre psicólogos sobre o workaholismo ser ou não ser um vício, de fato, comparável a outros – como a compulsão por jogos de azar, álcool, drogas. Mark Griffiths, professor da Nottingham Trent University, na Inglaterra, que estuda esses e outros comportamentos, não tem dúvida: é vício, sim.

Em um artigo publicado no site da Sociedade de Psicologia Britânica, o pesquisador argumenta que o workaholismo tem as características principais dos vícios. Para começo de conversa, o trabalho domina o pensamento do workaholic. Ele também altera o humor dessas pessoas, podendo fornecer alguma euforia ou servir como escapismo. Ou seja, indivíduos podem desenvolver a obsessão como uma forma de preencher lacunas em sua vida pessoal ou se distrair de questões incômodas.

Isso foi verificado em um estudo de 2016, que pesquisadores noruegueses publicaram na revista PLOS One. Investigando a relação entre o comportamento workaholic e sintomas de doenças psiquiátricas entre 16,4 mil pessoas, eles chegaram à seguinte conclusão: o workaholismo se desenvolve, em alguns casos, como uma tentativa de reduzir sintomas de ansiedade e depressão. Mas você também pode apresentar sinais desses transtornos justamente por esvaziar sua rotina, por preencher sua vida com um emprego que, às vezes, nem é realmente significativo. E aí acaba trabalhando mais para para conter uma ansiedade/depressão causada justamente pelo trabalho. Uma coisa alimenta a outra.

Seguindo Griffiths, os workaholics desenvolvem certa tolerância às atividades que realizam e precisam aumentar gradativamente a quantidade de tempo que passam trabalhando para que a atividade adquira seu caráter escapista. É exatamente o que acontece com alcoólatras – que precisam de doses cada vez maiores ao longo da vida para obter o mesmo efeito. 

Ainda segundo o pesquisador inglês, o workaholic apresenta sintomas de abstinência, como tremor ou irritabilidade, quando não pode trabalhar. A dedicação excessiva causa conflitos – sejam internos, sejam nas relações com outras pessoas. O workaholic até pode controlar o comportamento por determinado período, mas tem recaídas. Outra montanha-russa similar à do alcoolismo e do vício em drogas.

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Para identificar o vício

A Escala de Dependência de Trabalho de Bergen ajuda a diagnosticar o workaholismo. O paciente avalia os itens listados abaixo, atribuindo a frequência com que eles se aplicam à sua vida: nunca, raramente, às vezes, frequentemente ou sempre. Se responde “frequentemente” ou “sempre” a pelo menos quatro itens, ele pode ser um workaholic.

  • Você pensou em como arranjar mais tempo para o trabalho.
  • Passou muito mais tempo trabalhando do que havia planejado inicialmente.
  • Trabalhou com a intenção de diminuir sentimentos de culpa, ansiedade, desamparo e depressão.
  • Escutou outras pessoas dizerem para reduzir seu ritmo de trabalho e não as ouviu.
  • Ficou estressado se foi proibido de trabalhar.
  • Deixou de priorizar hobbies, atividades de lazer e exercícios por causa do trabalho.
  • Trabalhou tanto que influenciou negativamente sua saúde.

*Tradução para o português brasileiro sugerida em “Bergen Work Addiction Scale: Adaptação e Teste de um Modelo Carreira-Trabalho-Família”, De Andrade et al. (2022).

Maior risco de um ataque cardíaco

Esses aspectos apontados por Mark Griffiths distinguem um workaholic de um profissional simplesmente produtivo e engajado, que gosta do emprego e, por isso, dedica-se bastante. Este último não sofre consequências negativas provocadas pelo trabalho contínuo. O workaholic, sim – tende a dormir pouco, prejudicar seus relacionamentos e reservar tempo insuficiente para o lazer.

O resultado é óbvio: a pessoa se torna menos produtiva, pois suas habilidades cognitivas pioram. “Uma pessoa viciada em trabalhar tem níveis elevados de estresse, o que contribui para o adoecimento psíquico e para o surgimento de ansiedade, depressão e, claro, o famoso burnout”, afirma Thais Cavalcanti, psicóloga na rede credenciada da Alice (companhia de planos de saúde).

Workaholics, inclusive, são profissionais mais propensos à hospitalização e a sofrer ataques cardíacos. Alguns estudos sugerem que isso se dá principalmente entre os que não consideram seu trabalho significativo – e mesmo assim mergulham nele.

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“Amar o que se faz poderia mitigar os riscos associados à obsessão”, argumentam Lieke ten Brummelhuis, professora da Simon Fraser University (Canadá), e Nancy Rothbard, professora da Universidade da Pensilvânia (EUA), na Harvard Business Review. Elas afirmam que workaholics engajados pontuam melhor do que os não engajados em habilidades de comunicação e gerenciamento de tempo, por exemplo, além de relatarem receber mais apoio de gestores, colegas de trabalho e familiares.

“Acreditamos que esse arsenal de recursos”, elas afirmam, “pode ajudar os workaholics engajados a evitar que as queixas iniciais de saúde [como privação de sono e ansiedade] se transformem em riscos mais graves [como ataques cardíacos]”. Mas, é claro: o melhor mesmo é não ter de lidar com essa obsessão.

Combate ao vício nas empresas

Em abril de 2021, o LinkedIn deu uma semana de folga remunerada para mais de 15 mil funcionários ao redor do mundo e garantiu que ninguém recebesse e-mails ou mensagens de trabalho nesse meio-tempo. Era uma medida extrema para evitar o burnout e promover o bem-estar na companhia – que rendeu outras políticas, de longo prazo, com o mesmo objetivo. Alguns exemplos são os programas Half Fridays e No Meeting Days, que implementaram o meio período às sextas-feiras, em meses específicos, e um dia por mês sem reuniões, respectivamente.

Alexandre Ullmann, diretor de recursos humanos do LinkedIn Brasil, defendeu na época que “ficar até tarde e estar disponível o tempo todo não significa, necessariamente, que o trabalho esteja sendo feito corretamente”. Para ele, “a produtividade está mais ligada ao aproveitamento de tempo e à qualidade das entregas do que às horas trabalhadas” e “um ambiente saudável e produtivo deve ser baseado em uma cultura corporativa que incentive os funcionários a não viver somente para o trabalho”.

Essa é justamente a mentalidade que ajuda a combater o workaholismo – e a desmistificar a ideia de que a dedicação sem limites ao trabalho é uma virtude. Segundo os especialistas ouvidos pela VOCÊ RH, é importante que os responsáveis pela gestão de pessoas nas companhias saibam identificar os sintomas do vício – e promovam discussões sobre saúde mental e bem-estar no trabalho.

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Os gestores podem contribuir incentivando os colaboradores a se manifestar quando se sentirem sobrecarregados e a descansar de verdade aos finais de semana e feriados, não permitindo trocas de e-mails e mensagens sobre trabalho durante as folgas, por exemplo. Construir cronogramas realistas também é importante.

Proteja-se – e procure ajuda

Também há possíveis soluções individuais, que partam do próprio viciado em trabalho. Arthur Brooks, cientista social e professor de Harvard, listou algumas em sua coluna da revista Atlantic. As sugestões incluem manter um registro cuidadoso de rotina, durante alguns dias, para entender quanto tempo você passa trabalhando e o que faz quando não está trabalhando; reservar um tempo do dia para atividades não relacionadas; e programar o lazer. “O tempo não estruturado é um convite para voltar ao trabalho ou a atividades passivas que não são boas para o bem-estar, como navegar nas redes sociais ou assistir televisão”, ele argumenta.

O ideal, naturalmente, é que workaholics busquem ajuda profissional. É o que fez Carol Motta, paulista de 34 anos* que trabalha como social media e ghostwriter – e que hoje é uma pessoa como o “trabalhador recuperado”, da antiga anedota canadense.

Motta desenvolveu o vício em trabalho quando ainda estava na graduação, motivada por um sentimento de insegurança alimentado pela relação tóxica que tinha com um orientador de pesquisa. O workaholismo levou ao adoecimento físico e psicológico da profissional, que desenvolveu um quadro de depressão e ansiedade, e a afastou do trabalho. Ela teve, então, de recorrer a psicólogos e psiquiatras.

“Hoje, minha relação com o trabalho é bem mais saudável”, ela afirma, “embora às vezes apareça uma dificuldade ou outra, percebo que estou indo no modo automático [trabalhando demais] e preciso fazer uma pausa. Mas acredito que o mais importante é essa observação constante de si mesmo; o autoconhecimento – além, claro, das medidas práticas que às vezes são necessárias. Eu, por exemplo, tive de me afastar do trabalho e da relação que estava me adoecendo”.

O professor Malvezzi afirma justamente que psicólogos podem ajudar workaholics a “perceber a realidade ao seu redor e a retomar sua capacidade de reflexão; voltar a discernir vida pessoal e profissional”. 

Mas soluções individuais, claro, não resolvem sozinhas um problema relacionado à mentalidade do mundo corporativo e à estrutura dos ambientes de trabalho. É uma causa de todos, para o bem das empresas e de seus colaboradores – que, como todo mundo, merecem um descanso.

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Este texto faz parte da edição 90 (fevereiro/março) da VOCÊ RH. Clique aqui para conferir os outros conteúdos da revista impressa.

Agradecimento: Marcos Mendanha, professor convidado da pós-graduação em Medicina do Trabalho, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).

Errata: A versão impressa desta matéria dizia que Carol tem 28 anos, mas ela tem 34.

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