decisão de escrever esta coluna veio das minhas vivências no consultório, em rodas de conversas corporativas e dos meus estudos em dependências tecnológicas. Além disso, fui impactada pelas últimas notícias que envolvem jovens em situação extrema de cometerem atos de violência a si e aos outros, em que vidas são interrompidas. Será que na era da abundância, em que tudo está a um clique de distância, somos felizes? Ou apenas cobrados a buscar a felicidade o tempo todo e, consequentemente, prazer e aceitação?
Não, você não leu errado. É natural desejarmos uma pausa da rotina apressada e estressante e daquilo que nos incomoda. Entretanto, vivemos numa época em que somos desafiados incansavelmente, até mais que em décadas anteriores, e isso anda causando dificuldades crescentes nas pessoas quanto à produtividade e à tolerância nas relações sociais e afetivas, muitas vezes levando a caminhos tortuosos para “lidar” com frustrações e dores, numa busca incessante por consumir mais prazer, não importando de que forma.
E agora chegamos a uma palavra-chave: prazer. No nosso organismo, a dopamina é um mensageiro químico responsável por diferentes funções, entre elas prazer, humor, memória, motivação, regulação do sono e estímulo do sistema de recompensa. Isso quer dizer que toda vez que você sobrevive a algo perigoso, leva um susto, tem relações sexuais ou ingere comidas calóricas, o cérebro decide premiá-lo e envia uma descarga desse neurotransmissor, como se estivesse parabenizando você por lidar com as situações.
A questão é que a dopamina também entra em ação quando praticamos atividade física, consumimos drogas, desenvolvemos algum vício em algo que nos conforta ou recebemos curtidas nas redes sociais, já que os famosos likes servem como gatilho para a sensação de bem-estar, fazendo com que passemos cada vez mais tempo ao smartphone, no ambiente digital, buscando aceitação ou também uma maneira de escapar dos problemas. Eu sei, a gratificação é boa! Mas a grande descoberta do século passado é que a mesma região do nosso cérebro responsável pelo prazer também é o que administra a dor. Como, então, acontece a relação entre prazer e sofrimento e como isso se tornou essencial para a vida?
Redes sociais e a felicidade
De acordo com o estudo “Economia do Mal Estar”, do Grupo Consumoteca, 58% dos brasileiros estão insatisfeitos com a sua vida atual e 41% acreditam não fazer tudo o que podem pela sua felicidade. O resultado também levantou os impactos que postagens de outras pessoas nas redes sociais têm na valorização de si mesmo perante os demais. Podemos, sim, querer somente escapar nas mensagens do WhatsApp, nos vídeos do YouTube, nas curtidas do Instagram ou em visualizações do TikTok, mas, a todo momento, num consumo desenfreado de conteúdo sem responsabilidade e exposição pessoal, apenas para sentir cada vez mais prazer. É algo nocivo não apenas para a nossa saúde mental, mas também para o nosso desempenho profissional, para a produtividade, o foco, as nossas relações e tudo o que equilibra os setores da vida, até mesmo a saúde física.
Em seu livro Nação Dopamina: Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar, a psiquiatra Anna Lembke reflete o consumo contínuo e compulsivo de substância ou um comportamento. Jogos, vídeos, sexo, celular, álcool, cigarros comuns e eletrônicos, redes sociais, remédios — apesar do mal que fazem, são responsáveis por proporcionar essa falsa felicidade, e todos estão disponíveis na internet, que oferece acesso a drogas velhas e novas e sugere novos comportamentos o tempo todo. Por exemplo, vídeos virais que se tornam memes e que dominam as redes.
A abundância dopaminérgica
Infelizmente, nosso cérebro não dá conta desse universo de grande abundância dopaminérgica gerado pela sociedade. E o celular fornece dopamina digital 24 horas por dia para uma geração cada vez mais conectada, mas que não olha para si mesma com presença e responsabilidade. Nossos mecanismos de busca de prazer, que anteriormente serviam para impulsionar a sobrevivência, agora abrem espaço para serem geradores de vício que desequilibram o processo que regula as sensações interconectadas de prazer e dor.
O que acontece é que estamos cada vez mais reféns da fuga hiper dimensionada de um desconforto ou frustração e na busca da felicidade pessoal, que se tornou uma máxima contemporânea. Sempre mais dopamina, situações de bem-estar, aceitação dos outros, porque assim as pessoas se sentem valorizadas.
Aqui também faço uma reflexão: a ditadura da felicidade se tornou real e vem sendo reforçada pela falsa crença dos pais de hoje de que qualquer experiência negativa pode ser traumática para uma criança, o que resulta em um mundo em que as pessoas são menos tolerantes com as adversidades e muito mais hedonistas. Se não há contato com tristeza, frustração e raiva, como desenvolveremos nossa capacidade de lidar com problemas e encontrar soluções?
Mitigando comportamentos viciantes
Uma das sugestões da Dra. Lembke, da qual compartilho, é interpor barreiras entre nós e nossos vícios, que podem ajudar de forma relevante a regular a força do desejo. Uma dessas barreiras é retardar o acesso às coisas e aos comportamentos que nos prejudicam. No caso do ambiente digital, definir tempo para usar as tecnologias pode ser um bom começo. Aplicativos que restringem o uso de redes sociais e suas notificações a partir de um determinado horário também colaboram para a prevenção da saúde mental. O que vale é a vontade de se desprender e buscar essa sensação de prazer em atividades saudáveis.
Agora eu te convido, caro leitor, a abrir a mente e com curiosidade se dar conta de que vivemos uma era de consumo excessivo e gratificações instantâneas porque transformamos o mundo de um lugar de escassez para um de imensa abundância. Só você tem o poder de reagir aos estímulos e equilibrar o uso benéfico da tecnologia com a sua saúde. Já está na hora de começar.